16 dezembro, 2006

Litvinenko, uma história mal contada

O caso Litvinenko é história muito mal contada. Não me vou embrenhar em intrigas à James Bond. Dele só retenho a recomendação "stirred, not shaken". Parece não haver dúvidas de que Litvinenko morreu de uma dose letal de radiação emitida pelo isótopo 210 do polónio, introduzido no seu organismo por forma aparentemente desconhecida. Não pode ter sido só por contacto cutâneo, não causaria efeitos tão dramáticos. Comecemos por lembrar o que é isto de radiações e de isótopos.

A radiações estamos todos sujeitos, num largo espectro de energias/frequências. Se não estivéssemos sujeitos à radiação luminosa, éramos cegos. De outras, como as microondas, ainda não conhecemos possíveis riscos. Outras não, toda a gente sabe que se deve proteger na praia dos ultravioletas, e que os raios X e gama são cancerígenos, causaram mais mortos de Hiroshima dos que morreram imediatamente pelo efeito térmico da bomba. Mas as radiações não aparecem espontaneamente no universo, têm sempre uma fonte. Nos casos mais correntes, são o nosso pai Sol.

Também as temos em casa, na Terra, os isótopos radioactivos. Todos os átomos se definem por um certo número de protões no núcleo, de carga positiva, igual à dos electrões negativos que orbitam ao redor. A diferença está no número de outras partículas, os neutrões, sem carga eléctrica. Átomos com o mesmo número de protões e electrões, que definem as suas características, mas com mais um ou mais neutrões, chamam-se isótopos. Muito frequentemente, manifestam-se como coisas irrequietas, emitindo radiações. Por exemplo, o vulgar carbono tem número atómico 12, mas já toda a gente ouviu falar no seu isótopo 14, o radioactivo, que permite a datação dos fósseis. É o mesmo átomo, mas com dois neutrões a mais, que o "perturbam". Fica com energia a mais e "vomita-a", como radiação.

O que temos lido é que se está a encontrar radiação de polónio-210 por toda a parte, hotéis, restaurantes, aviões, Londres, Moscovo, Hamburgo. Não se percebe, porque não há coisa nenhuma que se chame radiação de polónio-210 que fique a pairar na ausência do próprio polónio-210. Se Litvinenko foi fortemente contaminado, aceito que também fiquem contaminados – com a substância radioactiva, não com a radiação! – sítios por onde passou, as sanitas em que urinou, superfícies para que espirrou. Mas não urinou radiação, urinou foi a fonte da radiação.

Mas não, há radiação por toda a parte. Impossível. Se há radiação por toda a parte, há polónio-210 por toda a parte, a emiti-la. Isto é que já não me cabe na cabeça. Posso admitir um descuido, uma ou outra contaminação acidental. Agora profissionais da morte que andam com as mãos sujas de polónio-210 a espalhá-lo por toda a parte, aviões, hotéis, restaurantes, isto é que não. Há uma coisa clássica nestas histórias, o baralhar pistas.

Desculpem o pretensiosismo da lição de física, mas creio que é dever de cada um contribuir com alguma base técnica para o raciocínio dos leigos.

Registe-se ainda uma nota importante. Polónio-210 não se vende na drogaria. Não sei quem o pode adquirir, se a corte de Putin, se o ex-KGB (parece que é a mesma coisa), se a máfia russa. Uma coisa sei, sinto-me pouco seguro. No entanto, continuo a não trocar a liberdade pela segurança. Não será esta a grande questão dos nossos tempos de hoje?

1 comentário:

M.C.R. disse...

Ora até que enfim que alguém me explica um par de coisas! Isto de ter seguido a antiga alínea de direito faz com que fisica e quimica sejam para mim quase desconhecidas. Começo agora a perceber o que me intrigava no caso. Parecia que havia uma longa série de luzinhas (pistas) a apontar de tal modo evidentemente que as dúvidas não erm permitidas. Agora pelo menos já sei que há pistas a mais e polónio também. vai-se a ver até no futebol português o haverá...