Depois de um caso recente semelhante, o do presidente da Câmara de Setúbal, chegou agora a vez de Luísa Mesquita (LM), deputada muito conhecida do PCP e sua voz mais activa na educação. Foi solicitada a renunciar ao mandato, recusou, foi despromovida, por quebra da confiança política. No entanto, parece-me haver uma diferença importante. No primeiro caso, foi a quebra da confiança política que levou à demissão, agora essa quebra resulta da recusa da deputada em renunciar ao mandato, a única forma de permitir a sua substituição. Como não gosto de processos de intenções, vou aceitar que a única razão do PCP era, como afirmado, o rejuvenescimento do grupo parlamentar. Diferença ainda está no facto de, ao contrário de deputado, o cargo de presidente de câmara ser muito personalizado, muitas vezes decidindo isso a eleição.
Como aconteceu no caso de Setúbal, adivinho que o PCP vai ser criticado pela maioria dos comentadores. Sendo eu muito critico do PCP, este caso, todavia, merece-me muita reflexão. Por facilidade de exposição, começo por me pôr no papel do PCP. LM foi eleita numa lista partidária, numas eleições em que os únicos programas são os programas centrais de cada partido. A esmagadora maioria dos eleitores põe a cruz no quadrado identificador do partido em que vota e desconhece os candidatos. A prática parlamentar consolidada é a de disciplina partidária, com raras excepções de voto contra a decisão do partido ou de concessão de liberdade de voto. Um partido, na lógica do sistema, tem o direito de reajustar o seu grupo parlamentar (todos fazem rotações por motivos da agenda política do momento e dos temas em discussão). Não digo que tudo isto seja indiscutível, apenas que merece reflexão. E também não digam que estou de acordo antes de lerem todo este texto.
Saliento outro aspecto, de tipo pessoal. Como é sabido, os deputados do PCP (só do PCP?) comprometem-se a colocar o lugar à disposição sempre que o partido entenda que isso é politicamente necessário. LM tê-lo-á feito, mas agora não aceitou cumprir o compromisso. É questão de honra pessoal, não vou discutir. Também não me parece admissível que LM traga para esta discussão a sua amargura e sensação de ingratidão face à decisão partidária. Tem todo o direito de o sentir, quem não se sente não é filho de boa gente, mas não deve misturar isto com a questão política. A menos que tire daí consequências politicas em relação à sua militância, mas, então, a renúncia ficaria mais premente.
Questão diferente é a legitimidade ética de tal declaração, exigida pelo PCP aos seus candidatos. Tudo isto me leva a apoiar os muitos e muitos que consideram que é necessário rever a lógica do nosso sistema parlamentar, o seu funcionamento e o processo eleitoral.
Qual o papel dos partidos? Ninguém o nega, mas parece haver alguma tendência para o sacralizar em termos oitocentistas, de correntes organizadas de opinião política. Alguns ainda serão partidos com forte marca ideológica, mas a tendência é para a sua transformação em aparelhos de conquista e distribuição tribal do poder. Nestes termos, fica inquinada a teorização da relação eleitor-eleito. Na prática, quem é eleito é o partido. Cinicamente, diria que o deputado é um empregado como qualquer outro, subordinado ao poder do patrão.
Parece-me evidente que há que valorizar a responsabilidade e qualidade individuais dos deputados. Não podem ser apenas pessoas ao serviço exclusivo do interesse do partido. A questão de um compromisso entre a uninominalidade e a proporcionalidade parece-me mais importante colocada nestes termos do que em questões práticas de maior facilidade de contacto entre o eleitor e o eleito. Algum componente de uninominalidade vai exigir aos partidos maior cuidado na selecção dos candidates.
Por isto, simpatizo com uma regra de excepção para os eleitos nominalmente, a impossibilidade da sua substituição. A sua renúncia ou impedimento obrigaria a eleição intercalar, coisa não muito difícil em círculos uninominais. Também para responsabilização dos partidos na escolha dos seus candidatos, creio que declarações como as que o PCP pede aos seus deputados deviam ser consideradas como ilegais. Ao apresentar a candidatura de um deputado, o partido não pode estar a usá-lo como instrumento politico, tem de respeitar a pessoa (mas também esta tem de mostrar que merece esse respeito). No entanto, pelo que disse atrás, creio que no caso limite de uma cisão colectiva ou de uma desvinculação individual, é questão de honra os deputados renunciarem, porque, no actual sistema, perdem legitimidade política. Ou então, e é esta a minha conclusão, reveja-se o sistema, da sua filosofia à sua prática.
Finalmente, uma declaração patética de LM: "disseram que em Setembro devia regressar à minha vida profissional e académica, ou seja, ao lugar de professora do ensino secundário que ocupava antes de suspender a actividade, em 1995. Mas não é aos 57 anos que se regressa à carreira académica". Não sabia isto quando se candidatou? A sua decisão foi leviana e irresponsável? Ou estava a contar com a reforma, no fim do mandato? Não se pode ter o bolo e comê-lo.
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