27 maio, 2006

A lei da RMA

Finalmente, vamos ter uma lei da reprodução medicamente assistida (RMA). Era uma lacuna clamorosa, ao fim de tantos anos de prática da RMA em Portugal. Por um lado, parece-me óbvio que a RMA coloca questões éticas que não podem ficar ao critério dos médicos e das instituições. Por outro lado, a falta de lei pode, perversamente, ter efeitos mais constritivos do que uma lei até limitadora, porque os médicos e outros profissionais, sem orientação legal, podem ser tentados a uma auto-limitação defensiva.

Não conheço a lei e vou confiar no que tem sido escrito na imprensa. Uma lei deste tipo deve ser o mais consensual possível. É pena que, apesar de o PSD ter visto contempladas as suas objecções, tenha acabado por votar contra.

É neste sentido que aceito bem as limitações, que me desagradam, à aplicação da RMA. Já outro aspecto muito significativo não me parece ter sido motivado por divergências éticas e traduz provavelmente um certo atavismo. Trata-se da assimetria na aceitação de dadores. Posso compreender que a prevalência do psico-social sobre o biológico leve à rejeição da hipótese de doação dupla e que um dos gâmetas tenha de ser de um dos membros do casal (não falo em sentido legal). Mas não compreendo porque é que só pode ser admitida a doação de esperma e não a de óvulos a fecundar com o esperma do parceiro. Não li também qualquer referência à idade máxima para a RMA. Não é despiciendo, quando já lemos notícias de RMA em mulheres de mais de 60 anos.

A minha maior reserva vai para a impossibilidade de RMA em mulheres sós ou em vida lésbica, embora aceite ser um preço para a possibilidade de aprovação da lei. Tenho até uma posição pragmática, porque é uma inferiorização em relação a uma situação perfeitamente natural. Nada impede uma mulher nestas condições de engravidar, se puder, por meios naturais. Pode é não ser muito agradável para uma lésbica. A lei não devia impedir, no caso da RMA, o que pode ser obtido livremente por via natural. Ficam em desvantagem injusta as mulheres inférteis que não o podem fazer.

Um aspecto positivo desta lei, de grandes implicações para muitas outras questões, como o aborto, é a admissão da ideia de embriões inviáveis, que podem ser usados para investigação médica. Assim sendo, não me parece continuar a haver qualquer justificação para o atafulhamento de congeladores com embriões já com muitos anos. Por outro lado, e mais importante, é uma machadada num princípio extremo de respeito pela "vida humana" desde a fecundação. A questão do aborto vai ganhar muito com este precedente legal.

Finalmente, é notável que, desta vez, a AR tenha assumido as suas responsabilidades perante uma questão que suscitou uma petição com um número significativo de assinaturas. Sou adepto do referendo em questões de formulação simples e compreensível e sem grandes problemas técnicos. Parece-me evidente que, nestes termos, a RMA não é referendável.

1 comentário:

Anónimo disse...

concordo completamente consigo apesar de discordar com a pontuaçao