17 junho, 2006

Casa da Música

Ryuishi Sakamoto veio dar concertos a Portugal, no Porto e em Lisboa. Que horror, abrir as nossas principais salas de concerto a tal músico menor! "Muito mal", protestou um professor da Universidade do Porto, em carta enviada à direcção da Casa da Música. Tal casa deve estar vedada a música menor e "contra o bom gosto". Inacreditável!

Que pena que eu tenho de não o poder ter ouvido. Sou fã de Sakamoto. Descobri-o tarde, em situação contraditória, ao ver o magnífico "Feliz Natal, Mr. Lawrence". Actor banal, mas excelente autor da banda sonora, situação reproduzida em "O Último Imperador". Desde então, comprei o que pude: O "Grande amor", as bandas sonoras de "O pequeno Buda" e "O último imperador", "Lost child", "Raw life", e o magnífico "Casa", um álbum de um japonês que assimila e reinterpreta a bossa nova e António Jobim.

Não vou falar mais de Sakamoto, mas dos preconceitos que temos em relação à música. Clássica e ligeira? Fui vítima disto. Na minha juventude, nada "abaixo" de Beethoven ou Mozart. Lamentavelmente, com isto, só muito mais tarde apreciei, por exemplo, a grande qualidade musical dos Beatles e fiquei em condições de me maravilhar com aquela magnífica melodia, tão curta e tão simples, dos "Encontros Imediatos do Terceiro Grau". É inferior a outras célebres melodias ou motivos curtos, como o da quadragésima de Mozart, o motivo tão simples do concerto de violino de Beethoven ou as célebres quatro, só quatro, notas da sua sétima, tan tan tan tannnn?

Vamos clarificar águas e afastar desta discussão a música pimba. Ficam 99% de pop/rock e o pequeno resto de música erudita, Já vou discutir este adjectivo. Esses 99% são difíceis de definir. Vou tentar uma definição pragmática. É a música que enche os festivais, que mais se vende, as que os jovens descarregam para o iPod. Mas que variedade, quando a ouvimos! O meu filho ofereceu-me há tempos um disco de uma banda pouco conhecida, de grandes amigos seus. Ouvi-a sem preconceito e a minha conclusão, conhecendo os jovens, foi "porque é que eles, com este enorme talento, não vão estudar música?". Isto é meu critério. Ouço coisas excelentes, mas com má técnica. Sem que a corrijam, não a considero grande música. Fico a aguardar.

Espaço estanque entre a "música clássica" e aquela que não sei como chamar? A minha colecção de CD, e até de velhinhos vinil que ainda não tive tempo de copiar, não é má. Mas ninguém me obriga a deitar para o lixo as minhas preciosidades das canções francesas, das canções de cabaret berlinense (Kurt Weil era clássico ou ligeiro?), de zarzuelas, até algumas cantadas por Plácido Domingo.

O que é isto de música clássica? Os lieder de Schubert foram escritos para serem cantados no café. Os Strauss compuseram música que eram ouvidas entre conversas nos parques de Viena e que hoje têm as honras do célebre concerto de Ano Novo. O jazz era música de bar e os espirituais ou gospell música de pequenas comunidades religiosas. E se, no fim de um concerto, o maestro resolver dar, como pequeno extra, o can-can de Offenbach, creio que tanto a audiência como os músicos se divertirão bastante.

Para terminar, uma provocação. Estou a comprar discos de um bom músico português das últimas décadas. Imaginam quem? António Variações!

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