Descansem que não vou falar de nenhum novo casal homossexual feminino a querer casar-se. A aproximarem-se as férias e o encerramento temporário deste estabelecimento, vou escrever coisa ligeira, lembrando-me de mais duas personagens pitorescas da minha infância, esquecidas no "Mastro das Alminhas". Viviam juntas e creio, mas não garanto, que eram tia e sobrinha.
A Jorgina era um caso espantoso de literacia analfabeta. Já explico o paradoxo aparente. In illo tempore, eu menino, havia a figura da "mulher das compras", encargo excelentemente desempenhado pela Jorgina. Ao fim da tarde, dava a volta pelas freguesas e tomava nota das encomendas para o dia seguinte: talho, mercado do peixe, barraca da hortaliça.
A cada nota que tomava, ia sempre dizendo "óraites", corruptela calafona do "all right" - um dia destes hei-de escrever sobre o típico vocabulário "calafonês" açoriano, a começar pelo próprio termo "calafona", leia-se "californian". Muito mais divertida era a relação especial da Jorgina com uns amigos íntimos e indispensáveis que viviam no seu couro cabeludo. Às vezes, ficavam indisciplinados que nem meninos das escolas de hoje. A Jorgina dava então umas palmadinhas na cabeça, com meiguice e dizendo "ai, eles hoje estão tão desassossegados!".
Importante era a tal literacia. A Jorgina tomava cuidadosamente nota das encomendas num caderno e nunca se enganava. Mas como, se ela era analfabeta? Muito gostava eu de poder ver ainda um caderno da Jorgina.
A Berta, que era criada, como então se dizia, de uma prima da minha mãe, era uma personagem imperdível de candura tonta, num grande coração. Esta minha prima era mãe de um dos meus mais queridos amigos e primo, já falecido, o Raul Ávila de Vasconcelos – dois nomes sempre ligados na minha família, desde há muitas gerações, mas que eu já perdi. Quando ele veio para a universidade, no Carvalho Araújo, era tempo em que a partida e chegado dos navios merecia notícia da rádio. Assim, disse a minha prima "Berta, o menino Raul já chegou a Lisboa". Resposta, "E a Sra. D. Letícia [a minha tia] estava na doca?".
A Berta era uma solteirona frustrada e deitava sortes de clara de ovo no S. João. Um dia ficou muito feliz por ver finalmente o seu destino: um marinheiro louro, na ponta do barco, de calças azuis e camisa branca, com a mão na testa a aparar o sol!
Também tinha um sentido critico muito pragmático. Foi notícia na minha terra a aventura de dois patrícios meus (lembram-se da série de TV "O barco e o sonho"?) que foram até à sonhada América num pequeno barco à vela que construíram? A Berta não achou aquilo nada de especial. "É só dar a volta ao farol da doca e depois ir sempre rente ao muro". Noção muito especial da geografia!
E vou para férias. Adeus, até ao meu regresso. Divirtam-se também e descansem, pensando numa regra importante de vida, a KISS: "keep it simple, stupid!".
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