20 maio, 2006

Leituras bíblicas

Missa é coisa própria dos católicos. Mas muitas vezes os não crentes são confrontados com elas: um casamento, o baptizado de um neto, uma missa de corpo presente. Nestes casos, deixam de ser apenas um acontecimento religioso e reservado, são actos de homenagem. É claro que um não crente não tem de saber participar, assiste com compostura e com respeito. Alguns padres é que podem não saber isto. Há anos, assisti à missa de corpo presente de um familiar muito querido. Obviamente, até por não saber, não disse as orações e não me benzi. O padre interrompeu a missa para dizer que quem não soubesse seguir uma missa devia abandoná-la.

Felizmente, tenho duas histórias pessoais em contrário, com padres por quem tenho hoje grande estima.

Os meus pais casaram-se com toda a modéstia dos tempos difíceis de S. Jorge, Açores, em plena guerra. A minha mãe nem um decente vestido de noiva conseguiu comprar. O seu grande gosto sempre foi compensar isto com uma grande festa, também religiosa como eles, das suas bodas de ouro. Todos os três filhos se empenharam ao máximo. Felizmente, a minha mãe sobreviveu por largos anos mas, para o meu pai, falecido pouco depois, deve ter sido a sua última ocasião feliz.

Hoje, descubro no espólio da minha mãe, com comoção, uma carta de ambos dirigida a mim e nunca entregue, sobre esse acontecimento, em que manifestam um agradecimento escusado por uma minha atitude nessa ocasião. Nada de especial. Manifestaram ao filho mais velho, não crente, o gosto por que fizesse a leitura da missa. Para mim foi um orgulho. Não crente, mas a religião é um componente da minha educação. O padre, católico progressista como eram os meus pais, dizendo-me que eu baptizado era filho da Igreja, ficou muito satisfeito por eu dar esse prazer aos meus pais, como se eu pudesse tê-lo negado. Concordei logo com a escolha dos meus pais, da primeira carta de João, sobre o amor e a sua transcendência.

Muitos anos depois, lembrei-me disto na missa de corpo presente da minha mãe. Então, fui eu que me dirigi ao padre, por minha iniciativa. Com a sua total concordância, voltei a participar, eu não crente, numa liturgia católica. Não gostei do texto do dia e perguntei ao padre se podia escolher outro, um texto do Livro da Sabedoria, o mais adequado à minha mãe. Desta vez, a escolha foi minha e o padre João, que conhecia bem a minha mãe, ficou muito satisfeito com essa escolha, feita por um não católico.

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