30 janeiro, 2006

O novo bloco central: Cavaco-Sócrates

Se Cavaco Silva fosse primeiro ministro, em vez de Sócrates, provavelmente estaria a fazer a mesmíssima política para a redução do défice orçamental. Por isto, creio que não vai haver grandes problemas na coabitação. Vão-se entender, melhor talvez do que Sócrates se entenderia com Soares e, muito mais, com Alegre. Creio mesmo que, ao contrário do que alguns temem, esse entendimento vai ser mais importante para o próximo PR do que qualquer plano de relançamento da direita partidária. Um homem como Cavaco só se interessa pelas suas próprias ideias e política, até tem algum desprezo pelos partidos.

Com isto, ambos correm graves riscos. Julgo que Cavaco pode gerir bem algum distanciamento em relação a Sócrates e à política do governo mas, pelas razões que disse, provavelmente vai dar uma imagem de sintonia com ela que o corresponsabilizará perante a opinião pública. Não é assunto que muito me interesse.

Interessa-me mais o que isto pode significar para o PS, não tanto por ele próprio mas sim pelas repercussões em toda a esquerda. Começo por dizer que tenho uma atitude aparentemente paradoxal em relação a este governo, quando encaro as suas medidas tanto no plano técnico como no politico. No primeiro plano, concordo. No segundo, considero a actuação do governo totalmente inábil, mesmo desastrosa. Parece-me que não haverá remédio, isto está na natureza de Sócrates. O problema é que isto se pode reforçar pelo que julgo vir a ser o apoio de Cavaco. Vão-se juntar a fome e a vontade de comer.

Um dos riscos que vejo é o da formação a curto prazo de um "bloco central" camuflado, uma mistura de Blair e Merkel em que os rótulos partidários pouco contam. Com isto, provavelmente o governo aguentará a legislatura, mas as próximas eleições serão de um pasmo como nunca vimos. A decisão pantanosa entre PS e PSD, prevejo, não se fará por diferenças politicas essenciais mas sim por coisas menores, simpatias pessoais, telegenia, marketing da campanha, expectativas de "jobs for the boys". Possivelmente, o CDS à direita e o PCP e o BE à esquerda lucrarão com isto, mas não se afectará o resultado essencial.

A afirmação de uma alternativa realista, nestas eleições presidenciais, quando Soares se identificou tanto com o PS de Sócrates, poderia ter vindo de Alegre. Fui seu apoiante e seu eleitor, embora, afirmando a minha atitude crítica, não tenha sido chamado a qualquer participação na campanha e, agora, no que fazer do milhão de votos. Mas, nesse aspecto do distanciamento em relação a Sócrates, fiquei frustrado. Não vi uma afirmação clara de como Alegre poderia ser um moderador da inabilidade e falta de sentido social da política do actual primeiro ministro, afinal ainda seu companheiro de partido.

Segui com atenção os trabalhos deste fim de semana do movimento "alegrista". Fiquei satisfeito pela exclusão da fundação de um novo partido, porque julgo que seria uma aventura condenada ao fracasso. Quanto ao clube ou associação, muito bem, embora tenha dúvidas sobre a sua viabilidade (é ilusório pensar em um milhão de membros virtuais) e sobre o efeito que nele vai ter a decisão de Manuel Alegre de continuar ou não com a sua vida partidária a alto nível. Tenho a minha opinião, mas a decisão é dele e certamente bem pensada.

Mas mais me preocupam as linhas orientadoras desse movimento: "o objectivo é o debate e defesa de causas políticas já defendidas por Manuel Alegre durante a campanha ou outras que, entretanto, venham a surgir. Por agora os temas e as causas são, por exemplo, a justiça, a desertificação do território, a igualdade de género, a corrupção." Muito bem, mas isto reflecte uma perspectiva política clássica. É importante discutir tudo isto, mas ainda estaremos a fazê-lo daqui a vinte anos. Anoto, todavia, o "outras que, entretanto, venham a surgir".

Não sei ainda se virei a ser membro desse clube politico. Se for, bater-me-ei pelas "que venham a surgir". A minha prioridade seria tudo o que combatesse, nas ideias, o novo bloco Cavaco-Sócrates: Como ter uma política de equilíbrio financeiro-orçamental compatível com a justiça social e civicamente compreensível pelos necessariamente afectados? Como promover a competitividade nacional, equilibrando isto com a defesa ou remobilização dos milhares de postos de trabalho obsoletos nas empresas condenadas à falência ou à deslocalização? Como qualificar os portugueses, do ensino básico ao superior, sem exclusões sociais? Como harmonizar as regras económicas comunitárias com um desenvolvimento sustentado e, principalmente, com o desenvolvimento humano?

Para isto, vale a pena um novo centro de reflexão e influência política à esquerda. No entanto, para debates vagos ou tradicionais, não adianta. Gostaria de pensar, vou ver, que os apoiantes mais activistas de Alegre se diferenciam por coisas estruturais, mais do que bandeiras, por muito valor simbólico que tenham. Se sim, alinho.

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