Muito se tem escrito sobre a geração de/dos 60 (de, anos do calendário; dos, anos de idade actual). Coisas interessantes e também enojantes "pulido-valentadas", de rejeição da coisa elementar que foi a indissociabilidade do espírito de 60 e do sonho da festa de Abril. Um artigo a merecer discussão é o de Vítor Dias, no Público. O autor, homem dessa também minha geração, aborda uma questão importante: esta discussão não fará esquecer que a força histórica principal que resultou no 25 de Abril foi a luta popular (operária e camponesa, entenda-se)? É óbvio que não enjeito o papel histórico da luta popular, mas creio que há, pelo menos, dois factores adicionais importantes e que têm a ver com os anos 60.
Em primeiro lugar, o descontentamento de uma nova pequena burguesia, principalmente de empregados de serviços. Nos finais dos 60, houve um "boom" económico, só perturbado pela crise do petróleo. Nunca se venderam tantos automóveis ou televisões, especulou-se na bolsa, fez-se dinheiro. Foi toda uma nova camada social muito característica, humoristicamente bem escalpelizada nas saudosas redacções da Guidinha-Sttau, na Mosca – lembram-se dos jaquinzinhos com nata e do Toyota com a almofada bordada pela sogra? Os bancos recrutavam diariamente dezenas de funcionários, abriam-se boas perspectivas de emprego. Os jovens desse grupo eram os mais prejudicados pela guerra, na oportunidade de usufruírem dessas condições favoráveis. É muita desta gente que sai à rua no 25 de Abril. Não fizeram a revolução, mas deram-lhe o indispensável alimento de rua.
Deixei para segundo lugar, por modéstia, o segundo factor, este directamente ligado ao movimento associativo dos anos 60. Trata-se do papel dos oficiais milicianos, não propriamente no movimento militar de Abril (embora muitos tenham participado), mas sim nas suas origens mais remotas. Até quase ao fim da década, é inegável que o PCP teve uma influência determinante no movimento associativo. Com excepção de alguns casos especiais, a palavra de ordem era a de se ir para a guerra colonial, mas como forma de trabalho politico.
Com todo o respeito pelos que escolheram o exílio, creio que foi uma política de enorme alcance. Pela minha experiência, julgo que não teve muito sucesso no que, provavelmente, era a preocupação do PCP, a consciencialização dos soldados e marinheiros. No entanto, estou convencido de que teve efeitos muito mais directamente relacionados com o 25 de Abril. A situação típica era a de um pequeno quartel de mato, com um jovem capitão e três oficiais milicianos, muitas vezes também um médico miliciano. Sei o que eram as conversas intermináveis, noite dentro. Quantos dos capitães de Abril não terão sido acordados politicamente por essas conversas? Alguns dos actuais nefelibatas, que não participaram nessa experiência dolorosa mas, finalmente e por este motivo gratificante, entenderão que eram as suas conversas de tertúlia que eram transmitidas por telepatia aos capitães do mato, futuros capitães de Abril. Não me importo, é preciso que toda a gente seja feliz, mesmo nas suas ilusões.
O título desta nota é um desafio. Para os jovens de hoje, somos uns "kotas". Temos ainda alguma coisa a dizer, principalmente quando os mais novos, para sua e nossa felicidade, não viveram os tempos que desafiaram ao máximo o que tínhamos para dar? É difícil identificarmo-nos só em relação à nossa geração. Os percursos posteriores são variados, mas há um grupo de amigos que, mesmo com posições actuais diversificadas, têm uma memória de resistência sempre presente e que os identifica num padrão comum de ética politica e de valores essenciais de esquerda. Cada um de nós cometeu erros políticos no passado e confessamo-lo sem subterfúgios. Mais importante é que, por vias divergentes, acabámos por nos encontrar hoje num espaço comum, de gente livre mas com forte identidade de valores, lutadores por uma esquerda de hoje. Teremos alguma coisa a transmitir? Pensamos que sim.
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