Já há muito tempo, prometi voltar a falar de mestrados. Vem hoje a propósito, por causa de uma notícia muito recente (Público, 6.6.2008, suplemento Economia), acerca da Harvard Business School (HBS), que está a reformar o seu programa de mestrado. Isto deve-se a pressões do mercado de trabalho, que considera que o actual currículo se dirige demasiadamente à aquisição de competências técnicas e menos à de competências transversais e interpessoais. Dá a impressão de que na Europa de fala muito de Bolonha mas é nos Estados Unidos que se põe Bolonha em prática.
Entre nós, continua a reinar a ideia de que o mestrado é um ciclo de estudos caracterizado principalmente por uma especialização estreita. Vejam-se só poucos exemplos: Gestão de Mercados de Arte, Psicologia das Emoções, História do Algarve, Gestão e Desenvolvimento de Destinos Turísticos, Estudos Feministas, Exercício e Saúde, Anatomia Artística, Desenvolvimento Curricular pela Astronomia. Ora a HBS só tem um mestrado e a prática generalidade dos mestrados científicos americanos é a de corresponderem a disciplinas consolidadas. isto não quer dizer que não haja especialização, mas de tipo bem diferente. É a especialização, melhor dito personalização, derivada dos percursos curriculares individuais, muitas vezes com um grau de multidisciplinaridade impossível na nossa concepção de mestrado.
É certo que, com a distinção dos dois ciclos de Bolonha, tem de haver uma maior especialização no mestrado do que no primeiro ciclo, mas isto não significa o exagero a que estamos habituados e muito menos a menorização de outras características da acção formativa. Em geral, o primeiro ciclo pode-se caracterizar pela largura de perspectiva, sólida, com conhecimento dos fundamentos e história da disciplina, aquisição do conhecimento básico, capacidade de situar no contexto as novas informações, compreensão dos métodos de análise e teorização e capacidade de aplicar das técnicas gerais. O mestrado caracteriza-se por mais do que a especialização. São também, fora as competências gerais, a prática de investigação, o conhecimento actualizado e a sua crítica, o desenvolvimento da originalidade e da criatividade e, quando é o caso disto, a aquisição de alta competência profissional.
Em próximo apontamento, discutirei com maior folga de espaço outros dois aspectos importantes do mestrado, julgo que muito pouco presentes, entre nós, na reforma à Bolonha: a recursividade, sem a sucessão imediata dos dois ciclos; e, relacionado com ela, a oferta de mestrados profissionalizantes à medida, do tipo das “professional sequences” americanas.
Nota - Coincide com este apontamento também outra notícia, do Expresso, de que extraio um parágrafo que fala por si. É Harvard!
A física quântica do senador
Por mais estranho que pareça, em 1989, Barack Obama, então estudante da prestigiada Harvard Law School, teve de apresentar um trabalho intitulado “A curvatura do espaço constitucional: o que os advogados podem aprender com a física moderna”. Para o executar, um estudante tinha de possuir razoáveis conhecimentos da teoria geral da relatividade e dos trabalhos de Werner Heinsenberg, um dos fundadores da física quântica. “Foi assim que o conheci, num contexto que realmente pôs à prova as qualidades do seu pensamento”, disse o professor Laurence Tribe, “0 trabalho requeria uma vasta curiosidade intelectual e grande imaginação.”
09 junho, 2008
Mestrados e Bolonha
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