O pessimismo anti-científico, hoje muito presente no pensamento pós-moderno, não é novidade. Por vezes, até é compreensível como reacção a monstruosidades feitas abusivamente em nome da ciência. Depois do eugenismo nazi e de Mengele, até compreendo o sentimento de culpa ainda hoje justificador, na Alemanha, da repulsa contra tudo o que é manipulação genética. Em boa parte, ligando isto à influência dos Verdes alemães nos movimentos e partidos ecologistas, compreende-se o horror generalizado desses movimentos a transgénicos e coisas do mesmo tipo, mesmo, em casos limites, à produção de vacinas ou fármacos por meios biotecnológicos moleculares.
Passou-se o mesmo com a energia nuclear. É certo que houve Chernobyl e que há o problema do armazenamento dos resíduos. Mas a segurança de uma central nuclear é inferior à de uma central térmica? E qual é a mais poluidora, a que mais contribui para o efeito de estufa? No entanto, a atitude política em relação ao nuclear parece-me marcada, fundamentalmente, é pelo sentido de pecado de Hiroshima e Nagazaqui.
Isto fez-me lembrar esta gravura que vi pela primeira vez no livro da OMS comemorativo da erradicação da varíola, doença que matou milhões e milhões de homens, ao longo da história, erradicação que se ficou a dever, exclusivamente, à vacina antivariólica. Seis anos depois de Jenner a ter inventado, já havia uma sociedade antivacinação que, em 1802, publicou este cartaz, com vacas a sair de testas e narizes (a vacina era preparada com varíola bovina, daí o nome de vacina) e com uma alusão bíblica ao bezerro de ouro. O bicho humano dificilmente muda.
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2 comentários:
A par com o exemplo da varíola - e com um sentido contrário - podemos citar o da talidomida. E são apenas dois casos, porque muitos outros se podem identificar em que magníficas descobertas da ciência foram extraordinariamente úteis, enquanto outras, aparentemente tão boas como as anteriores, acabaram por se revelar incompletas e tiveram efeitos desastrosos. Casos, sobretudo, de descobertas onde estiveram envolvidos grandes interesses económicos que não cuidaram de verificar todas as consequências e se apressaram a colocar no mercado algo quee stava inacabado.
Por isso me parece natural que as pessoas desconfiem e tenham cuidado. Eu não me considero esclarecido sobre os eventuais efeitos da manipulação genética de células vivas, e a toda a hora oiço dizer que "afinal pode ter este ou aquele efeito colateral". Sobretudo tenho para mim que, quando há um interesse económico metido no assunto, ele cuida de se apresentar como científico, comprovado, evidente e muito útil, quando nem sempre esse é o caso.
Recentemente, num blogue de referência como é o Rerum Natura, o matemático Jorge Buescu escrivia um post sobre o efeito de estufa e a produção de CO2, explicando quee ram absurdas as preocupações sore esse assunto, nomeadamente as campanhas levantadas por Al Gore. Ora aqui mesmo ao meu lado, na minha estante, tenho um livro do físico Pedro Miranda que explica o contrário. São dois cientistas portugueses com grande credibilidade. Em que é que ficamos?... Eu não tenho capacidade para encontrar as eventuais incoerências de um ou de outro no seu raciocínio, e ambos me parecem lógicos, independentemente de e sentir mais inclinado para um lado ou para outro. O que é que faço?... Tenho vontade de dizer aos dois que vou perguntar ao Boaventura Sousa Santos.
P.S. Eu continuo a fazer comentários no seu blogue aos seus posts, mas reparo que é uma postura de sentido único. Normalmente não há resposta nem continuidade na conversa o que, francamente, me desmotiva bastante. Entendo estes comentários como forma de obter alguma interactividade, mas isso raramente acontece.
Henrique, claro que tem razão. Mas isto é apenas um pequeno exemplo de toda a dialéctica do processo histórico, em que se insere também o científico.
Vou dar-lhe um exemplo estranho, o da escravatura. Quem duvida de que foi um horror da história humana? Mas alguém duvida do que foi o papel histórico da construção das Américas? A nossa civilização seria a mesma? A nossa democracia, que datamos só em 1789, teria sido possível sem a revolução americana, anterior? E sem Tocqueville?
Mas as Américas teriam sido possíveis sem a escravatura? O meu caro amigo pode dizer-me justamente que isto é uma visão cínica. Talvez, mas é principalmente a de quem vê a história como um processo que tem coerência de devir mas que só pode ser apreciado momento a momento.
Tem toda a razão ao invocar a Talidomida, mas, ao mesmo tempo, esquece quanto se aprendeu com isso. As actuais regras de segurança deixam as dessa altura a um nível de primitivismo.
Deixe-me também dizer-lhe alguma coisa talvez ingénua para muita gente, mas não para si, porque V. também é cientista, embora em ramo diferente do meu. Há hoje actividade com maior rigor ético e de responsabilidade intelectual assimilados pela esmagadora maioria dos seus praticantes?
PS - quanto aos comentários, peço-lhe que assuma o princípio de que a minha falta de resposta, com o meu pouco tempo disponível, significa concordância.
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