04 fevereiro, 2006

Reforma administrativa

Alinho com os que dizem que a redução do défice passa primeiro pela redução da despesa pública. Do lado da receita, dou prioridade à eficiência da cobrança das receitas fiscais e ao combate à evasão, bem como a regularização das dívidas à segurança social, mas parece-me ser um processo mais moroso e longe da plena eficácia. Numa fase imediata e urgente, até compreendo que a redução da despesa se faça em dimensão "macro", olhando para os grandes sectores da despesa: funcionalismo público, saúde, segurança social, serviço da dívida. Mas acho que o imediato não deve prejudicar outras políticas, também a serem lançadas no imediato, até por só terem efeitos a prazo.

Já tenho escrito que uma delas seria a da adopção de orçamentos zero. Isto é, fazer tábua rasa dos orçamentos históricos que se vão mantendo com aumentos acríticos em função da inflação e nunca discutidos. Dir-me-ão que, se estes orçamentos forem cumpridos sem saldos é porque estão ajustados. Quem teve alguma experiência de direcção na função pública, sabe que isto não é verdadeiro: gasta-se indiscriminadamente até ao último euro do orçamento.

Por razões que seria longo explicar, eu fui defrontado com a necessidade de elaborar um orçamento zero. Teve de se fazer uma estimativa real de todas as despesas, rubrica a rubrica. Para maior rigor, foi necessário introduzir contabilidade analítica, que não existia, e discutir extensivamente com cada centro de custo as suas necessidades orçamentais. No fim, foi divertido comparar esse orçamento com o orçamento "histórico" anterior.

Mesmo antes dos orçamentos zero, diz-me a experiência de gestão que há coisas imediatas muito úteis. Tudo o que se segue passa pela indexação, coisa que julgo nunca ter sido feito. Seria um valor padrão, para cada despesa, que, em caso de ultrapassagem, teria de ser justificado com fundamentação criteriosa. Vou começar pelas menores.

a) Cartão de crédito do dirigente e despesas de representação: julgo que devia ser fixada uma percentagem máxima em relação ao orçamento total. Já me falaram de um caso de um director-geral que todos os dias almoça com a sua secretária (?) num restaurante de luxo, debitando a esse cartão.

b) Correio e telefones: também fixação de uma percentagem máxima em relação ao orçamento.

c) Transportes: conjugado com a despesa de combustíveis, traduz (com importantes excepções de alguns organismos específicos) o uso e abuso do automóveis de serviço pelos dirigentes. Outro aspecto a inspeccionar.

d) Limpeza, em geral em outsorcing: facilmente indexável à área total das instalações.

Passo agora à grande fatia da despesa, a do pessoal. Os organismos diferem muito. Alguns são simples secretarias, outros tecnicamente complexos, com quadros de pessoal forçosamente mais qualificados. Mas três componentes da despesa de pessoal são facilmente indexáveis, independentemente da característica do organismo:

1. Pessoal de contabilidade: é preciso distinguir três tipos de operações. Umas são regulares mas espaçadas e independentemente do tipo de organismo, já quase automáticas com informatização mínima: processamento de vencimentos, mapas para a segurança social, mapas de execução orçamental (será que alguém no Ministério das Finanças os lê?). Depois, a contabilização das ordens de despesa, cabimentos, facturação, autorizações de pagamento. Operação de tesouraria. Tudo depende do número de ordens de despesa. Donde, o pessoal de contabilidade é facilmente indexável. O mesmo para a facturação, no caso de organismos com receitas próprias.

2. Serviço de pessoal: há tarefas básicas, mas menores. O grosso é o processamento de abonos e descontos, de faltas, de férias, de despesas da ADSE, etc. Obviamente, isto é directamente proporcional à dimensão do organismo. Uma vez mais, o pessoal encarregado destas tarefas é facilmente indexável.

3. O mesmo em relação ao pessoal da secretaria geral. O seu número deve ter um índice médio, em função do número de processos administrativos.

É assim tão difícil uma reforma administrativa?

À margem, a coisa mais surrealista com que me defrontei enquanto dirigente da função pública. Um organismo com autonomia administrativa e financeira dispõe de um orçamento de receitas próprias - prestação de serviços, propinas, análises clínicas, só para dar exemplos do instituto de que fui director. A cada mês, tem de se entregar no tesouro o produto das receitas. No mês seguinte, faz-se uma requisição de fundos para devolução dessas receitas. Surrealista!

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