O De Rerum Natura tem publicado umas crónicas de Rui Baptista em defesa da criação de uma Ordem de Professores. Na sua última entrada Rui Baptista coloca 10 questões sobre a Ordem dos Professores. Deixo aqui as respostas que dei às referidas perguntas.
Para que determinados profissionais se organizem numa Ordem ou numa Associação Profissional não basta terem uma formação superior. Devem cumprir um conjunto de exigências que se encontram explanadas na Lei nº 6/2008 de 13 de Fevereiro. O facto de, no passado, algumas profissões terem conseguido constituir Ordens Profissionais sem que, de facto, reunissem essas condições (estou a pensar, por exemplo, na Ordem dos Economistas) não deve justificar a criação de outras Ordens profissionais.
2. Porque será que os psicólogos lutaram anos a fio pela sua Ordem e se regozijam hoje por a terem finalmente conseguido?
Sou psicólogo de formação e fiquei satisfeito pelo facto de o Estatuto da Ordem dos Psicólogos ter sido recentemente aprovado pela Assembleia da República, embora os referidos estatutos contenham algumas lacunas e especificidades que considero negativas. De qualquer das formas, a psicologia é, pelas suas características, uma área científica e profissional que se adequa em absoluto ao seu enquadramento numa associação profissional ou ordem. Resulta de uma formação superior e os psicólogos não só devem pautar a sua intervenção por exigentes por critérios científicos como devem obedecer a um código deontológico que obrigue, por exemplo, ao segredo profissional. Este código até ao momento não existe.
Por outro lado, a atribuição da carteira profissional de psicólogo é actualmente uma prerrogativa do Estado, ao abrigo de uma legislação do Estado Novo. O resultado desta situação fez com que fossem atribuídas milhares de carteiras profissionais a pessoas cuja formação de base não era Psicologia, por exemplo, a licenciados em Filosofia que tivessem defendido uma tese de licenciatura em psicologia…Os psicólogos constituem um grupo profissional que, de facto, pela especificidade da sua área, requer uma ordem profissional que, através de mecanismos de auto-regulação, se substitua ao Estado que tem sido um péssimo regulador da sua profissão.
3. Porque será que a Fenprof, o sindicato com maior representatividade em número de associados, se inquieta tanto só de ouvir falar na criação da Ordem dos Professores?
Não faço a mínima ideia. Se isso sucede penso não compreendo porquê. A Lei nº 6/2008, de 13 de Fevereiro, é clara ao afirmar, no ponto 2 do Art.º 4º, que as Ordens “estão impedidas de exercer ou de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.”
4. Porque será que o partido com a responsabilidade da maioria absoluta parlamentar não deu provimento, na Assembleia da República, a uma petição, apresentada em 2 de Dezembro de 2005, para a criação da Ordem dos Professores, subscrita por 7857 docentes?
Provavelmente porque entendeu, e na minha opinião bem, criar previamente uma lei-quadro da criação das Associações Profissionais antes de proceder à autorização de criação de novas ordens. Foi essa a razão que fez com que o projecto de Estatutos das Ordem dos Psicólogos estivesse tanto tempo na Assembleia da República, tendo dado entrada no Parlamento antes da actual legislatura.
5. Terá sido por a Ordem dos Engenheiros não ter permitido a inscrição de licenciados pela Universidade Independente que a recente legislação regulamentadora de novas ordens profissionais retirou a essas associações a validação dos respectivos cursos de acesso?
Não foi só a Ordem dos Engenheiros que colocou entraves à acreditação de cursos. A Ordem dos Arquitectos fez o mesmo, sendo obrigada a admitir como associados, em sede de decisão judicial, arquitectos licenciados pela Universidade Fernando Pessoa. A actual legislação fez bem em retirar esse poder às Ordens passando-a para a actual Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior
6. Porque será que outras profissões, de idêntica projecção e responsabilidade sociais, se subordinam a um código deontológico específico que lhes impõe direitos e lhes exige deveres, responsabilizando os seus membros por uma prestação de serviços qualificados à comunidade, e os professores não?
Os professores são abrangidos pela Carta Deontológica do Serviço Público, aprovada pela Resolução 18/93 do Conselho de Ministros publicada no Diário da República em 17 de Março de 1993. A questão reside em saber se um outro código deontológico deveria ser aplicado aos professores e quem o deveria aplicar e fazer cumprir.
7. Não serão merecedores de igual tratamento os usufrutuários de um sistema de ensino consignado como um direito constitucional?
Existem outros direitos consagrados na Constituição. Sugere que todos os profissionais que de alguma forma se encontrem ligados a estes direitos devem ter uma Ordem Profissional?
8. Será que os professores se resignam ao papel de escravos ao serviço dos mandarins da Avenida 5 de Outubro?
É uma pergunta que deverá colocar aos professores. Mas acrescentaria uma outra: a existência de uma Ordem de Professores asseguraria que os professores deixassem de ser escravos ao serviço dos mandarins da 5 de Outubro?
9. Será que os resquícios de uma política sindical mercantilista, que inscreveu sem qualquer critério de formação académica minimamente exigente indivíduos que lhes batiam às portas na defesa de direitos bastardos e deveres não cumpridos, não contribuíram para a perda de prestígio da classe docente e para a perda da sua identidade profissional?
Estará eventualmente a referir-se a professores não profissionalizados que começaram a leccionar nos Ensinos Básico e Secundário sem a respectiva profissionalização. Mas saberá que, essencialmente ao longo das décadas de 70 e 80, a necessidade de professores que o sistema educativo reclamava era de tal forma avassaladora que ou sistema de ensino público admitia esses professores profissionalizando-os depois ou enfrentaríamos o colapso do sistema com uma falta generalizada de professores. É certo que foram cometidos muitos erros de natureza política e que uma exigência de qualidade ao nível da formação inicial de professores nunca foi uma prioridade da política educativa até, pelo menos, à criação do Instituto Nacional da Acreditação da Formação Inicial dos Professores (INAFOP) no consulado do Eng.º Marçal Grilo. O INAFOP viria a desenvolver um trabalho meritório mas, infelizmente, foi extinto pelo governo de Durão Barroso sendo à altura ministro da educação o Prof. David Justino.
10. Finalmente, considerando um silêncio que, infelizmente, parece não prenunciar a máxima de quem cala consente, qual é a posição dos Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior sobre a criação da Ordem dos Professores?
Relativamente a esta pergunta não lhe sei responder.
Mas, essencialmente, estou contra a criação de uma Ordem de Professores porque julgo que a profissão de professor não se enquadra, pelas suas características, nas profissões que exigem a regulação de uma ordem. Os professores dos ensinos básico e secundário do ensino público leccionam programas cuja concepção não são da sua responsabilidade. O currículo também não é da sua responsabilidade. Os seus alunos transitam de ano de acordo com regras emanadas superiormente e são, em muitas circunstâncias, avaliados por exames oriundos de serviços do Ministério da Educação. O enquadramento legal que condiciona a profissão de professor é bastante restritivo da sua actuação. Isso não sucede com algumas profissões que são enquadradas por ordens profissionais. O único grupo de docentes a quem, eventualmente, se poderia admitir ser enquadrado por uma associação profissional seriam os professores do ensino superior. Francamente não vejo nenhuma vantagem nisso.
1 comentário:
Pelo democrático direito ao contraditório, saúdo a publicação deste texto em resposta ao meu "post", publicado no blogue "De Rerum Natura". Por igual motivo, e identificação do mesmo direito, respondi com um comentário que poderá ser lido no supracitado blogue por quem esteja interessado neste debate.
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