Finalmente, vamos ter uma lei da reprodução medicamente assistida (RMA). Era uma lacuna clamorosa, ao fim de tantos anos de prática da RMA em Portugal. Por um lado, parece-me óbvio que a RMA coloca questões éticas que não podem ficar ao critério dos médicos e das instituições. Por outro lado, a falta de lei pode, perversamente, ter efeitos mais constritivos do que uma lei até limitadora, porque os médicos e outros profissionais, sem orientação legal, podem ser tentados a uma auto-limitação defensiva.
Não conheço a lei e vou confiar no que tem sido escrito na imprensa. Uma lei deste tipo deve ser o mais consensual possível. É pena que, apesar de o PSD ter visto contempladas as suas objecções, tenha acabado por votar contra.
É neste sentido que aceito bem as limitações, que me desagradam, à aplicação da RMA. Já outro aspecto muito significativo não me parece ter sido motivado por divergências éticas e traduz provavelmente um certo atavismo. Trata-se da assimetria na aceitação de dadores. Posso compreender que a prevalência do psico-social sobre o biológico leve à rejeição da hipótese de doação dupla e que um dos gâmetas tenha de ser de um dos membros do casal (não falo em sentido legal). Mas não compreendo porque é que só pode ser admitida a doação de esperma e não a de óvulos a fecundar com o esperma do parceiro. Não li também qualquer referência à idade máxima para a RMA. Não é despiciendo, quando já lemos notícias de RMA em mulheres de mais de 60 anos.
A minha maior reserva vai para a impossibilidade de RMA em mulheres sós ou em vida lésbica, embora aceite ser um preço para a possibilidade de aprovação da lei. Tenho até uma posição pragmática, porque é uma inferiorização em relação a uma situação perfeitamente natural. Nada impede uma mulher nestas condições de engravidar, se puder, por meios naturais. Pode é não ser muito agradável para uma lésbica. A lei não devia impedir, no caso da RMA, o que pode ser obtido livremente por via natural. Ficam em desvantagem injusta as mulheres inférteis que não o podem fazer.
Um aspecto positivo desta lei, de grandes implicações para muitas outras questões, como o aborto, é a admissão da ideia de embriões inviáveis, que podem ser usados para investigação médica. Assim sendo, não me parece continuar a haver qualquer justificação para o atafulhamento de congeladores com embriões já com muitos anos. Por outro lado, e mais importante, é uma machadada num princípio extremo de respeito pela "vida humana" desde a fecundação. A questão do aborto vai ganhar muito com este precedente legal.
Finalmente, é notável que, desta vez, a AR tenha assumido as suas responsabilidades perante uma questão que suscitou uma petição com um número significativo de assinaturas. Sou adepto do referendo em questões de formulação simples e compreensível e sem grandes problemas técnicos. Parece-me evidente que, nestes termos, a RMA não é referendável.
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1 comentário:
concordo completamente consigo apesar de discordar com a pontuaçao
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