30 agosto, 2008

360º de Liberdade

Face ao que escrevi no meu último post intitulado UMA FÉ RACIONAL, vejo-me na obrigação de esclarecer o lado "racional" da minha "fé"...,
Disse eu que nos dizia o Jornal de Negócios que: Ciência e Tecnologia recebe mais 39,9% para funcionamento do que o orçamentado em 2008.
Na verdade, se pensássemos que o Orçamento de Funcionamento da Educação Superior, em 2008, se situava, ao nível do GPEARI, numa ordem de grandeza de 1 Bi de Euros, (1,237 Bi previstos, em 2007) se houvesse um acréscimo de 39,9%, teríamos então para 2009 um acréscimo previzível de cerca 400 M€; por isso, fiquei agora sem perceber exactamente o que é que aconteceu ao Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, mas uma coisa é certa, o tal acréscimo referido não parece ser fiável, porque o Orçamento Inicial para Funcionamento, que está previsto fixar em Orçamento de Estado, para 2009, será exactamente só 1244,5 M€ (ver Diário Económico de 27/08/2008 - cópia do extracto neste post - clique na imagem para ver melhor).
Dito de outra maneira, o orçamento do MCTES, a fixar para 2009 (1.244,5), será muito próximo mas abaixo do previsto para 2008 pelo mesmo GPEARI (1.373,07 M€) . Por outras palavras, será exactamente, 90,6% do orçamento previsto para 2008. Assim, meus caríssimos e raríssimos leitores, haverá não um acréscimo mas um decréscimo. Mas, enquanto se anunciou um acréscimo e de 40%, possibilitou-se um significativo remanejamento das atribuições financeiras às diferentes instituições, entre as quais serão francamente beneficiadas as candidatas a fundações - UAVEIRO, UPORTO e ISCTE - Parabéns para estas, porque pelo menos são "espertas".
A única boa notícia parece então resumir-se ao facto de ter HIPOTETICAMENTE desaparecido o famigerado factor de coesão.
Entretanto, entre as Estatísticas, percentagens, erros, favorecimentos e factos, o que permanece imutável, são os 360º de Liberdade deste Ministério.

Estranho só as choradeiras e mal dizer, sem nunca haver alguém, do CRUP ou do CCISP, a pedir OFICIALMENTE que as contas minesteriais sejam conferidas.

Este Ministério lembra-me sempre a minha avó materna - perguntava magnânima e secretamente a cada um dos netos quanta mesada precisava, e depois entregava ao mais velho um décimo do que tinha pedido o menos ambicioso de nós, e dizia-lhe para repartir, responsavelmente, esse valor por todos - éramos e, felizmente, ainda somos 5. Nunca soubemos, nesses tempos, nem os planos nem, as disponibilidades nem as execuções financeiras uns dos outros!

29 agosto, 2008

Fundamentalismo Cristão?

Consta que uma escultura de madeira, com um sapo verde crucificado, se encontra exposto no Museion, Museu de Arte Contemporânea em Bolzano, no norte de Itália.

Consta, igualmente, que o Papa Bento XVI não terá gostado da escultura e que terá escrito ao museu solicitando a sua remoção. Razão? A obra constitui uma blasfémia e insulto aos cristãos.

Mas que raio! Não tínhamos já aprendido que a censura de conteúdos na arte e na ciência dá asneira? Que nem a religião nem a política o justificam? Que os gostos não se discutem e que contra o alegado mau gosto a melhor resposta é a indiferença?

Afinal que diferença existe entre este sapo e as famosas caricaturas de Maomé?

25 agosto, 2008

Uma fé racional

No que diz respeito à Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, talvez se possa dizer que este Agosto tem sido um mês abençoado: notou-se uma ausência dos habituais «diz que não me diz» da comunicação social e dos porta-vozes institucionais, ao que se percebe, as férias estão a correr bem, porque não se ouviu nada de estarrecer - e acabarão ainda melhor porque de acordo com a divulgação - do nosso sempre atento blogger J. Cadima Ribeiro, do Blog Universidade Alternativa - de um artigo telegráfico do Jornal de Negócios, parece que os problemas financeiros do sector iniciaram um processo temporário de remissão (naturalmente a termo, até às próximas legislativas) - Ciência e Tecnologia recebe mais 39,9% (ascenderão a qualquer coisa como 400 milhões de euros - frase minha) para funcionamento do que o orçamentado em 2008. No capítulo 50, o financiamento nacional para investimentos passa de 432,5 milhões de euros em 2008, para 490 milhões de euros - o que representa um aumento de 13,3%.
Não percebo nada disso, mas penso que o Capítulo 50 se refere aos investimentos nacionais do PIDDAC previstos no"plano" e, como não ouvimos ninguém demasiado triste ou feliz, pressupõe-se que os destinos desse dinheiral, por enquanto, são murmurados apenas pelas "vozeszinhas" a quem o Senhor Ministro escuta com alguma atenção. (Não são essas vozes a que me refiro!)
Alguém tem receptores nesse comprimento de onda?
Eu explico: Por exemplo, já repararam que:
1) oficialmente, não se sabe ainda nada sobre os resultados das avaliações internacionais dos Centros de investigação, que foram auditados no início deste ano civil?
2) os concursos e editais para as contratações-bolsas de Doutorados fazem que andam mas não andam?

Silly season (II)

Continuando. Neste mês de Agosto, já é tradição infeliz os jornais ocuparem parte do seu espaço com inquéritos cretinos. Pior ainda é quando os disfarçam com umas perguntas parvamente pseudo-sérias, quase "intelectuais". Um exemplo é o inquérito de verão do Público (caderno P2). Como é que uma data de gente ilustre que tem dado o nome (hoje, por exemplo, é Helena Roseta) não tem vergonha? Há limites para a "silliness". Mal por mal, antes a entrevista de Lili Caneças ao Expresso, uma fantasia divertida pela sua mediocridade e pela sua notável capacidade de efabulação. Ou é como quem diz: mal por mal, na política, antes uma bojarda de Jardim do que uma coisa "séria" de Santana Lopes.

23 agosto, 2008

O veto: precedente perigoso

O veto presidencial à lei do divórcio vem demonstrar uma falácia vulgar, que já não há esquerda e direita. Aliás, também se diz outra coisa com que concordo, que a melhor definição de direita é dizer-se isso. Neste caso, defrontam-se uma visão a meu ver humanista, que vê o casamento como uma consagração formal de uma relação afectiva sempre perecível, e de uma visão conservadora, que o vê como um contrato que obriga o casal para além do amor.

Cavaco parece não ter tido dúvidas sobre a constitucionalidade da lei. Desde já alerto para o que me disse um advogado, que, formalmente, se o PS consentir em alterar uma palavra, a lei passa a ser outra e Cavaco passa também a poder enviá-la para o TC, a empatar. Ou até a devolvê-la novamente ao parlamento. A meu ver, seria um escândalo de brincadeira com os mecanismos constitucionais. O veto parece-me indiscutivelmente de ordem ideológica. É talvez o primeiro caso em que se vê o que foi votar em Cavaco, porque estou certo de que Alegre e Soares nunca vetariam esta lei. Constitui também um precedente perigoso. Até agora, os vetos tinham como fundamento a defesa do sistema democrático, do funcionamento dos órgãos do Estado ou da garantia dos direitos consagrados constitucionalmente. Este tem obviamente uma relação estreita com as convicções morais do cidadão Cavaco, coisa diferente do PR Cavaco.

Perdi uma aposta com um amigo que me disse estar convencido de que Cavaco vetaria a lei. Retorqui-lhe que, como foi das remodelações dos seus governos, a melhor forma de condicionar negativamente o homem é pressioná-lo. Enganei-me. Afinal, agora, não teve rebuços em aparecer como seguidor da Igreja e de outros círculos conservadores. Pode-se dizer que os seus motivos para o veto são só jurídicos. Ingenuidade, é só ler bem a argumentação por vezes até aberrante (como o caso das mulheres vítimas de violência que não querem o divórcio).

Não sei o que se vai passar, quando e com que prioridade agendará o PS a rediscussão da lei, até onde cederá. Palpita-me que vai ceder em alguma coisa, mas não no essencial, naquilo que hoje já é consenso da legislação europeia, o fim da noção de culpa e do consequente divórcio litigioso. Neste caso, também me palpita que uma das reuniões de quinta feira em Belém chegará a um entendimento em que ambas as partes salvem a face. Teria sido escusado todo este imbrolho.

Também é relevante, a este propósito, lembrar a posição da Igreja católica, com um aspecto muito significante que não se ouvia há muito. Frequentemente, a Igreja invoca posições morais ou ideológicas para se opor a leis ou políticas. Está no seu direito, desde que se coloque em igual posição a qualquer outra corrente de influência. Desta vez, há uma novidade inaceitável. O porta-voz da conferência episcopal declarou que a Igreja estava contra a lei por ela ser contra a religião! Fico à espera que o Sr. Pinto da Costa aproveite a onda e proteste contra qualquer lei por ela ser contra o Futebol Club do Porto. Tem a mesma "legitimidade". 

19 agosto, 2008

Silly season

Todos sabemos que ela existe, que é um problema para os jornais, à míngua de notícias e de artigos de qualidade por gente que está de férias. Na falta, já é costume o inquérito, normalmente da maior marca de cretinice. Afinal, a culpa é de quem se presta a isto. Leiam só a tristeza de um inquérito do Público a Irene Pimentel, prémio Pessoa. Gente ilustre pode não ter a noção do ridículo?

Nascer do Sol ou pôr do Sol?
O segundo, porque nunca assisto ao primeiro.

Qual é a sua ideia de felicidade?
Não consigo responder a uma palavra tão complexa.

Qual é o livro que tem vergonha de não ter lido?
Ulisses, de James Joyce.

Que língua gostava de falar?
Russo.

Como se imagina a envelhecer?
Exactamente como está a ser na realidade.

A quem atira a primeira pedra?
Não atiro pedras.

Obama ou McCain?
Obama.

Sócrates ou Ferreira Leite?
Sócrates.

Qual é a cidade de que mais gosta?
Lisboa.

Lê o seu e-mail nas férias?
Sempre.

Qual é o sal da vida?
É o sal da terra.

Que Caixa de Pandora nunca abriria?
A da Pandora.

Qual o assunto de que já não pode ouvir falar?
Dos anti-semitas que não se dizem anti-semitas.

Três coisas que gostava de transmitir ao seu filho/sua filha
Liberdade, Responsabilidade e Igualdade.

Onde está o diabo?
Em lado nenhum.

Quem mandava para Marte?
Ninguém. Coitadinhos dos marcianos.

Trocava Portugal por outro país para viver?
Não.

Qual é o seu museu preferido?
O museu judaico de Berlim

Como gostava de ser recordado(a)?
A prazo, ninguém é recordado.

Que pergunta gostava que lhe tivesse sido feita neste inquérito?
"Já tomou seu Toddy, hoje?"

Tristezas portuguesas

Évora é a cidade central de uma vasta região portuguesa, tem para cima de 40.000 habitantes, tem uma boa tradição cultural e um património invejável, tem uma companhia de teatro, tem uma universidade com vários cursos na área cultural e com uma população jovem educada e certamente com apetência para a cultura. Mas só tem duas salas de cinema e que talvez fechem daqui a dias. Não dá para acreditar.

13 agosto, 2008

Um pezinho de Nemesis

Já há uns dias, percorrendo a minha blogosfera favorita, li a seguinte informação: Licenciatura pode custar €13 mil - barata a feira, pensei intrigadíssima - mas, anteontem, rececebi por mail uma cópia do texto original, que - sob aboluta consciência de estar a cometer um pecado capital - vos deixo aqui neste post.
Então, quem é amiga?
Se não quiserem tornar-se meus cúmplices, resistam à sua leitura, caso contrário, cliquem na imagem seguinte para ver se conseguem discernir melhorzinho algumas das letras.
.
Tal como poucos percebem bem, penso eu e também não serei um desses, é dificílimo atinarmos ao que nos estamos a referir quando em Portugal lemos os termos Licenciatura ou Mestrado - porque qualquer destes termos pode ser, literalmente, qualquer coisa que nos passe pela cabeça.
Já custos unitários por estudante-curso-instituição-ano civil, podem ser melhores indicadores, desde que lidos com precauções.
Considerei muito interessante a posição publica de alguns responsáveis institucionais que, como sempre não coincide entre eles, para nos explicarem porque é que na realidade os custos são tão variáveis.
Inclino-me, no presente caso, para dar alguma pontinha de razão ao Senhor Presidente de TODOS OS POLITÉCNICOS (incluindo o de Leiria, pois claro), acredito que em algumas destas instituições os custos de docência são mesmo casos de "Oh Senhor Guarda olhe-me lá para isto!"
Quem terá menos razão, para mim, será o Senhor Reitor da UTL, que diz que é por causa da percentagem de Doutorados; isso é que era muito bom... - porque os custos remuneratórios dependem das formas contratuais em uso nas diversas instituições, em que os ditos prestam serviço. Não esquecer que, em muitos casos, os docentes permanecem por tempos imorredoiros, em categorias profissionais de primeiro escalão, apesar da formação académica, tempo de serviço e, sobretudo, da qualidade da sua prestação curricular não ser reconhecida e devidamente contemplada; também nos diz o Senhor Reitor da UTL, que depende dos investimentos em equipamentos e laboratórios mas, normalmente, esses custos para a maioria das instituições, - o que pelos vistos não inclui a UTL - provêm de outros financiamentos que não o Orçamento Geral do Estado, e o mais interessante é o facto de em nenhum desses financiamentes se incluirem custos de manutenção e de amortização de equipamentos, infra-estruturas e instalações - estes custos estão por conta da Protecção Divina, ou de outras quaisquer protecções, e são algumas.
.
Enfim, todos se queixam mas, a meu ver, não é que o financiamento público da nossa educação superior seja pouco, o nosso PIB é que teima em manter-se embrionário - é um PIBZINHO... e a nossa inciativa privada também só pode ser muito limitada.
Contudo concordo com todos que dizem serem difíceis de engolir os resultados das decisões pessoais por votos de extrema pobreza, quando se opta pela frugalidade da vida num Carmelo de Irmã(o)s Descalcinha(o)s...
Há-de melhorar, assim que todos tivermos mais juízo.

12 agosto, 2008

Todo o homem tem um preço

Há quase 30 anos atrás visitei a Grã-Bretanha, em especial a sua capital, Londres. Um dos locais que me levaram a conhecer foi o conhecido Speakers' Corner, um bastião da liberdade de expressão de uma das mais velhas democracias do mundo. Nos dias de hoje com o aparecimento da Internet, em particular com o advento dos blogues, é difícil perceber a importância que o Speakers' Corner outrora desempenhou.

Uns dos aspectos que me chamou mais a minha atenção eram as provocações que alguns dos ouvintes faziam aos oradores. Aproximavam-se da pequena multidão que rodeava um palestrante, em poucos minutos apercebiam-se da sua linha de argumentação e disparavam duas ou três perguntas embaraçosas, divertindo-se a ver como ele se desenvencilhava. Ao fim de pouco tempo desapareciam e iam escolher outra vítima das suas incursões. 

Fui deambulando pelo local ouvindo várias intervenções, umas mais interessantes do que outras, e acabei por me deter a ouvir um velho orador a defender as virtudes do anarquismo. A sua voz não era exaltada, ao contrário de outras que tinha escutado, nem o seu discurso tinha nenhuma tonalidade profética. Ao fim de algum tempo vejo aproximar-se uma pessoa que, vim a descobrir depois, era um dos provocadores de serviço. Interrompendo a prelecção perguntou-lhe em tom um pouco agressivo:

 ‒ É corruptível por dinheiro?

O velho anarquista cofiou as suas longas barbas brancas, levantando os olhos em busca de inspiração. Sabendo da aversão dos anarquistas pelo dinheiro olhei para o orador à espera da sua resposta. Depois de alguns segundos ele respondeu tranquilamente:

 ‒ Por dinheiro julgo que não. Mas talvez fosse por uma boa refeição…

11 agosto, 2008

Ainda o Público

O Público costuma ser meu bombo de festa, nestas notas. É natural, para quem desde muito jovem tem o hábito absoluto de comprar diariamente um jornal. Diz asneiras, tem erros incríveis factuais ou de português, mas, comparado com o DN, ainda tem maior frescura e vivacidade. Lá o vou comprando.

Uma coisa interessante do jornal, e positiva, do mal o menos, é algum compromisso entre director e redacção (ou talvez entre a margem de manobra do director e as orientações do patrão). Em geral, no domínio do noticioso e do comentário, o jornal parece-me de um pluralismo objectivo e equilibrado. Diferente é a situação do que costuma ser domínio do director, a secção de opinião.

José Manuel Fernandes (JMF) garante uma gama de opinadores permanentes de extensão satisfatória, com Júdice à direita, Vital Moreira muito identificado com o actual governo, António Vilarigues “his master voice” do PCP. Diferente é o domínio de controlo de JMF. Começa pelos editoriais, do mais conservador, liberal de direita, neocon. Depois, a selecção de artigos de opinião avulsos. Ainda hoje, como frequentemente, são exemplo das posições mais retrógradas em relação a problemas societais modernos. Hoje é sobre a eutanásia, mas já tem sido em relação ao casamento de homossexuais, ao divórcio, ao aborto. Visto nesta perspectiva, o Público seria bem aceite como jornal oficioso do Opus Dei. Ai, jovens maoístas convertidos em entradotes ao charme discreto da burguesia!

Nota - Não sei se os meus leitores têm seguido o Público no que diz respeito à nova lei do divórcio, nomeadamente o que escreveram sobre isto no dia da comunicação do PR sobre o estatuto dos Açores. O perigo é que o jornal o faz com habilidade, condicionando muitos leitores.

07 agosto, 2008

Aforismo

"Se o discípulo não ultrapassar o mestre então o mestre falhou."

Provérbio zen citado por Allen Ginsberg em No Direction Home, documentário de Martin Scorcese sobre o início da carreira de Bob Dylan. 

06 agosto, 2008

Arte colonialista?

Nos meus dois anos de vida em Angola, entre 1970 e 1972, impus-me a regra de tentar fazer desse prejuízo para a minha vida profissional e familiar um desafio a ficar-me na memória aquela terra. Acho que consegui, ainda hoje me sinto muito angolano, contraste extremo com ser muito açoriano. Entre muitas coisas desse aproveitar Angola, destaca-se a conquista de amizades com gente notável, de muitos e variados tipos, brancos e pretos, elite e povo.

Um foi o “velho”, exemplo de qualidade intelectual e moral, de juventude e abertura de espírito. A minha então mulher, sua colega jovem de ofício, trabalhou com ele e partilhava comigo a admiração por esse homem que já é altura de identificar: Vasco Vieira da Costa, arquitecto, radicado em Angola há muitos anos, depois de um percurso profissional notável que incluiu um estágio com Le Corbusier.

Não sou arquitecto, mas é arte que me fascina e em que julgo poder opinar acertadamente. Costumo dizer que, ao contrário do turista das compras que só olha para o rés-do-chão, as cidades só me provocam o olhar a partir do 1º andar. Ora, da influência de Corbusier em Portugal, fora o Hotel Casino no Funchal e o casino, do seu discípulo Niemeyer, ressalta o mercado do Kinaxixi (Quinachiche) em Luanda, com a demais-valia de um excelente trabalho de adaptação ao calor e à luz tropical.

É esta obra que está a ser demolida. Protesto, com a autoridade de sempre ter tido uma posição anticolonial e de me ter batido publicamente por ela. Isto não significa uma concordância acéfala, se calhar complexada, como me parece ver em muitos casos, com o desprezo dos novos países pela obra que os portugueses lá fizeram e que deve fazer parte do seu património cultural. Os pecados da dominação política, da exploração económica, não devem escamotear o que se deixou de bom, inclusivamente como, neste caso, feito por homens que se opunham ao colonialismo. E eu testemunho isto, meu caro “velho”, como lhe chamava sempre o nosso comum amigo Valério.

04 agosto, 2008

Os centros

Num artigo a não perder, no Público de hoje, Nuno Guimarães, presidente dos conselhos directivo e científico da Faculdade de Ciências de Lisboa, aponta como uma das soluções para a reforma estrutural da educação superior uma coisa que ainda considero surpreendente, depois direi porquê:

“a convergência das unidades de investigação com os departamentos universitários, reforçando a integração formal dos investigadores nas actividades de ensino.”

Não creio que seja sinal de imodéstia lembrar o que os meus leitores habituais sabem bem. Pelo menos desde o meu livro “A universidade no seu labirinto”, de 2001, que venho a bater-me por isto, sempre sem sucesso. Mesmo amigos que estão em grande concordância comigo, em geral, não partilham abertamente esta minha opinião, muito menos os que têm interesses, mesmo que legítimos, investidos nos centros. Por isto, é com surpresa que leio agora este escrito de Nuno Guimarães. Já somos dois.

02 agosto, 2008

Há salpicos iguais ao litro

Apresento as minhas desculpas aos meus caríssimos e raríssimos leitores, é que não tenho aparecido por cá, só porque pertenço à novíssima classe social do país - os escravos da burocracia - única coisa que cresce por todos os lados a olhos vistos e ouvidos escutados, assumindo proporções nunca antes documentadas. Ainda lhes falarei sobre isto, se puder... escravos não devem comentar as barbaridades de quem (pensa que) "DECIDE"... está escrito nos livros!

Entretanto, só por acompanhar, remotamente, duas ou três das novelas de produção, exclusivamente, nacional para a nossa educação superior, tenho aumentado substancialmente os meus teores em adrenalina - garanto-lhes que estes são uma garantia de dinamismo e estados de alerta pessoais.

São exemplos, dessas obras de autor a que me refiro, os especialistas do politécnico, os financiamentos supostamente anoréticos das instituições de educação superior e as (de)mandas e desmandas das nossas (des)Ordens Profissionais.
As recentes posturas das organizações de classe que referem-se dominantemente à disponibilização de um número "excessivo" de vagas, de "facilitismos" e/ou de "tipologias" de formações oferecidas, quase sempre hipoteticamente prejudiciais aos respectivos feudos.
Desculpem, no caso das Ordens não são feudos, são territórios mal demarcados que se pretendem ilimitadamente expansíveis, mas inexpugnáveis..., desculpem não são nada disso, são domínios de interesses privados restritos .., desculpem, representam tão somente um responsável incentivo à consciência, consolidação e desenvolvimento do conhecimento das respectivas profissões (desde que só de poucochinhos e (c)ordeiros), no estrito interesse "do bem comum e da felicidade geral da nação" - são isto, e só isto!

Uma destas organizações de classe - a Ordem dos Engenheiros - então não a percebo mesmo, se é que o seu actual bastonário tem vindo a interpretar correctamente o espírito colectivo dos seus "ordenados".
Começo, desde logo, por me espantar a sua ampla bagagem intelectual eclética, ilimitada e especializada em muitas e desvairadas competências: Diante de plateias de ambito nacional, há sempre vigorosos palpites sobre todas as áreas e ramificações de engenharia - desde a localização dos aeroportos, ao urbanismo territorial, às explicações de acidentes de combóios, ou aos fundamentos de exorbitâncias de prazos e orçamentos de construção de túneis e pontes, passando pela Energia Nuclear, Energia Eólica, Biocombustíveis ou pela Eficiência Energética.
No seu conjunto, a classe de engenheiros autorgados emite juízos espantosos (em defesa de causa própria) sobre o Processo de Bolonha, rematando com explicações tenebrosas que justificam a cuidadosa selectividade da sua agremiação - não basta para a aceitação académica reunirem-se 300 ECTS na área de formação, estes devem ser reunidos numa ordem sequencial aristotélica-socrática, próxima ou melhor exacta dos mestrados integrados, a cujo 1º ano (mestrado)?/4º ano (formação integrada)? se acede de qualquer outra instituição, está bem de ver...
É claro que estes mestrados integrados não precisaram de colocar formandos no mercado de trabalho, nem de compassos de espera próprios à vistoria criteriosa de acreditação qualificação, de cerca de 18 meses, porque estes formandos, ou melhor, as suas instituições formadoras, estão automaticamente reconhecidos.

Se não, vejamos EXTRACTOS de alguns dos dizeres do Bastonário ou até de requisitos Estatutários da Ordem dos Engenheiros - não bate nunca o lé com o cré:
i - Depois de ensino secundário com formação insuficiente. Ordem dos Engenheiros critica facilitismo para entrar nalguns cursos. (09-07-2008)
ii - Os acessos ao ensino superior por alunos de mais de 23 anos sem o 12º ano é também uma falta de exigência. (-)
iii - Temos hoje no mercado licenciados de três anos, de cinco e de seis. E eu pergunto se acham que as competências de quem tirou de cinco anos ou de seis se são iguais a quem se formou com três anos (-)
iv - Os alunos que concluam o 1º ciclo dos cursos adaptados ao Processo de Bolonha poderão candidatar-se à Ordem dos Engenheiros (OE). Entre as propostas apresentadas ao Governo pelo bastonário da Ordem está ainda a criação de dois graus de engenheiros, (19-07-2007)de aco
19-07-2007
v - " Não significa que nas privadas não haja bons cursos, o que acontece é que há mais doutorados nas públicas, os docentes têm contratos mais estáveis do que nas privadas e o próprio mercado diferencia isso. Ficaria muito satisfeito se todos os cursos de Engenharia estivessem acreditados”, refere o bastonário da OE." (-)
vi - ..."a entrada na Ordem passa por um exame e esse sistema de acreditação não tem mais nenhum objectivo do que estabelecer, de forma criteriosa e pragmática, o modelo que leva a que alunos de determinados cursos possam ser dispensados deste exame". (10-12-2007)
vii - 70% dos engenheiros civis chumbam na Ordem (-)
viii - "Bastonário Fernando Santo, pensa que se deveria diminuir ao numero de vagas (...) nas Universidades" (-)
ix - "Acedi ao site www.acessoensinosuperior.pt e consultei a lista em excel que lá tem". (-)
Em 2007, foram cerca de 540 os candidatos à Ordem que tiveram de realizar um exame e a maioria não passou. (-)
x - Fernando Santo recorda que, em Portugal, cerca de 70% dos actos de engenharia não estão regulados. "Ou seja, é o mercado que escolhe e, nesse contexto, cresce a exigência de qualidade"
(04-09-2007)
xi -"Exige-se uma formação de ensino superior acumulada de 5 anos (ou 300 créditos ECTS, usando a referência de avaliação de trabalho introduzida pelo Processo de Bolonha) para uma formação que confira a capacidade e responsabilidade de intervenção a todos os níveis de actos de engenharia." (18-10-2004)
xii - "A aplicação do Processo de Bolonha alterará profundamente o contexto das formações em Engenharia em Portugal, pelo que trará consequências imediatas no âmbito profissional. Com a reestruturação do sistema de formação na área da engenharia, nascerão vários perfis de formação a que se associam níveis de competência em actividade de engenharia". (18-10-2004)
xiii - Há que reconhecer que estamos numa profissão sem regulamentação profissional. (-)
A acreditação dos cursos consiste na verificação de que estes obedecem a critérios definidos nos termos do nº 2, b) do Artº 7º dos Estatutos:Definir critérios objectivos de dispensa de provas de admissão, a rever periodicamente os quais se basearão nos currículos dos cursos, nos meios de ensino e nos métodos de avaliação. REGULAMENTO DE ADMISSÃO E QUALIFICAÇÃO. Versão Aprovada - AR (18-10-2004)
xiv - A Ordem dos Engenheiros afirmou hoje estar disposta a admitir todos os alunos licenciados em engenharia após a Reforma de Bolonha desde que os diplomas sejam de cursos reconhecidos pelo Governo e após uma mudança nos estatutos da Ordem (18-07-2007)
xv - Cerca de 70% de todos os licenciados em Engenharia Civil que em Fevereiro deste ano fizeram exame de admissão à Ordem dos Engenheiros (OE), chumbaram, “mesmo com a possibilidade de ir a oral a partir de 6,5 valores”. E alguns revelavam um desconhecimento tal que "nem sabiam dizer quantos litros de água cabem num metro cúbico". (10-12-2007)

Tem muita razão o Senhor Bastonário nessa grande máxima sobre mililitros e metros cúbicos.
Sabe Deus como ele se arrepiaria de ouvir (como eu OUVI) as confusões reinantes entre kVar e kWh (estes que vejo, por escrito, kW/hora - seja lá o que isto for) para assinaturas de contratos em que a potência (reactiva para fornos de padeiro) e energia são, indiferenciadamente iguais entre si e ao litro, que também testemunhei RECENTEMENTE - não passaram ainda duas semanas - mas nem lhes conto aonde nem a quem... (Não foi a ele! Graças a Deus!). Nem lhes poderia adiantar identificações porque, desde aí, fiquei catatónica.
É por causa disso que eu gostaria que TODOS os formandos em qualquer Engenharia fizessem exame INDIVIDUAL para admissão à Ordem! Penso mesmo que não chegariam a ser aprovados aos actuais 30% na área de civil, nem de qualquer das outras. Aposto!
E já agora, gostava dessa acreditação individual, também por causa isto:
De que instituições de ensino serão provenientes os Engenheiros Projectistas e/ou de Fiscalização FORMALMENTE, só os RESPONSÁVEIS E SIGNATÁRIOS, só por exemplo, pelo Túnel do Terreiro do Paço ou pela Ponte Europa?

________
PS1 -É também MUITO interessante a Lei n.º 6/2008 de 13 de Fevereiro, sobre o Regime das Associações Públicas Profissionais. Lei esta, só aplicável às novas organizações profissionais? E as outras? É à balda? Se for não iremos notar nada!
PS2 - Por vezes, e para que conste, também há comunicados e expressão de opiniões públicas ou à comunicação social que, por serem só salpicos discursivos, são também absolutamente iguais ao litro.
PS3 - LISTA DOS CURSOS QUE CONFEREM DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE PROVAS DE ADMISSÃO À OE, até 31 de Dezembro de 2010
http://www.ordemengenheiros.pt/Default.aspx?tabid=2843