Vamos qu'é d'obrigação, cantam os foliões de Espírito Santo da minha terra. Vamos lá então retomar a escrita, mas, ainda com a ressaca de preguiça festiva, vou fazer como uma "ilustre" escritora que se autoplagia (não digo quem, não sou parvo, não gosto de tribunais).
Quando é que acaba a infância? Podemos desenvolvermo-nos em homens-meninos, coisa muito diferente de continuarmos meninos-homens? Assunto complicado, que tem a ver com o perecimento do adquirido. Diz-se que ninguém se esquece de nadar, patinar ou andar de bicicleta, depois de aprendido em miúdo. Isto é prosaico. Há outras coisas muito mais importantes que a vida oblitera, como saber voar para a Terra do Nunca, namorar aos cinco anos de forma tão diferente, sempre com a pergunta inquieta de como é o pipi das meninas, saber apreciar como néctar o dedo final da cerveja do pai nas festas do Senhor Santo Cristo.
Acima de tudo, a roturante morte da infância que é dizerem-nos que o Pai Natal não existe. Na minha terra, era o Velho do Natal. Não existe? Essa agora, quantas vezes eu o vi!
Noite de espera terrível, a de Natal, horas e horas até à missa do galo, o cheiro de incenso da matriz a abrir o apetite, depois ainda a lenta chegada dos convidados, para ceia interminável. Os meus pais condescendiam que estávamos primeiro, irmãos e primalhada, que os seus acepipes podiam esperar. Para nós, era prendas e cama.
Coisa curiosa era que o Velho do Natal sabia exactamente a hora a que os meus pais davam toque para a cerimónia. Toque que tardava, até se assegurarem que estávamos todos bem arrebanhados e que não havia malandreco à espreita. No entanto, eu esgueiro, acotovelando os outros para chegar primeiro, conseguia sempre vislumbrar o velho, escapando-se rapidamente da despensa onde tinha deixado as prendas.
Confesso, no entanto, que sempre me ficou a atormentar que o meu Velho do Natal não fosse a rotunda personagem a quem eu escrevia as cartas dos desejos. Coitado, o meu tio Carlos não podia fazer melhor, era magro que nem um espeto.
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