09 dezembro, 2006

Separatismo

Sempre que há um conflito entre o inefável Aberto João Jardim (AJJ) e as autoridades da República, lá vem o separatismo, por interpostos lacaios. Nos Açores, é história arrumada e há um certo pudor em se falar disso. Na Madeira, é claro que é simples folclore o discurso habitual do factotum Jaime Ramos. E folclore até pode não ser muito mau, como no carnaval do Funchal, mesmo que com a participação histriónica de AJJ. Vou mais longe, até o admito a nível partidário, no célebre discurso anual depois de uma manhã de provas de poncha e canudinhos em cerca de cinquenta tascas. O que já não admito é a ridicularização das instituições do Estado.

Dito isto, é bom lembrarmo-nos de que não há qualquer ameaça separatista nos dois arquipélagos. No caso da Madeira, é pura chantagem política. Independência para quê? Para países inviáveis, em vez do conforto da solidariedade continental com os custos da insularidade? AJJ pode ser tudo menos estúpido, embora nem sempre se preocupe com realçar essa ideia de si próprio.

Curiosamente, onde o separatismo teve alguma importância (já explico o termo) foi nos Açores, como bem o demonstram as declarações de Carlucci, na sua visita recente a Portugal. A Madeira, foi fenómeno local, tirando algumas coisas surrealistas como uns eventuais contactos com a Líbia. Nos Açores, o separatismo foi um instrumento da estratégia americana, ao mais alto nível. Não é por acaso, embora descarado, que um dos maiores activistas fosse um funcionário açoriano do consulado americano ou que um recrutador notório passasse, publicamente e sem preocupações de desmentido, por agente da CIA. Quando me referi à importância da FLA não era à sua expressão real, mas sim ao seu papel instrumental como ameaça dos EUA em relação ao curso revolucionário no continente. Creio que isto está mais do que demonstrado, em muita documentação (é pena é não conhecermos as actas do encontro entre Spínola e Nixon). Note-se que, com o 25 de Novembro, se esfumou o separatismo açoriano.

Dito tudo isto, ponhamos a questão às avessas. De certa forma, o que seria natural é que houvesse separatismo e muito mais forte. Os arquipélagos merecem estudo em termos do seu portuguesismo secular. A língua e as tradições são importantes, mas quantos países hoje independentes não tiveram isso em conta? Gerações sucessivas de ilhéus, açorianos e madeirenses, nunca conheceram Portugal continental. Ainda me lembro, na minha meninice, de ser um luxo vir-se conhecer o continente, mas isto também era o sonho de muita gente. Ainda por cima, a pesada exploração senhorial (lembram-se do célebre encontro dos corvinos com Mouzinho da Silveira?) podia ser facilmente identificada com "colonialismo". Pelo menos em S. Miguel, o grande senhor, Vila Franca ou Ribeira Grande, sempre viveu na corte, desde o tempo de D. João IV (fora uma passagem pelos Estaus, pelo "nefando crime").

No entanto, falando agora só dos Açores, como exemplo, até houve tempos em que, de certa forma, Portugal – ou o seu melhor – só estava nos Açores: Prior do Crato e liberalismo. Depois, o movimento autonomista dos finais do século XIX até foi bem modesto, defendia apenas, como conseguiu, uma maior autonomia administrativa. Ninguém pensaria numa autonomia até legislativa, como a actual, generosamente conferida pelos constituintes.

Desafio os leitores, em conclusão, a reflectirem sobre esta coisa tão simples. Como é que umas centenas de milhares de pessoas, ao longo de séculos, isolados no meio do oceano, se mantiveram sempre portugueses? Isto leva-me a repetir uma afirmação de identidade pessoal que costumo fazer. Sou muito português porque sou muito açoriano, sou muito açoriano porque sou muito português.

2 comentários:

Anónimo disse...

Este seu post aborda - na minha maneira de ver - três assuntos diferentes, qual deles o mais sério e importante. Distingo o caceteirismo madeirense de Alberto João e c.ia (e recordo que o meu pai nasceu naquela ilha, onde vou de vez em quando e onde tenho família), do separatismo açoreano de 74/75 e daquilo que sintetisa na expressão "Portugal – ou o seu melhor – só estava nos Açores".

Não creio que valha a pena continuar a falar das ameaças de separatismo madeirense (são como o tema "Sá Carneiro: atentado ou acidente") porque é um tema recorrente que perdeu o efeito prático. Porém a questão dos Açores 74/75 é um tema de estudo que merecia mais atenção dos investigadores de História Contemporânea (creio que há, pelo menos, uma tese sobre isso na Universidade dos Açores). Houve uma altura em que lhe dei alguma atenção, motivado por uma comunicação de Onésimo Teotónio de almeida, num colóquio realizado na Faculdade de Letras em 1995, mas depois perdi-me. Mergulhei completamente na náutica do século XVI. Recordo-me, no entanto, que há um momento de inflexão relacionado com um encontro entre o chanceler alemão Helmut Schmidt com o presidente Ford, em Maio de 75. Ford perguntou claramente a Schmidt (está na autobiografia do chanceler) "Como reagiriam os Europeus se os Açores se separassem de Portugal, declarando a sua independência?". Pergunta cuja resposta foi a de que tal era inaceitável. E, a partir daí, o separatismo foi desapoiado, verificando-se uma inflexão política de figuras como Mota Amaral (acusado depois de traição pela linha de José de Almeida).

O terceiro "assunto" também é vasto. Penso que tem grande importância porque se prende com a própria estratégia nacional. Foi muito vulgar que planos de contingência política envolvessem o deslocamento do governo de Lisboa para os Açores. Fez sentido e justificava a (e assentava na)aliança portuguesa com "a potência marítima". é assunto vasto, creio eu.

Anónimo disse...

Naturalmente "sintetiza" e não "sintetisa".