23 janeiro, 2006

Notas sobre as presidenciais

1. A formalidade banal mas necessária: Sr. Presidente, não votei em si, lamento pessoalmente que tenha ganho, mas, a partir deste momento, é o Presidente da República que respeitarei como tal.

2. Nestas eleições, aflorou de vez em quando a questão de uma maioria de esquerda definidora da nossa sociedade. Julgo que é uma ideia falsa e politicamente perigosa. Trinta anos depois do 25 de Abril, a nossa democracia "serenou" e apresenta um traço comum às democracias actuais: não há maioria estrutural de esquerda nem de direita. Tudo se decide pela movimentação sempre muito imprevisível e conjuntural do "centrão". Há meses, deu maioria absoluta a Sócrates, agora a Cavaco. Como homem de esquerda, isto preocupa-me porque muito provavelmente vou assistir a uma tendência da esquerda predominante para atenuar as suas posições, visando a conquista do "centrão" - ou o pântano, o "marais", como costumam dizer os franceses.

3. A esquerda apresentou-se auto-diminuída a estas eleições. Há muito tempo que se perfilava a candidatura de Cavaco, com boas perspectivas de vitória. A frase de Soares, "não deixarei que haja o passeio triunfante de Cavaco pela Avenida da Liberdade" revela, no fundo, essa convicção. Porque é que o PS não encarou a sério essa candidatura e se remeteu a uma posição frouxa, quase acomodatícia? A meu ver, Sócrates é o grande derrotado destas eleições (a não ser que, como se diz, não lhe desagrade muito o resultado). Teve um clamoroso erro de "casting", como é moda dizer. No entanto, como escreverei adiante, creio que nada lhe acontecerá.

4. E é a Sócrates que se deve o momento mais desagradável desta noite eleitoral, coisa que nunca tinha visto, o abafamento da intervenção de Manuel Alegre. Um primeiro ministro tem de ter maneiras. Quando não as tem, isto revela alguma coisa má do seu carácter.

5. Apoiei publicamente Manuel Alegre e, claro, votei nele. Mas nunca pensei que tivesse uma votação tão expressiva. Que vai fazer Manuel Alegre? Em primeiro lugar, no PS se, como é provável, nele se mantiver. Creio que pouco, a não ser capitalizar este resultado para uma eventual nova candidatura a secretário geral. Nessa altura, duvido de que tenha muita legitimidade para o fazer, porque estes seus eleitores não se reverão num candidato agora para-partido, contestatário da lógica e poder dos aparelhos mas que, depois, regressa à luta pelo poder partidário. Por outro lado, não estou certo de que a diferença Alegre-Soares, no eleitorado, tenha equivalente no partido. Todo o aparelho e os notáveis do PS estiveram com Soares e Sócrates. Infelizmente, no PS, e não só, os jobs são muito mais importantes do que as ideias e os valores.

6. E o que fazer de um milhão de votos, fora do PS? Também aqui estou pessimista. Lembro-me do movimento em torno da candidatura Pintasilgo - é certo que com menos votos - que se desvaneceu no dia seguinte. São, em muito, movimentos de protesto, dificilmente convertíveis numa intervenção futura positiva. E sob que forma? Uma associação política? O pragmatismo actual leva a que as pessoas só se empenhem no eficaz e, queiramos ou não, o eficaz são os partidos. Um novo partido socialista com verdadeira imagem de esquerda? Depois do BE, apesar de algumas fragilidades e incongruências, o espaço ficou reduzido.

7. Manuel Alegre vai ser acusado de ter dividido a esquerda, diga-se PS. Pelo contrário, estou convencido de que a opção de Sócrates por Soares iria causar grande abstenção à esquerda. Alegre fixou esse eleitorado.

8. A república (romana) respeita os seus heróis. Soares é-o. Por isto, não digo mais nada.

9. Jerónimo de Sousa mostrou novamente ser uma mais-valia do PCP. Pergunto-me se um homem com tal capacidade intelectual e com grande sentido humano será de facto um ortodoxo do estilo duro e intelectualmente medíocre que conheci em outros funcionários do PCP (nunca falei com Jerónimo de Sousa). Não virá a ser o Gorbatchov do PCP?

10. Finalmente, Louçã, que foi, para mim, a surpresa negativa destas eleições e, juntamente com Soares, um derrotado em termos pessoais. Tudo indicaria que, com as suas qualidades, ultrapassaria em eleições muito personalizadas os resultados do BE nas legislativas. Há homens que apresentam em alto grau tanto qualidades como defeitos. Creio que Louçã foi vítima destes últimos.

11. Garcia Pereira, do PCTP/MRPP: isto ainda existe?!

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