02 novembro, 2008

Recordando (1)

A despedir-me, quando este blogue vai passar a ser chamada de atenção para sítio mais calmo e ponderado de escrita, lembro-me da menina R, minha vizinha da então 28 de Maio, hoje felizmente rebatizada (acordo ortográfico!). A menina R talvez tenha sido o primeiro desafio a alguma abertura mental. Era execrada pela vizinhança do prédio, era muito simpática comigo, provavelmente porque sentia que eu o retribuía, que mais não fosse pelos mimos que fazia ao meu filho bebé.

Era sustentada. Um velho horroroso visitava-a ocasionalmente, mas com menor frequência, bem bom para ela, do que o António Mourão, seu professor de canto, guitarra e talvez de outros instrumentos. Mas também para mal dos meus ouvidos, sempre a ouvir “ó tempo, volta p’ra trás”. E depois de todo este rodeio, onde é que eu ia?, açoriano criado em conversa fiada de serão, ah, lembrei-me, vou olhar para algum passado deste blogue e tirar conclusões de provocação matreira e final.

Tema de grande motivação a escrita minha foi a licenciatura de Sócrates. Ele escapou ileso, até ao encerramento da sua alma mater. É portuga. De facto, nada de ilegal, só videirices de que a imprensa, inabilmente, quis fazer escândalo. Digo inabilmente porque se há coisa de que o portuga gosta, em que se revê, é na videirice, na chiquespertice. O que ele inveja não é o Nobel do Saramago nem os milhões do Jardim Gonçalves, coisa que não percebe. Inveja é o vizinho que aldrabou as finanças, o outro que vigarizou a segurança social, o outro que ficou repentinamente milionário com o euromilhões, sem essa chatice horrorosa que é trabalhar pra ganhar a vida. E eu a olhar com gozo para alguém que me repetia sempre, "aposto o que quiseres, o ministério público não pode deixar de o levar a tribunal". Um mínimo de honestidade proibiu-me de desfrutar dessa aposta.

Por isto, quem é que se importa que Sócrates não tenha vergonha de um título universitário de vão de escada, que não tenha ética de rigor intelectual, que não tenha cultivado o orgulho de reconhecimento académico por uma instituição de qualidade? Só eu e mais uns tantos, que penámos agruras e angústias pessoais de perguntas rigorosas para nós próprios sobre a qualidade do nosso trabalho intelectual e profissional, que temos a paixão e o respeito por uma coisa que transporta um milénio de civilização, a educação superior, que consideramos um grau como um prémio que tem de ser merecido e não como um cartão de visita que se manda imprimir no shopping. Mas quem sou eu e esses outros para falarmos, se qualquer coisa ajuda ao tiro de partida carreirístico na jota (que no caso até foi do PSD), mesmo um grau charunfoso, se calhar até dando competências bolonhesas para vendedor de computadores?

Hoje vai só esta memória de tempos idos do Bloco de Notas. Outras se seguirão.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do teu blog.
Paulo
Portugal

C. disse...

Belíssima crônica.