28 novembro, 2008

Esquerdas e esquerdas

O Encontro das Esquerdas causa-me sentimentos mistos. Que haja muitos e variados, bem o desejo. É sinal de vontade de diálogo, de exploração de novos caminhos em colaboração, é pequena mas adivinhável luz ao fundo do túnel do nosso bloqueamento político, cristalizado em partidos já muito estabelecidos (até o BE). No entanto, por outro lado, cheira-me muito a jogada política tradicional, nada que signifique uma rotura justificativa de novas esperanças, principalmente por parte de muitos que têm essas esperanças ligadas a um percurso indissociável da rejeição de manobras políticas convencionais. Deles - e não posso honestamente deixar de me incluir, mesmo que imodestamente - falarei adiante.

O primeiro encontro, salvo erro em Maio, aparece sob o foco bipolar de duas personagens marcantes, Francisco Louçã e Manuel Alegre (a ordem dos factores não é arbitrária), obviamente pessoas representativas de uma acção política inteiramente balizada pela intervenção partidária. Não creio que qualquer deles, depois de muitos anos dessa perspectiva, possa guinar para alguma coisa de novo.

Alegre é refém do seu PS, não sabe como agir fora dele, vai aproveitando uma margem de tolerância que o PS lhe vai dando, num negócio confortável em que todos ganham. Ou melhor, ganha o PS em imagem de tolerância, porque Alegre parece não conseguir saber o que fazer dessa oferta, como não soube o que fazer do apoio de um milhão de eleitores, desbaratado num MIC de paróquia.

Louçã, arrisco-me a dizê-lo, é também refém da sua imagem, do jovem muito inteligente e muito gabado (outro Pacheco falado nas barbearias da província), do dirigente trotskista, do fanático impulsivo sempre com trejeitos de Savonarola. Ainda não me conseguiu convencer de que tenha uma grandeza de pensamento político, de projecto de sociedade, que vá para além do que sempre defendeu. A “modernidade” do BE cheira-me muito a instrumental. Nem falo só da componente trotskista, muito menos da herança UDP que nem sei o que é, mas da “herança” do meu MDP que passou por OPA política para a Política XXI. Ainda terei de fazer, com outros amigos, a história da revolução ideológica, fora de tempo, do MDP restante depois da rotura com o PCP.

Neste segundo encontro, há aparentes surpresas, mas nem tanto. São casos isolados que me parecem sinal de algum aproveitamento cauteloso, tipo “deixa-me entalar o pé na porta, para não a deixar fechar”. É Carvalho da Silva, sempre ambíguo no uso dos seus dois chapéus, do PCP e da CGTP, é António José Seguro, um candidato a alternativa no PS mas sempre avaro das suas ideias que ninguém conhece (outra vez o Pacheco) e até, pasme-se, Carlos Carvalhas (claro que certamente a mandado do PCP). Ao lado, com a sua já vista ingenuidade de vigarizados por um aparelho sabido, os renovadores comunistas, coisa que ainda não percebi o que quer dizer. Se o nome aponta para os seus amigos italianos, é melhor irem dar uma volta ao bilhar grande.

Mas há mais esquerda. Há esquerda de gente que não precisou de grandes acontecimentos telejornalísticos para reflectir sobre erros de décadas em muitos casos assumidos pessoalmente, com modéstia e sincero pesar. Há esquerda de gente que não pactua com o papel de instrumentos de luxo dos aparelhos, com vestes de gala de uma independência que não engana ninguém. Há esquerda de gente que vive satisfeita com a sua actividade profissional esgotante, com a sua participação na vida cultural e social e para quem a intervenção política é uma missão nobre mas custosa, nunca uma prebenda. Há esquerda de gente que pode defender abertamente valores e opiniões controversas, porque não precisa de pensar em termos eleitoralistas.

Ninguém desta esquerda poderá dizer que ela é a dos “bons”. É apenas a dos que têm a sorte de poderem ser livres, porque a vida isto lhes permite. E nesta liberdade desempenha papel essencial o facto de as suas roturas terem resultado de caminhos individuais, com sofrimento, quantas vezes silencioso e desconhecido da opinião pública, sem o apoio de movimentações grupais que muitas vezes espartilham a rotura em novas formas de dependência.

Pessoalmente, sinto-me obrigado a elogiar um político que soube dar valor a muita desta gente, que por isto também lhe correspondeu: António Guterres, nos Estados Gerais. Infelizmente, a sequência, nos tempos já de governo, foi frustrante, em termos de intervenção independente e dialogante. As Novas Fronteiras já nem sequer os convidaram. Desconfio de que algum dos meus amigos tivesse aceite.

27 novembro, 2008

Assinando o ponto

Ainda não desapareci, mas tempos muito ocupados têm-me afastado da escrita. Dou sinal de vida, prometendo retomar a minha intervenção dentro de pouco tempo, em outros moldes. Deixarei aviso.

20 novembro, 2008

Violência de género

Há coisas que não gosto de adjectivar ou de qualificar, são más em si. No entanto, por vezes, a qualificação alerta-nos para circunstâncias particularmente favorecedoras do mal. É o caso da violência do homem ainda hoje mais forte para com a mulher ainda hoje mais fraca, com destaque para a violência doméstica.

O Público de hoje traz um número impressionante: este ano, 43 mortes de mulheres por violência doméstica. Extrapolando, quantos casos de agressões com consequências físicas importantes? Mais ainda, quantos casos de "ligeiras agressões" mas com enormes efeitos destrutivos?

Leio também uma coisa muito interessante, uma iniciativa da UMAR para envolver numa petição também os homens que se revoltam contra esta degradação do ser masculino. Boa ideia, generalizar uma luta que corre o risco de ser considerada, redutoramente, como feminista. É pena ainda não ver concretizada a iniciativa, vou ter de estar atento.

Isto faz-me pensar que a virtude pode ser perversa, isolando-nos do que tendemos a ver como distante de nós. Chegar sistematicamente a casa embriagado e bater na mulher? Tirar o cinto para a coça nos filhos? Infelicidades, mas não é comigo... Será que não?

Nota - Um pouco a despropósito, tenho bem para mim que, com uma excepção (um filho bebé que não podia compreender de outra forma que não podia enfiar os dedos na tomada), nunca bati num filho. Porquê, porque sou especial? Sim, sou especial porque tive pais especiais que, nos anos 40 e 50, não me batiam. Estas coisas herdam-se. Não tenho qualquer sinal de que os meus filhos tenham batido nos meus netos. E às vezes talvez precisassem, como quando o André me diz que não vale a pena discutir com o avô porque só tem caca de galinha na cabeça.

17 novembro, 2008

Diletantismo portuga?

Na sua crónica habitual no Público e com a sua habitual displicência, diz hoje Vasco Pulido Valente que Marx, para os seus estudos de economia política que o levaram ao monumento intelectual que é o Capital (concorde-se ou não com as derivações políticas práticas do marxismo) falsificou dados. É a mais grave acusação que se pode fazer a um cientista e é a primeira vez que leio tal coisa em relação a Marx. Das duas uma. Ou VPV é um diletante, não é um pensador rigoroso, não conhece a ética científica e pode-se-lhe desculpar (?) a acusação atirada como barro à parede. Ou é o contrário disto e então exige-se-lhe que demonstre tão grave acusação. 

05 novembro, 2008

Obama

02 novembro, 2008

Recordando (1)

A despedir-me, quando este blogue vai passar a ser chamada de atenção para sítio mais calmo e ponderado de escrita, lembro-me da menina R, minha vizinha da então 28 de Maio, hoje felizmente rebatizada (acordo ortográfico!). A menina R talvez tenha sido o primeiro desafio a alguma abertura mental. Era execrada pela vizinhança do prédio, era muito simpática comigo, provavelmente porque sentia que eu o retribuía, que mais não fosse pelos mimos que fazia ao meu filho bebé.

Era sustentada. Um velho horroroso visitava-a ocasionalmente, mas com menor frequência, bem bom para ela, do que o António Mourão, seu professor de canto, guitarra e talvez de outros instrumentos. Mas também para mal dos meus ouvidos, sempre a ouvir “ó tempo, volta p’ra trás”. E depois de todo este rodeio, onde é que eu ia?, açoriano criado em conversa fiada de serão, ah, lembrei-me, vou olhar para algum passado deste blogue e tirar conclusões de provocação matreira e final.

Tema de grande motivação a escrita minha foi a licenciatura de Sócrates. Ele escapou ileso, até ao encerramento da sua alma mater. É portuga. De facto, nada de ilegal, só videirices de que a imprensa, inabilmente, quis fazer escândalo. Digo inabilmente porque se há coisa de que o portuga gosta, em que se revê, é na videirice, na chiquespertice. O que ele inveja não é o Nobel do Saramago nem os milhões do Jardim Gonçalves, coisa que não percebe. Inveja é o vizinho que aldrabou as finanças, o outro que vigarizou a segurança social, o outro que ficou repentinamente milionário com o euromilhões, sem essa chatice horrorosa que é trabalhar pra ganhar a vida. E eu a olhar com gozo para alguém que me repetia sempre, "aposto o que quiseres, o ministério público não pode deixar de o levar a tribunal". Um mínimo de honestidade proibiu-me de desfrutar dessa aposta.

Por isto, quem é que se importa que Sócrates não tenha vergonha de um título universitário de vão de escada, que não tenha ética de rigor intelectual, que não tenha cultivado o orgulho de reconhecimento académico por uma instituição de qualidade? Só eu e mais uns tantos, que penámos agruras e angústias pessoais de perguntas rigorosas para nós próprios sobre a qualidade do nosso trabalho intelectual e profissional, que temos a paixão e o respeito por uma coisa que transporta um milénio de civilização, a educação superior, que consideramos um grau como um prémio que tem de ser merecido e não como um cartão de visita que se manda imprimir no shopping. Mas quem sou eu e esses outros para falarmos, se qualquer coisa ajuda ao tiro de partida carreirístico na jota (que no caso até foi do PSD), mesmo um grau charunfoso, se calhar até dando competências bolonhesas para vendedor de computadores?

Hoje vai só esta memória de tempos idos do Bloco de Notas. Outras se seguirão.

Keep it simple, stupid

Muitos políticos americanos têm dotes oratórios excelentes. Lincoln, Roosevelt, Kennedy, Martin Luther King, agora Obama. Vêm na tradição do uso sintético, incisivo, da língua, e por isto é que as grandes citações, depois dos romanos, são agora as dos americanos, sem falar na eloquência exemplarmente elegante de Jorge Sampaio! Coisas célebres: “Don´t ask what your country can do for you, ask what you can do for your country”; “Ich bin ein Berliner”; “I have a dream”. Notável é a última de Obama (vai em português, não a consigo no original): “Qualquer parvo faz um filho, mas o que faz um pai é fazer crescer um filho”.

KISS, keep it simple, stupid!

01 novembro, 2008

A muralha de aço de Alcântara

Subscrevi a petição de iniciativa de Miguel Sousa Tavares contra a expansão do parque de contentores de Alcântara. Hesitei muito em o fazer, depois de também ter lido os argumentos da Liscont. Afinal, os 15 m de altura dos contentores empilhados compensam a altura dos armazéns que vão ser demolidos. 

Então, porque assinei? Porque espero que este assunto pontual traga à discussão o problema de fundo, que é o da localização do porto de Lisboa. Vai ser desafio para a minha escrita mais elaborada, como sucessora deste blogue. Para já, fica-me uma dúvida importante: qual o destino da gare de Alcântara? E os painéis de Almada, para já não falar do valor arquitectónico dessa obra de Pardal Monteiro?

Ingenuidade?

Loureiro dos Santos alertou para possíveis disparates a virem a ser praticados por militares descontentes com lesões aos seus interesses corporativos. Creio que ninguém com juízo neste nosso país pode admitir tal hipótese cesarista. Por isto, vindo do general, é alerta civicamente importante, dirão alguns. Não me parece verdade. O general não é ingénuo nem estúpido e sabe bem que o simples facto de escrever sobre tão absurda coisa é dar-lhe publicidade, importância e alento. “Porque no te callaste?”

P. S. - Não é a primeira vez que LS se faz porta-voz encapotado de interesses corporativamente mesquinhos de militares. Aonde quer ir com isto? Não percebo, por parte de um homem que pode envelhecer confortavelmente deitado sobre um bom currículo. Simples vocação populista?

Sócrates, sai um anunciozito?

Já não me bastava estar ontem encravado meia hora no trânsito de hora de ponta, ainda tive de ouvir o discurso de José Sócrates na Cimeira Ibero-Americana. Já há muito tempo que não tinha tanta vergonha de me chamarem português. 

Há por aí uma coisa a que chamam de Magalhães, pretensa invenção nacional. Não é nada, é uma criação da Intel, já posta em prática em alguns países sub-desenvolvidos, a que se destina, e agora montada em Portugal, pelos vistos também um sub-desenvolvido. 

Mas ouvir o primeiro ministro de Portugal fazer de publicitário, durante 10 minutos (!) de um discurso oficial, a enaltecer as virtudes do computadorzinho, a referir que um chefe de estado americano o tinha atirado ao chão sem ele se partir, ultrapassa tudo o que eu julgo ser a dignidade mínima do Estado português, a cumprir pelos seus representantes máximos. Era bem razão para Juan Carlos ter interrompido, “Jose, porque no te callas?”

Autonomia açoriana

Lembram-se do velho professor americano a viver em Roma, personificado por Burt Lancaster no “Conversation Piece” de Visconti? Ou mesmo do mesmo como Príncipe Salina? Distanciamento, algum desgosto pela degenerescência do que nos foi caro, sentido de que a vulgarização nos remete para um buraco íntimo de preservação da qualidade. Elitismo intragável, admito.

Isto vem mesmo a despropósito sobre a actual questão do estatuto dos Açores. Fui autonomista, nos alvores açorianos da minha descoberta política. Fui autonomista com muitos amigos dos tempos difíceis, sendo sempre justo salientar Melo Antunes e Borges Coutinho. Nessa altura, os filhotes de Mota Amaral usavam babete e hoje não se lembram de que ele, por essa época, era deputado e escrevia a favor das multinacionais americanas dominarem a pecuária açoriana. Por tudo isto, sinto-me hoje um pouco como essas personagens viscontianas.

Por isto, creio ter autoridade para me escandalizar com alguns excessos do estatuto de autonomia dos Açores e, por isto, quem diria, concordar com Cavaco Silva. O que mais me choca é a disposição aberrante segundo a qual a Assembleia da República não pode legislar sobre a autonomia a não ser sobre propostas da Assembleia Legislativa Regional. Não consigo perceber como é que tal disposição, só possível num estado federal (e nem sei se mesmo neste caso, na realidade) não é declarada liminarmente como inconstitucional.

Sou autonomista, nem de longe sou federalista ou independentista. Como costumo dizer, sou muito açoriano porque sou muito português e sou muito português porque sou muito açoriano.

Nota gastronómica (LXVII)

Um chefe que fornece as suas receitas

Vivi largos anos na Amoreira, à ilharga norte do Monte Estoril, burgo “piplar” típico, contraponto do vizinho, mesmo que este decadente. Nunca pensei que a Amoreira viesse a ser pousio de restaurante de qualidade, gabado por amigos meus gastrónomos exigentes, o “Vin Rouge”, dirigido por um jovem chefe promissor, João Antunes. É coisa já registada, a fazer engordar a minha lista iPhonica de “to do”.

É hoje tema na revista do Expresso. O que me faz escrever esta nota é uma coisa espantosa que li na revista. João Antunes não faz segredo das suas receitas e troca-as com os seus clientes. Notável! Ou, então, grande sentido de marketing. Seja como for, vou lá um dia destes mas com uma meia dúzia de receitas minhas no bolso, esperando vir de volta com outras tantas de João Antunes. E que sejam da qualidade com que ele hoje, no Expresso, disserta sobre a carne de veado, coisa de que gosto muito desde tempos idos na Suíça.