11 novembro, 2006

A geração de/dos 60

Que bom que é falar de velhos e queridos amigos. "In illo tempore", em Coimbra, conheci os dois irmãos Correia Ribeiro, Octávio e Marcelo, moçambicanos, brancos, mas aparentemente com um toque de mestiçagem, que os deve orgulhar. O Octávio era meu colega de curso e, por isto, eu tinha relações mais próximas com ele. Passámos juntos para Lisboa e tínhamos encontros diários de café pós-almoço na velha Bocage. Ele foi "responsável" por uma das minhas mais tristes experiências, a da passagem por um tribunal plenário, felizmente para mim apenas como sua testemunha. Muito mais tarde, reencontrei-o em circunstâncias penosas, como médico da fase terminal do meu pai. Ai, médicos de antigamente!

Agora vou falar é do Marcelo, personagem única de mistura de inteligência, cultura, carácter e humor. Não há ninguém da geração de 60 em Coimbra que não o conheça. Anos mais tarde, foi manchete, talvez já esquecida, por ter sido demitido pelo Santana Lopes da pulseira do cargo de director regional da cultura no Norte.

Anos depois, conversámos muito como participantes independentes nos Estados Gerais de Guterres, já ambos órfãos na esquerda (tenho em agenda uma nota sobre "O desconforto de se ser de esquerda", sempre adiada pela dificuldade de se escrever hoje sobre isto). Venho agora a descobri-lo como co-autor de um muito bom blogue, o Incursões.

Entretanto, entre grandes abraços de e-mail, enviou-me um seu livrinho que desconhecia: Manuel Heizelmann, "A pedra no sapato, a pata na poça" (Centro Cultural do Alto Minho, ISBN 972-9467-10-2). Imperdível, meus amigos órfãos de/dos 60. Em cada linha, o que – parvamente? – nos definia, a utopia, a generosidade, o carácter, o gosto pela afirmação intelectual, o compromisso entre o individual e o colectivo, a conciliação difícil entre a disciplina e a rebeldia, tanto mais. É por isto que me repugnam tantos escritos actuais que não conseguem compreender o que era a riqueza mental e afectiva de se ser militantemente de esquerda, nesses tempos. Por isto, e o Marcelo certamente me compreende, dói-me hoje a minha vida política, como disse, "com o desconforto de ser de esquerda". O que é que isto quer dizer, no momento do voto?

Ainda por cima, o Marcelo escreve primorosamente. Para quando um romance sobre a nossa geração?

3 comentários:

M.C.R. disse...

Os olhos dos nossos amigos veem-nos com uma embaciada ternura que os salva do excesso de cumprimentos. Digamos que eu escrevo como me ensinaram os bons autores que vou lendo e os senhores professores Mourinha e cachulo da velha, pequena e humilde escola primária de Buarcos.
O resto, aquilo de termos sido o que acreditávamos e de termos acreditado no que éramos é virtude de muitos, quase de uma geração.
the times they are a changin' dizia o dylan. É verdade mas o aroma daqueles dias ainda nos permite, caríssimo João, respirar nestes duvidosos tempos de miasmas. De todo o modo as tuas palavras enchem-me de prazer embora seja obrigado a dizer que são amigavelmente excessivas. Um abraço
Marcelo
PS: não me arrependo dos Estados Gerais...

JVC disse...

"Não me arrependo dos Estados Gerais"

Também eu não. Foi muito nteressante. Acho é que não tem nada a ver com as Novas Fronteiras do Sócrates, com quenão alihnei.

Mas diz-me lá, meu caro amigo, em quem me aconselhas o voo?

José Leite disse...

Os blogues permitem viagens no tempo muito salutares. Vim aqui pela "mão" de Victor de Sousa do Funchal e deparei com um cenário pleno de humor e de afectividades...

Parabéns. Este universo blogosférico é algo de deslumbrante.
Um abraço do Rouxinol de Bernardim