14 janeiro, 2006

Incompetência

O caso em foco dos registos telefónicos de altas figuras do Estado é, obviamente, muito grave, em termos políticos. No entanto, há outra perspectiva, igualmente preocupante, a da incompetência, factor de descredibilização da coisa pública e de toda a nossa vida social. Já que se fala na justiça, tendo a pensar que muitas das suas falhas não representam intenções malévolas ou menos democráticas, muito menos falta de integridade ou cabalas, mas principalmente incompetência. Até na actividade legislativa ela se nota: leis com disposições ambíguas, até contraditórias, para além de péssima redacção.

O nosso nível educacional, quantitativo e qualitativo, é muito baixo e isto reflecte-se obviamente no nível geral de competência, a todos os níveis. Pode ser só o canalizador que nos deixa o tubo mal apertado, o electricista que troca a polaridade de uma ligação, a empregada doméstica que me estraga uma camisa porque não sabe ler qual a temperatura máxima de lavagem. Mas também é o médico que considera como indigestão uma peritonite em começo, o advogado que manda o cliente para a prisão porque se esqueceu de uma formalidade essencial num recurso, a directora de serviços que faz o responsável incorrer em processo disciplinar porque se esqueceu de que um determinado despacho exigia publicação no Diário da República. Uma ministra publica um despacho com uma fórmula matemática reitertiva e incalculável. E ninguém é verdadeiramente responsabilizado, porque tudo isto faz parte natural da nossa vida.

Este caso começa por a PT só ter registo de facturação detalhada por cliente e não por número de telefone. Apesar de tudo, é aceitável, porque o cliente é que determinante para o fim em vista. Aqui, diz-se que o cliente era o Estado. Claro que não, porque então sairiam milhares de contas. Presumo que seja um cliente Estado muito excepcional, o que contrata e paga os números confidenciais das altas figuras. Merecia cuidado muito especial.

Um funcionário ou técnico da PT passa os dados para um ficheiro Excel. Incrivelmente, em vez de apagar os dados não solicitados ("select rows > delete rows", nada mais simples), limita-se a aplicar um filtro. O magistrado do MP lê-os no ecrã e não consegue ver que há ali um filtro. Não tem toda a culpa. Nada na sua formação de direito o habilitou para esta competência transversal hoje tão básica que é o domínio geral das tecnologias da informação. E ainda há quem considere como bizarria o paradigma de Bolonha!

PS - A propósito de responsabilização, uma história pessoal ilustrativa. O IHMT, de que fui director, tinha uma actividade clínica importante. Numa inspecção, fui censurado por ter feito para o instituto um seguro de responsabilidade civil a cobrir indemnizações por erros médicos. Era ilegal! Quase que tive que o pagar do meu bolso. Mas, mais uma vez, a incompetência. Este processo passou por várias mãos responsáveis e ninguém detectou essa ilegalidade. É perigoso ser-se dirigente.

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