Nos últimos dias, desde 4 de Abril, Pacheco Pereira – licenciado em História, segundo creio – tem publicado no "Abrupto" excertos de um novo livro de Agustina Bessa Luís, "Fama e Segredo da História de Portugal". Não percebo bem o que será o livro. À primeira vista parece uma coisa de tipo "a história contada aos coitadinhos que nunca a estudaram". Literariamente é pobre, pela amostra; historicamente é pouco séria.
Como alguns leitores do Abrupto chamaram a atenção, abundam os erros ou, pelo menos, as fantasias. Muitos dos que vou apontar são referidos por leitores do Abrupto. Ao menos, Pacheco Pereira teve a honestidade de publicar essas criticas. O tema também tem sido discutido no blogue "Um prego no sapato".
Segundo o primeiro texto, D. Afonso Henriques poderá muito bem ter sido filho bastardo de Egas Moniz. O conde D. Henrique pode ter sido filho do rei da Hungria e veio para Espanha, coisa que não existia na época. O conde Sisnando é sempre tratado por capitão, coisa que nunca li e termo que, se não estou em erro, não era usado na época. Há uma ama de leite, Ausenda Dias, que recebe de ABL o nobilíssimo e então muito raro título de Dona. Mais mirabolantemente, D. Teresa amantizou-se (ou ter-se-á casado, segundo ABL) não com o galego Fernão Peres de Trava, mas sim com um conde Pedro Trastâmara, inventado séculos antes do primeiro Trastâmara, Henrique, rei e pai do João de Castela que o mestre derrotou em Aljubarrota. Ainda por cima, esse conde Pedro Trastâmara tinha por pai o Fernandes (qual o nome próprio?) de Trava. Sem ABL referir o patronímico do tal Trastâmara, fica uma grande confusão de condes. Finalmente, a troca de um infante aleijado de nascença por uma obscura criança aldeã pode ser fantasia imaginativa mas duvido de que seja história.
Outro texto fala de D. Filipa de Lencastre. Para não alongar mais isto, só a referência de ABL aos seus "quatro filhos rapazes". Como toda a gente sabe, foram Duarte, Pedro, Henrique, João e Fernando, para só falar dos que sobreviveram até adultos. Faz-me lembrar um antigo politico pomposo e caricato que explicava sempre "por três razões", que, afinal, ou eram duas ou quatro, nunca três. Mas já chega de exemplos e passe-se ao importante.
Que direito tem um escritor ficcionista de "usar" a história? A meu ver, todo, desde que o jogo seja limpo. Ninguém tem dúvidas de que o bispo negro de Herculano não é uma figura histórica, embora o conto se enquadre magnificamente na história da época. Ninguém tem dúvidas de que o romance entre Ana de Áustria e o duque de Buckingham não tem base histórica sólida, mas "Os três mosqueteiros" nunca sofreram por isso. Mais recentemente, os fascinantes livros de Dan Brown têm muitas fantasias "históricas", mas deliciosas, e que ninguém considera como impostura e que, por isso, levam ao ridículo os protestos do Opus Dei.
Este triste caso de ABL, a quem se exigem grandes responsabilidades intelectuais, não é nada disto. Não é ficção, nem sequer a recriação de um ambiente de época. É pseudo-história, perigosa porque, para muita gente, avalizada pelo prestígio da autora. É mais um caso para nos lembrarmos de que "não suba o sapateiro além da chinela".
Lembram-se de um caso inconcebível, já aí há uns vinte anos, de um "historiador" chamado Magalhães Barreto e de um seu livro "top seller" sobre Colombo português e agente secreto de D. João II? ABL fica agora com boa companhia. A propósito, lembro-me de que esse "historiador" de fados e touradas escrevia sempre Cólon-Zargo. Aqui está uma boa sugestão para ABL: escrever Trava-Trastâmara. Daria muitas teses "académicas"!
Pena é que talvez não haja agora cá para zurzir em ABL pessoas como as que afrontaram o "colombólogo", Luís de Albuquerque e Luís de Távora. Com isto, sofreram vexames de uma canalha "intelectual". O que seria agora com quem arrostasse com a áurea de ABL? Afinal, estou a fazê-lo mas, como toda a gente sabe, eu sou um "desbocado" que ninguém leva a sério, salvo os amigos que conhecem o gozo que isto me dá.
Toda a direita, os sectores mais tradicionalistas, algumas mentes brilhantes que se consideram moderníssimos, criticam a ausência de um verdadeiro ensino de conhecimentos fundamentais sobre a nossa história. É certo que ainda não li nada de ABL sobre isto, mas conhecendo-se a sua posição ideológica, não parece abusivo pensar-se que ela partilhe dessa opinião. Com isto, ela está a dar um enorme tiro nos pés. Por mim, agradeço. E até me dá gozo, porque tenho sempre alguma "vergonha" em afirmar que não gosto nada da sua escrita literária, questão de meu gosto pessoal. Também não de Saramago e de Lobo Antunes, mas "porra, sou lúcido!" Agora, fico reconfortado e vou dormir hoje que nem menino embalado.
E já que estou embalado, recordando Almada e o manifesto anti-Dantas: ABL merece "pim"! De mim não leva um tostão de direitos de autora.
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