30 abril, 2007

A minha missa dominical

Apesar de não crente – ou talvez por isso – sou leitor habitual da crónica de domingo de Frei Bento Domingues, no Público. Extraio da de ontem, "As ossadas de Cristo", um trecho que me parece notável:
"Sempre me aborreceu a ideia de ir a Jerusalém por causa dos lugares santos. Onde houver gente necessitada, gente que precise de presença, de cuidados, há um lugar maldito que é preciso santificar. No simbólico tribunal da História (Mt 25), ninguém é julgado por não ter visitado a chamada Terra Santa. Mas encontra-se ou desencontra-se com os lugares santos se socorre ou não os doentes, os presos, os nus, os famintos, os abandonados. A "Terra Santa" da Igreja devem ser os bairros mais abandonados das grandes cidades e, sobretudo, o vasto mundo dos pobres, dos quase mil milhões que vegetam com menos de 73 cêntimos por dia."

28 abril, 2007

Estou mesmo velho...

Leio no Público que faz hoje 85 anos, que está portanto bem vivo, um ídolo da minha meninice: Barrigana. Se não sabem quem foi, googlem. E, com isto, dou por mim que estou mesmo velho...

27 abril, 2007

Pina Moura

A nomeação de Pina Moura para presidente da TVI (empresa, não estação, note-se bem) tem dado que falar, a meu ver sem razão. Motivos de critica em relação a Pina Moura, com quem, apesar de discordancias, sempre tive as relações mais cordiais, têm sido outros, principalmente a sua nomeação para presidente da Iberdrola, um parceiro mas também competidor espanhol no sector estratégico da electricidade, pouco tempo depois de ter deixado o governo.

Agora, o grupo Prisa, detentor da maioria do capital da TVI, nomeou-o presidente. Pina Moura, muito bem, e ao contrário do que fez antes, e muito mal, abdicou dos seus cargos políticos. É óbvio que, como não é esquizofrénico, nunca conseguirá separar-se inteiramente em dois Pinas Mouras, o socialista e o empresário de comunicação social.

Mas quem é que quer fazer disto um papão? Pelo contrário, o que eu quero é que isto contribua para aproximar o Prisa português do espanhol. Quero uma TVI de qualidade, mesmo que com ligações ao PS, em situação comparável ao El País, que não esconde as suas simpatias pelo PSOE, sem que alguém lhe possa apontar um exemplo de parcialidade e falta de objectividade.

25 abril, 2007

24 abril, 2007

O caso Sócrates (X)

E continua o caso Sócrates. A notícia de hoje é mesmo novidade e merece destaque (Público, 24.4.2007):
"Nosso Senhor não castiga nem com paus nem com pedras. (... a controvérsia que atinge Sócrates) é castigo divino pelo mal que está a fazer à região e aos portugueses. Ele quis fazer mal a tanta gente que agora está a ser castigado".
Quem é que é capaz de dizer tal pérola (do Atlântico)? Claro que só o inefável Alberto João.

23 abril, 2007

Doutores e engenheiros

O caderno P2 do Público de 19.4.2007 traz um longo artigo de Kathleen Gomes, entre o sério e o jocoso, intitulado "Portugal, o país com mais 'doutores' (e 'engenheiros')". Isto fez-me pensar numa coisa que já aqui tenho discutido a sério, porque é que a jangada de pedra já não se solta nos Pirinéus mas sim no Caia.

Conheço muito bem o ambiente universitário espanhol. Pelo menos nos sítios que se prezam, não há cortesias (ficam para as touradas), não há profs. nem drs., toda a gente tem é o seu nome. E já repararam, que em qualquer loja de Madrid a vendedora nos pergunta "buenas, que quieres?".

O meu amigo Manuel, plebeu de gema, é colega da infanta Cristina num conselho. "Como pasas, Manuel?" "Y tu, Cristina?". Com a ressalva de que, em público, a trata sempre por Señora.

Nota – Espertos são os meus alunos, que não se dão ao trabalho de fazer gestão de títulos, é tudo corrido a igual. Para alguns, todos são profs, desde o meu jovem assistente até eu próprio. Para outros, todos são apenas drs. Ainda não vi foi aqueles para quem todos são apenas srs.

21 abril, 2007

O inefável VPV

Um homem inteligente sabe escolher formas de auto-elogio bem subtis. Leia-se o que escreveu hoje Vasco Pulido Valente: "No dia em que nasci, 21 de Novembro de 1941, Hitler ocupava quase toda a Europa e o exército alemão estava a alguns quilómetros de Moscovo. Franco tinha liquidado a República e Salazar mandava em Portugal. Ainda me lembro, distintamente, de ouvir a voz do Führer (ou de Goebbels?) na telefonia e das senhas de racionamento."

A partir do fim de Abril de 1945, felizmente, VPV já não podia ouvir aquelas vozes. Portanto, ouviu-as com menos de 3 anos e meio de idade. Que portento de memória! Não só, até sabia de quem era a voz. Se o ridículo matasse...

20 abril, 2007

Novas oportunidades

Anda por aí uma campanha publicitária elitista e insultuosa, em que vedetas bem sucedidas são apresentadas como "inferiores sociais" que seriam se não tivessem estudado. É elitista porque liga estreitamente o resultado do estudo ao sucesso profissional e a um evidente escalonamento social das profissões. É insultuosa porque lança a suspeita de que quem não estudou foi porque não quis.

José Vítor Malheiros discute muito bem este caso, na sua crónica habitual do Público (17.4.2007). Extraio esta passagem.
"É certamente bom que o Estado português faça uma campanha para promover a aprendizagem e o regresso à escola. Mas é absolutamente desprezível que se apresentem determinadas actividades profissionais como indignas e como exemplos negativos, numa menorização das pessoas (dos cidadãos) que desempenham estas tarefas (cuja relevância social não é nula, diga-se) que é não só eticamente inadmissível como economicamente disparatada.
O problema em Portugal é precisamente que há imensas pessoas que não possuem competências nas suas áreas de actividade: temos comerciantes que não sabem fazer contas, lavadeiras que não sabem tirar nódoas, empregados de teatro que não sabem falar a um cliente e jardineiros que não sabem tratar de um relvado. O problema não é que haja pessoas a fazer isto (ou outra coisa) em vez de terem canudos. O problema é que há pessoas a fazer isto (ou outra coisa) mal feito."

18 abril, 2007

O caso Sócrates (IX)

Nervosismo a mais cheira mal

Creiam que eu bem desejava não gastar mais cera com este ruim defunto, o caso Sócrates. Mas, às vezes, é demais. Não quero acreditar. Acabo de ouvir, na TSF, que o a Inspecção Geral do Ensino Superior (IGES) exigiu ontem à UnI a entrega imediata de todo o dossiê do ex-aluno José Sócrates. Não o tendo conseguido, voltou lá hoje, em pessoas, insistindo na exigência.

Continuou a não o ter, com uma justificação linear da UnI. A UnI pediu para o dossiê ser incluído no processo de inspecção que resultou na decisão de encerramento, mas a IGES recusou (é difícil perceber porquê?). Agora já quer e é a UnI que diz que não.

A que propósito é que, concluída a inspecção, a IGES pretende agora este elemento? Já me fazia alguma impressão a intervenção constante do gabinete do primeiro ministro. Agora, é um organismo do Estado que intervém num processo que não é de interesse público estrito, que envolve a actuação de um cidadão muito antes de ser primeiro ministro, um organismo que certamente nunca se preocuparia com a validade do diploma do Sr. José da Esquina. Só falta, até às próximas 18 horas, entrar pela UnI uma brigada policial com mandato de apreensão.

Estou a notar muito nervosismo. Além do mais, é um erro, porque, em política, nervosismo é coisa que cheira mal que tresanda. Estava há meia hora a preparar os meus próximos textos, que escrevo sempre com a antecedência requerida pela necessidade de reflexão. Palpita-me que, depois da conferência de imprensa de daqui a quase duas horas, esse programa de escrita vai ser alterado.

Ainda o novo aeroporto


Continua a atormentar-me a questão do novo aeroporto, por razões primordialmente intelectuais ou éticas. Tenho a certeza de que a opção pela Ota é mais do que um mero capricho, segundo as declarações infelizes do ministro? Tenho a certeza de que não vou hipotecar a geração seguinte, talvez por sua vez confrontada com a necessidade surrealista de ainda um novo segundo aeroporto? Até que ponto tudo isto reflecte um predomínio absurdo da ecologia hoje convencional sobre a ecologia humana, multidimensional?

Uma coisa tenho por certa, a Portela está a rebentar, mesmo com desvio dos "low cost" para outro aeroporto. Também não tenho visto discutir uma outra coisa: o passageiro "low cost" termina sempre a viagem em Lisboa? Quantos seguirão para os Açores e para a Madeira (é só vê-los, como eu, nos voos da TAP ou da SATA para as ilhas)? Vão mudar de aeroporto, ou os voos para as ilhas iriam passar a ser só no segundo aeroporto?

Como não sou perito, tenho feito alguns exercícios, a brincar, de mapa do ACP e de imagens do Google Earth, que me deixam confuso. Começo por dizer que só tenho olhado para a margem norte do Tejo, por razões de geografia humana e de economia que me parecem fortes. Comecei por uma atitude muito estupidamente primária. Se eu for pela A1 adiante, o que é que vejo? Uma grande planura entre Vila Franca e o entroncamento da Vala do Carregado, provavelmente sem os problemas de orografia, ventos e navegação da Ota. Pois, mas acaba por ser uma faixa estreita, com o Tejo logo ao lado. Apesar de tudo, são cerca de 7 por 2 km. Só não sei é se a central não está mesmo no centro.

Outra mancha salta logo à vista, no mapa, um quadrilátero limitado pelo Tejo, a oeste, pelo IC11, a norte, e pelas estradas que ligam Benavente, Samora Correia, Porto Alto e Vila Franca. É margem sul, mas com pequena diferença em relação ao norte. No Google, parece-me um descampado, pouco povoado, mas alguma razão deve haver para nunca ninguém ter sugerido esta localização.

Voltam agora a insistir os defensores da margem sul, com as novas hipóteses das Faias e do Poceirão. Por todas as razões, tenho muitas reservas à margem sul. Não é que me preocupem tanto os efeitos do movimento aéreo no bem-estar de uns milhares de passarecos, mas sim o efeito desses passarecos, alguns bem nutridos, na segurança aérea. Diz-me um amigo ligado à aviação que até nem se pode sobrevalorizar o perigo, porque dificilmente um avião cairá por chupar uma ave. O problema é outro. Os danos no motor e os custos económicos são tais que, se o risco fosse avultado, poderia fazer com que muitas companhias nem quisessem vir a Portugal.

Com isto, vou ao essencial, a que se refere a figura. Um dos mais prestigiados ornitólogos portugueses garante-me que é total aldrabice. Ninguém sabe ao certo como é que as aves passam do estuário do Tejo para o do Sado, mas certamente que nunca num corredor tão certinho como aquele, que passa mesmo por Rio Frio mas que, à escala de uma dezena de quilómetros, um milímetro para uma ave, poupa Faias e Poceirão. Haja seriedade!

17 abril, 2007

O caso Sócrates (VIII)

Afinal, pelo menos hoje, a montanha pariu um rato. Vou esperar por amanhã, mas não posso esquecer, até mais se ver, a notícia do Sol.
José Sócrates terá feito a cadeira de Inglês Técnico ­– uma das cinco que realizou na Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil – através de um pequeno trabalho entregue numa folha A4, que fez chegar ao reitor acompanhado de um cartão do seu gabinete de secretário de Estado.
O cartão e a folha A4 foram encontrados no processo do aluno José Sócrates pela nova equipa que está à frente da Universidade Independente.
O SOL apurou que está previsto estes dois documentos serem apresentados durante a anunciada conferência de imprensa da nova direcção, com a indicação de que o dossiê escolar de Sócrates, nesta cadeira, não contém qualquer outro elemento de avaliação.
Um destes documentos é, então, um cartão de José Sócrates (subscrito enquanto secretário de Estado adjunto do ministro do Ambiente e que tem o timbre do seu gabinete), em que este escreveu, pelo seu punho: «Meu caro, como combinado aqui vai o texto para a minha cadeira de Inglês».
Agrafada a este cartão, está uma folha A4, com um pequeno texto em inglês, que corresponderá à resposta a menos de uma dezena de alíneas.
Segundo apurou o SOL, este «trabalho para a cadeira de Inglês» é o único documento escolar de Sócrates desta cadeira e terá servido para concluir a sua avaliação final a Inglês Técnico.
Tento ser intelectualmente rigoroso. Ainda não vi nada que leve Sócrates para a cadeia. Mas tudo isto me leva à prudência do Zé povinho de não lhe emprestar mil euros, o que quer dizer voltar a votar nele. E não haverá muitos meus amigos, socialistas honestos, a pensar no mesmo?

Num primeiro momento destes escritos, perante a parvoíce do "trtabalho" do Público, acabei, indirectamente, por beneficiar Sócrates. Carrego no pedal do travão. Já há é porcaria a mais. Não faço juízos definitivos, não sou juíz, mas já tenho razões para me perguntar se Sócrates não é mais um videirinho histórico, retrato de hoje de Abranhos e de Gouvarinho.

P. S. – Até agora, tenho escrito como cidadão. Chegou a altura de não esquecer uma qualidade em que sou bem conhecido, a de professor universitário. O rigor intelectual, de isenção, do cidadão, não vale perante a ética do professor. Que fique bem claro. Como professor, não tenho dúvidas de que o estudante José Sócrates representa o pior da nossa educação superior. E, ao elogiá-lo, Mariano Gago, seu subordinado, entra na história como dando o pior exemplo possível do que deve ser a nossa educação superior. Não é preciso ter-se estudado anatomia, como eu, para se saber que há uma coisas chamada coluna vertebral.

P. S. (18.4.2007) - Só hoje li a tal prova de inglês. Fora a data, que é o que preocupa os jornalistas, ninguém acha nada de estranho naqule texto, no que está bem escrito e nos erros?

Processos expeditos (incluindo inquéritos)


(Público, 17.4.2007)

16 abril, 2007

O caso Sócrates (VII)

O inquérito da UnI

Não me vou meter por maiores discussões, apenas uma nota sobre a notícia que acabei de ouvir na TSF, com declarações da responsável jurídica da UnI. A UnI decidiu um inquérito, há dois dias, sábado, para esclarecer eventuais irregularidades no processo do antigo aluno Sócrates, incluindo eventuais documentos forjados. Muito bem. Mas está pronto amanhã, foi coisa expedita... (ainda faltariam três dias úteis, do prazo de resposta do CPA, para a confirmação do despacho provisório de encerramento).

Atendendo ao curtísimo prazo deste trabalho, estamos perante caso a merecer registo. Certamente foi necessário ouvir muita gente durante um fim de semana e um dia útil (hoje), talvez mais algumas horas amanhã, incluindo pessoas que ou já não devem estar na UnI ou que até estão presas. Certamente foi necessário fazer peritagens, mesmo que caseiras, a documentos em papel ou digitais. Por isto e porque só amanhã é que vai ser divulgado, em conferência de imprensa, duvido de que, neste preciso momento, já haja uma conclusão sólida. Vou admitir que, por milagre, já haja amanhã.

No entanto, a notícia diz que a UnI convidou para a conferência de imprensa de amanhã Sócrates e Mariano Gago. Fico com a pulga atrás da orelha. Palpita-me que, mais uma vez, "quem se vai lixar é o mexilhão", porventura um funcionário da secretaria.

Declaração de interesses - gabo-me de tentar ser isento, de não "condenar" ninguém levianamente, mas admito que tenho um grande defeito que pode prejudicar tudo isso: detesto que julguem que eu sou estúpido!

P. S. (16:37) - "Zangam-se as comadres..." Acabei de ouvir o vice-reitor da UnI afirmar que isto é tudo uma limpeza de imagem da UnI. Quem melhor para dizer o que eu digo nesta nota?

O caso Sócrates (VI)

Como escrevi ontem, o Público, no caso Sócrates, teve entrada de leão e saída de sendeiro. Até agora, foi questão de incompetência e leviandade. Agora, é de dignidade. Veja-se o jornal de ontem, 16.4.2007. É muito importante, porque é o número que pode responder à notícia surrealista do Expresso sobre a aparição fatimiana de um reitor e ao caso do certificado de 1996 em papel timbrado de 2000.

E o que vemos? Apenas um quarto de página, na página 6, sem chamada de primeira página, e com umas simples referências factuais, sem nenhuma investigação. Roda-pé do certificado, umas linhas. Reitor mistério, mais umas linhas. Mais interessante é o editorial. Afinal, os maus da festa foram os políticos que se aproveitaram do caso. O Público só quis esclarecer algumas dúvidas, a oposição é que fez assassinato de carácter. Espantoso!

Isto é mesmo travão às quatro rodas. Mas quem é que acelerou e agora está a travar? Temos o direito de saber. Interesses privados, que agora talvez tenham interesse "fazer as pazes" com o governo? Interesses políticos que percebem que isto lhes pode ser mortal, em ricochete, dois meses antes da presidência da UE? Uma coisa é certa, à Eça, tudo isto é uma choldra!

Seja quem for, é bom que se lembre que quem semeia ventos colhe tempestades. Este caso já foi demasiadamente longe para agora os serventuários da imprensa o tentarem abafar, em tempos de blogosfera.

P. S. (12:52):

1. Só agora li o Público de hoje. Confirma-se oque escrevi acima. Nem uma palavra sobbre o caso Sócrates, a não serr na crónica dde heelna matos. Pelos vistos, o Público decretou o fim do caso. "Case closed".

2. Devo uma explicação aos leitores. Apaguei uma entrada de ontem porque nela expunha o que me parecem ser as perguntas em aberto verdadeiramente importantes e que não permitem a Sócrates invocar apenas a bandalheira da UnI. No entanto, não sou polícia nem jornalista, não é em nenhuma destas qualidades que escrevo neste blogue. Vou enviar o texto apenas a um grupo de amigos e ao director do Público. Obrigado ao comentador "rabo torto", que me fez pensar (já agora, um pormenor saboroso. É açoriano e terceirense, não só pelo pseudónimo, mas por dizer que me achava "mais discreto", coisa que deve fazer confusão, neste contexto. Discreto, nas minhas ilhas, é inteligente, atinado, ajuizado, perspicaz).

15 abril, 2007

O caso Sócrates (V)

Pretendia não escrever mais, mas tomo hoje conhecimento de um facto grave, sobre o qual escrevo só depois de me certificar de que já é largamente de domínio público. Trata-se da eventual falsificação (claro que não estou a dizer que pelo Público, não chego a este absurdo na minha crítica ao jornal) do certificado constante do processo de Sócrates (e porque é que um certificado de habilitações está na universidade e não na posse do próprio?).

O Público apresenta o certificado no seu sítio. Diversos comentadores chamaram a atenção para um facto intrigante. Uma folha timbrada escrita e datada de 26.8.96 (e tanto se tem discutido esta data) tem um rodapé que só pode ter sido escrito depois de 1999. Apesar de todos esses comentários, não encontrei uma resposta do jornal.

Das duas uma. Ou é um artefacto, por exemplo uma inscrição de fax enviado para o Público como cópia do certificado original, e então o Público não pode deixar de esclarecer isto, não pode deixar pairar uma suspeita de tal gravidade.

Ou o certificado original está mesmo escrito naquela folha, com aquele rodapé, e o assunto passa a ser, tanto quanto julgo, matéria criminal, de falsificação de documentos. Se assim for, Sócrates, por razões políticas, terá de demonstrar mesmo que é alheio a este imbróglio.

Insisto: é imperioso que o Público esclareça se o documento que publicou é uma cópia fidedigna ou se é um fax com inscrição à data do envio. Este assunto já circula pela blogosfera e, como dise, aparece repetidamente no próprio sítio do Público. O jornal não pode ficar silencioso.

P. S. (11:39) - Parece que incorri em erro, apesar de não me parecer relevante. Segundo notícia da TVI, o certificado em causa é o que foi enviado para a CM Covilhã. Sendo asim, é possível que só tenha sido emitido já perto de 2000, ano em que saíu no DR a requalificação de carreira de Sócrates. Mas então, porque está o documento datado de 26.8.1996? E porque é que Sócrates, depois de mais esta barafunda, ainda não informou (tanto quanto eu saiba) qual a data em que requereu, recebeu e enviou para a CMC este certificado?

E ainda fico mais baralhado com outro ponto em que só agora reparei. O outro certificado patente no sítio do Público, o que aparentemente estava no processo de aluno e que dá o curso como concluído em 8.9.1996, foi emitido em 17.6.2003! Que significado tem esta data?

14 abril, 2007

O caso Sócrates (IV)

O folhetim Sócrates-UnI entrou em registo surrealista. Não dá para acreditar! Segundo o Expresso, o reitor da UNI, durante o tempo em que Sócrates por lá andou (é mesmo bem usado o termo, andou), não era Luís Arouca mas um tal Prof. Ernesto Costa, hoje da U. Coimbra (já agora, seria também professor da U. de Coimbra enquanto reitor da UnI? Quem pergunta não ofende).

Se isto é verdade, descredibiliza todos os intervenientes. Uso o termo no sentido amplo de "permitir juízo de leviandade ou de falta de seriedade", "impedir a assumpção automática da confiança nas afirmações".

Se isto é verdade, descredibiliza a UnI e Luís Arouca (que já nem precisavam de mais este elemento). Ao fim de semanas de folhetim, só agora LA confirma que não era reitor e até refere o nome dos seus antecessores imediatos, incluindo, espantoso!, um de quem já não recorda o nome.

Se isto é verdade, descredibiliza o então Ministério da Educação e o actual MCTES que, pelos vistos, nunca se lembraram de ir ver quem era então o reitor. Ou não têm esse dado? Até há pessoas no actual MCTES com longo e profundo conhecimento do ensino superior.

Se isto é verdade, descredibiliza Sócrates. É evidente que ele julgava até hoje que o reitor era Luís Arouca, senão, obviamente, ter-se-ia servido de erro tão clamoroso do Público. Mas então, pergunta-se: alguma ligeireza que parece haver na atitude de Sócrates como estudante foi ao ponto de desconhecer quem era o reitor da sua universidade? Que estudante era esse, mesmo descontando que em regime pós-laboral? É o tal exemplo para todos os estudantes, como referiu o seu ministro? E mais: era já um politico, actividade em que a gestão dos conhecimentos, a memória dos nomes e das situações pessoais é muito importante.

Se isto é verdade, descredibiliza o Público. Como ter confiança numa "investigação" jornalística que nunca detectou este erro, coisa tanto mais grave quanto o "facto" de Arouca ser reitor é usado como argumento, por exemplo em relação ao facto de também ter sido professor de Inglês técnico de Sócrates ou de o poder ter favorecido, considerando alegadas relações de amizade, segundo o fax? Algum jornalista, em 2007, perguntou a Arouca se ele era o reitor em 1995-96, ou deu de barato que ser reitor hoje é ter sido sempre reitor? Que confiança pode merecer um trabalho jornalístico em que o verdadeiro reitor nunca foi ouvido?

Por tudo isto, considero esta minha entrada com reservas, tão estranho me parece este caso. Escrevi sempre "se isto é verdade", mas é figura de estilo, porque as declarações confirmatórias são inequívocas: do então reitor, do seu vice-reitor e até de Arouca. Não garanto que não volte a escrever sobre o caso Sócrates, mas vou tentar evitar. Já é lama a mais para estar a sujar as mãos. Também, digo com pesar de quem tem o meu conhecido entusiasmo pela educação superior, tudo isto é uma enorme bandalheira, vai-lhe causar tais estragos que temo que muitos justos venham ainda a pagar pelo pecador.

13 abril, 2007

O caso Sócrates (III)

O Público insiste, hoje. Também eu, tanto mais que estou agora mais à vontade, depois da minha última entrada ter esclarecido, ao que julgo, que isto, da minha parte, é apenas questão de crítica a jornalismo reles, esteja envolvido o primeiro ministro ou o meu vizinho motorista.

1. "Professor da UnI já tinha dado aulas a Sócrates"

É verdade, no ISEL. Foi confirmado pelo gabinete do PM (que bem podia estar ocupado com outras coisas). Sócrates disse-o claramente, na entrevista: "Conheci António José Morais quando ele foi meu professor" - não especificando onde (confirma o Público). Então onde está a notícia, o que justifica escrita de quase 3000 caracteres (metade do máximo de quem quer escrever um artigo de opinião)?

É que lá vem a seguir, como se fosse novidade, a lista das nomeações e exonerações do Prof. Morais. Merece "nova" notícia? Eu seria supinamente idiota se rejeitasse a ideia de que, em governos de partidos clientelares, há muta nomeação sem lisura e sem isenção ou critérios estritos de competência. Mas, para escrever um nome que seja, terei de estar em condições de, pelo menos, apresentar argumentos bem sólidos. Senão, estou a fazer insinuações. É o que a "notícia" faz.

2. O mimo, hoje, é uma caixa, com o título "Análise: o que ficou e não ficou esclarecido na entrevista de Sócrates". Vou tentar resumir, fielmente.

a) O momento para falar. Sócrates: "Nas últimas semanas decorria um processo de inspecção à UnI. (...) E eu achei que não devia de nenhuma forma condicionar nem o trabalho da Inspecção nem a decisão do Governo com alguma declaração sobre o meu caso pessoal".
Público: "(...) O despacho que determina o encerramento da instituição, conhecido na passada segunda-feira, é provisório e a UnI tem dez dias úteis, a contar dessa data, para fazer o contraditório. Só depois será proferida a decisão final. (...)"
Eu: Espantoso, o preciosismo jurídico do Público, recorrendo ao código de procedimento administrativo, como se a decisão política não estivesse já tomada e amplamente anunciada.

b) A candidatura fora do prazo. Sócrates: "O procedimento que a UnI teve para comigo é exactamente o mesmo que teve para todos. (...) Tenho estas cadeiras do ISEL mas não posso apresentá-las pela razão de que os professores ainda não lançaram as notas, não tenho ainda o certificado do ISEL. (...) Calculo eu que seja este o procedimento comum".
Público: "(...) O primeiro-ministro assumiu, assim, como normal uma clara infracção à lei (...)".
Eu: É bem sabido que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, mas é legítimo exigir-se, em termos de responsabilidade moral, que um estudante conheça toda a legislação universitária, mesmo sendo deputado? E repare-se numa coisa que, a meu ver, é malandrice. É certo que foi Sócrates/PM que o relatou, na entrevista, mas quem o praticou foi um então Sócrates/deputado. Este desfasamento temporal não é inocente. Em toda a extensa caixa, refere-se sempre José Sócrates. Este é o único caso em que ele é referido como PM. Detesto que me julguem parvo.

c) A escolha da UnI. Neste aspecto, concordo com o Público e já o escrevi repetidamente. Há escolhas para a vida que vão contra o reconhecido faro politico. As razões de Sócrates são esfarrapadas, mas também é verdade que são estritamente do seu foro privado e o Público nem uma palavra devia escrever. Senão, tenho o direito de perguntar por que universidades se formaram todos os jornalistas do Público (e que belos cursos de comunicação social iriam aparecer).

d) O fax. Sócrates: "Foi mandado em Novembro de 1996. (...) E mandei as duas leis, fundamentalmente a de 95 como digo no fax, em que é referido a expressa incompatibilidade de funções entre membros do Governo e qualquer actividade regular de dar aulas. "
Público: "Sobra a questão de saber por que razão está um fax relativo a um convite pessoal no seu dossier de aluno. E por que razão está a folha de rosto do fax e não os decretos que Sócrates afirma serem sobre a incompatibilidade entre as funções de Governo e a docência?"
Eu: Sobra a questão... Já é estupidez, mais do que casmurrice arrogante. Não há nenhum fax mal arquivado na redacção do Público? Apostam? E se recebem documentos importantes é para serem estudados ou para irem logo para arquivo com a folha de rosto do fax? Repito: isto começa a ser grave, a forma como o Público está a ofender a inteligência dos leitores. E repito também: escreveria exactamente o mesmo em relação a um caso que envolvesse o dono do meu quiosque de jornal, onde até agora comprava o Público.

e) Luís Arouca. Sócrates: "Quem me deu a cadeira de Inglês Técnico foi o reitor da universidade. Reitor que eu só conheci durante a minha frequência na universidade. Eu não o conhecia antes".
Público: "José Sócrates nunca se tinha cruzado com Luís Arouca, mas despedia-se dele por "seu José Sócrates".
Eu: Esta é o máximo. Como se viu no ponto anterior, o Público reconhece que o fax é posterior à licenciatura e, por isso, estranha que esteja no dossier de aluno. Mas agora vem argumentar que o aluno (!) que não conhecia antes esse professor se despedia dele, um ano depois (!), com um tratamento amigável. Sem comentários.

f) Propinas. Sócrates: "Uma outra insinuação é a de que eu teria sido de tal forma privilegiado ou favorecido na UnI que se calhar nem propinas paguei. Fui procurar os papéis. Já lá vão 11 anos. Estão aqui os recibos, que constavam no IRS".
Público: "(...) E como explica que a prova do pagamento de propinas, normalmente constante do dossier dos alunos, não estivesse disponível para consulta na UnI? (...)
Eu: Outra vez. Mas é Sócrates que tem de falar pela UnI e explicar as suas irregularidades? E até fico espantado, porque se me pedirem recibos de há 11 anos, também digo que "já foram para o maneta". Ao fim de 5 anos, os outros é que têm de provar que eu não paguei.

O caso Sócrates (II)

Ainda hoje tenciono escrever mais alguma coisa substancial, mas, por agora, fico-me por uma nota marginal mas significativa. Começo por comentar uma mensagem de um amigo. "Este processo é importante que decorra e mesmo vá mais longe, de outro modo a democracia não existiria de todo. Eu pelo menos passei a saber um pouco mais do que se passa com essas universidades/empresas e das suas ligações com os políticos. Pode ser que o Sócrates (...) não seja o mais sujo mas também se banhou nessas águas poluídas".

Inteiramente de acordo, e muito relevante como pretexto para esclarecer bem a minha posição. O que eu escrevi não é nada uma defesa de Sócrates. Nem sequer estou em posição de o defender, se é que o quisesse fazer, por não ter conhecimento de todos os factos importantes e do seu contexto. Para que fique bem claro, até o critiquei, pela leviandade (admito que o termo seja excessivo, mas é o que me ocorre) das suas escolhas académicas.

Para não haver dúvidas, até me sirvo da minha concordância com o que escreve no público de hoje Vasco Pulido Valente, um comentarista que nem é do meu agrado geral: "Sócrates, como é natural, tentou arranjar uma licenciatura para o que desse e viesse. Não o preocupou muito (e porque haveria de o preocupar?) se o ISEL e a Universidade Independente lhe dariam uma péssima ou excelente formação profissional. Para o que ele queria da vida, só interessava o papel. (…) Para um estranho à academia, coleccionar 55 cadeiras presumivelmente basta. Mas 55 cadeiras são 55 cadeiras. Não são um curso (no sentido literal de "caminho") que gradualmente transmite um método e treina uma cabeça. (…) Só é possível, e além disso indispensável, deixar claro, cristalinamente claro, que nenhum estudante deve em circunstância alguma seguir o exemplo dele: um exemplo que, segundo Sócrates, revela "nobreza de carácter" e que anteontem ofereceu com "orgulho" aos portugueses. Ninguém que pretende genuinamente aprender anda a saltar de escola em escola, ou escolhe uma universidade porque "é mais perto", ou pede equivalências sob palavra, ou aceita o mesmo professor no mesmo ano para quatro cadeiras, ou se importa em especial com títulos. Sócrates simboliza tudo o que está errado no ensino que por aí existe."

O que para mim está em causa, nesta guerra em que me meti, é a enorme importância que dou à comunicação social, o "quarto poder" da democracia. Se exijo que um primeiro ministro seja honesto, que não minta, nomeadamente sobre as suas habilitações, também exijo que um jornalista e o seu editor e o seu director sejam recrutados sem haver razão para nos estamparem diariamente com a sua ignorância e com a sua mediocridade intelectual, que sejam isentos e honestos. São guardas da democracia, mas "quis custodiat custodes?" (quem guarda os guardas?).

Nota – Diz-me o meu amigo que ficou a saber mais sobre as relações entre universidades privadas e políticos. Recomendo-lhe o estudo de um caso muito interessante, o da inefável Universidade Atlântica, que não obedece ao mínimo das regras mas que se mantém incólume. É um bom exemplo de bloco central. Até há uns anos, o presidente da sua entidade proprietária era Marques Mendes, sucedeu-lhe Torres Pereira. Veja-se a lista dos accionistas, que está no "site".

O caso Sócrates

Tenho-o seguido com sentimentos mistos. Desgosto com o meu jornal-namorada de sempre, deveres de honestidade intelectual e repulsa pela condescendência dos governos em relação às universidades privadas. Sou professor de uma e repugna-me que ela possa ser atingida pelos ecos das vergonhas alheias.

Escrevi um artigo para o Público. Não vai ser publicado, é muito longo. Mas não os deixo refastelarem-se na desculpa formal, escrevi esta carta ao director.
Sr. Director,

Sou leitor do Público desde o primeiro número. É com o pesar de romper um velho afecto que lhe escrevo esta carta, sobre o comportamento indigno que o Público tem tido em relação ao caso Sócrates.

Envio-lhe em anexo um artigo para publicação. Certamente recusará, com a justificação, que não contesto, de ser demasiadamente extenso. No entanto, nada impede a publicação desta carta, que anuncia que o artigo pode ser lido em http://jvcosta.planetaclix.pt/caso_socrates.doc.

Para localizar os leitores, transcrevo apenas os parágrafos iniciais.

"Declaração de interesses: nunca encontrei pessoalmente o Engº Sócrates, não sou filiado no PS, nem sequer seu eleitor obrigatório, não ocupo nenhum cargo de nomeação governamental. A minha última relação com o PS, muito activa mas já distante, foi nos Estados Gerais e não me lembro de encontrar Sócrates.

Um jornal também é dos seus leitores e há ocasiões em que o protesto de um leitor merece ampla difusão entre todos os demais, por via de artigo de opinião e não de simples carta ao director. Se os fazedores do jornal não o permitirem, arriscam-se a um juízo de falta de coragem. Esta é uma de tais ocasiões, porque eu e certamente muitos mais nunca esperaram ver o Público como exemplo de jornalismo tabloide. Neste caso, não estou a defender Sócrates, estou apenas a querer ficar bem com a minha honestidade intelectual. Escrevo este artigo pensando que é um dever de professor, de intelectual, de cientista. Escrevo-o enojado com a ideia de que isto ainda é uma corja, à Eça.

Com a entrevista de Sócrates de 11 de Abril, na RTP, o jornal teve uma boa oportunidade para sair airosamente do atoleiro em que se meteu. Não o fez e, pelo contrário, refinou na ronquidão acaciana, no dia seguinte. Já se chegou a um ponto em que não há margem para benevolência: ou tudo é completa burrice ou completa desonestidade intelectual."

Vai a seguir o artigo completo, para quem preferir ler online.

JÁ CHEGA!

João Vasconcelos Costa *
Declaração de interesses: nunca encontrei pessoalmente o Engº Sócrates, não sou filiado no PS, nem sequer seu eleitor obrigatório, não ocupo nenhum cargo de nomeação governamental. A minha última relação com o PS, muito activa mas já distante, foi nos Estados Gerais e não me lembro de encontrar Sócrates.
Um jornal também é dos seus leitores e há ocasiões em que o protesto de um leitor merece ampla difusão entre todos os demais, por via de artigo de opinião e não de simples carta ao director. Se os fazedores do jornal não o permitirem, arriscam-se a um juízo de falta de coragem. Esta é uma de tais ocasiões, porque eu e certamente muitos mais nunca esperaram ver o Público como exemplo de jornalismo tabloide. Neste caso, não estou a defender Sócrates, estou apenas a querer ficar bem com a minha honestidade intelectual. Escrevo este artigo pensando que é um dever de professor, de intelectual, de cientista. Escrevo-o enojado com a ideia de que isto ainda é uma corja, à Eça.

Com a entrevista de Sócrates de 11 de Abril, na RTP, o jornal teve uma boa oportunidade para sair airosamente do atoleiro em que se meteu. Não o fez e, pelo contrário, refinou na ronquidão acaciana, no dia seguinte. Já se chegou a um ponto em que não há margem para benevolência: ou tudo é completa burrice ou completa desonestidade intelectual. Seja como for, a direcção e os jornalistas envolvidos devem imaginar o que me disse há dias uma pessoa dita culta e responsável – "deve" haver aí muita sujeira e o Sócrates tem de se explicar muito bem. "Deve"? Porquê, sem mais argumentos? E a quem cabe o ónus da prova?

Há prova de alguma coisa? A meu ver, melhor conhecedor da realidade universitária do que os jornalistas envolvidos, há muitas irregularidades de funcionamento da UnI, mas ainda não vi um único facto substancial que me faça pôr em questão uma coisa essencial, a honorabilidade da pessoa que está a ser atacada. Vamos por partes.

No "sobe e desce" de 12.4, escreve o Público que "subsistem as mesmas dúvidas deste caso, que opõe factos desencontrados à palavra de Sócrates". Esta frase é eticamente abjecta. Factos desencontrados, nem sequer suspeitas fundamentadas ou provas definitivas, podem ser contrapostos à palavra de alguém? Parece que cada um dá à palavra o sentido de honra que cada um tem.

1. As razões de Sócrates. Escolheu tirar um curso de bacharelato, para engenheiro técnico. Até tinha condições familiares para se dar ao luxo de um curso universitário, mais prolongado, também em Coimbra, mas a escolha foi sua e é de foro estritamente pessoal. Porque prosseguiu depois os estudos? Desejo de valorização cultural? Garantia para a incerteza da vida de politico? Mais valia para a sua carreira política? A quem é que interessa isto (a não ser, marginalmente e não como questão individual, o papel social dos títulos académicos)? Uma jornalista que coloca esta questão de foro privado não sente vergonha?

2. O título. É questão menor mas que chamo logo a cabeça, pelo seu significado de ou má fé ou estupidez. Sócrates é engenheiro? Claro que é e não é. Não é, no sentido de profissional liberal, inscrito na Ordem. Mas, assim, eu vou protestar sempre que ler que o director de um conhecido jornal é arquitecto. É claro que Sócrates, por outro lado, é engenheiro, desde que se esteja só a falar de um tratamento social, da mesma forma que o director do Público é tratado por dr., sendo apenas licenciado em biologia. Também Marques Mendes, que protesta contra o tratamento de engenheiro, ficará ofendido se não for dr., tal como muitos mais, com a diferença de que muitos desses mais são doutores e não licenciados.

Honra se faça ao PCP, o único partido que se afastou desta mediocridade de discussão (nem o BE resistiu!). Bem me admiraria que fizesse diferentemente o partido que, certamente com muita honra, é dirigido pelo sr. Jerónimo de Sousa.

3. O currículo parlamentar. Afinal, são duas versões (original e cópia) de um mesmo documento, com uma correcção pela própria mão de Sócrates, em data indeterminada. É ele próprio que corrige engenharia civil, como habilitação, para bach. em engenharia civil. Porque o fez? Chamaram-lhe a atenção para o erro, foi ele que se lembrou? O que me importaria era se ele não tivesse emendado. Mas fazer disto meia página de jornal, é estranho.

E é caso único? Marques Mendes aparece como advogado na sua biografia parlamentar. Vou à Ordem, na net, e não está inscrito. Na biografia de Mota Amaral, na página da AR, diz-se que é advogado. Pode ser erro meu, mas também o sítio da Ordem na Internet não o identifica. Diz também que é doutorado pela U. Açores. É meia verdade, é doutor "honoris causa", por ter sido presidente do GRA, nunca escreveu uma tese ou prestou provas. Nunca vi antes um currículo em que um HC figurasse nas habilitações, em vez de nos "prémios, condecorações e honras", onde tem cabimento. Algum deles procedeu com dolo e desonestidade? Não acredito, são deslizes ou precipitações.

4. O MBA. Eu podia ainda duvidar da maldade de todo este caso, atribuindo a muita ignorância, se não fosse este caso exemplar. Alguma vez Sócrates se intitulou possuidor de um grau de mestre? E não é de nível de informação básica que, em muitas escolas de gestão, se junta o útil ao agradável, organizando cursos de mestrado em que a parte escolar, do primeiro ano, sem a tese, confere um "MBA", diploma de prestígio e reconhecimento internacional e, como tal, muito pretendido entre nós por gente dos negócios ou da administração? Até eu estou a pensar em fazer um, cá por uns projectos fantasiosos de vida que estou a imaginar.

5. O processo individual. Por tudo o que li, não tenho dúvidas de que é um processo muito mal organizado, com falta de documentos. Vou dar como exemplo o caso das equivalências. Já participei em muitos processos destes, na minha universidade. É todo um dossiê, para cada aluno. Não basta a entrega de um certificado de créditos obtidos, é necessário a descrição dos programas e da organização e formas de avaliação de cada disciplina. Sobre isto, o parecer obrigatório e fundamentado do professor da universidade de acolhimento. Na UnI, nada disto, ou então, como se disse, "ao fim de cinco anos ia tudo para o maneta". Mas é o aluno que tem responsabilidade? Alguma vez um jornalista do Público, enquanto estudante, teve a preocupação de ir à secretaria da sua universidade consultar o seu processo e garantir que tudo estava em ordem?

E o requinte da data de domingo de alguns lançamentos de pauta? Uma nota é lançada depois de o exame corrigido e classificado, não no dia do exame. Se for num domingo, que mal vem disso? Hoje, até lanço as pautas é pela net e não garanto que nunca tenha lançado ao domingo ou a altas horas da noite.

6. O certificado do ISEL. Não há dúvidas de que, formalmente, é o aspecto mais criticável deste processo. Um pedido de equivalências para prosseguimento de estudos deve ir logo acompanhado, como é óbvio, por certificado dos estudos anteriores, sob pena de invalidade do processo, nos termos da lei. Neste aspecto, não há dúvidas, o processo Sócrates é ilegal. Mas é razão para ele ir para o pelourinho?

Sócrates iniciou os seus estudos na UnI em 2005/06, só entregando o certificado do ISEL meses depois. Mas porquê? Não diz o Público e tinha de dizer, honestamente, para não me deixar na incerteza e a todos os leitores. Porque a UnI não o exigiu inicialmente? Porque Sócrates se desleixou? Porque foi o ISEL que se desleixou? Teria sido interessante o Público pedir ao ISEL a data do requerimento em que Sócrates pede o certificado.

O que tudo isto revela, inequivocamente, é a bandalheira do funcionamento da UnI (e, com isto, o pouco sentido politico de Sócrates, ao ficar com a sua carreira ligada a tão triste coisa). Não venha agora o MCTES dizer hipocritamente que durante todos estes anos a UnI foi avaliada. Não é verdade. Foi em relação aos seus cursos, uma única vez, mas, como também se passa com todas as privadas (e públicas), nunca em relação ao seu funcionamento e gestão, o que não é indiferente à qualidade de uma universidade.

7. Os professores. Novamente, é caso triste, sintomático do que é aquela "universidade", mas não vejo em que é que possa ser responsabilidade de Sócrates, a não ser, repito, por ele não ter atentado em como o prestígio ou o desprestígio da nossa formação se cola à pele para toda a vida e exige uma escolha ponderada. Por ficar perto do ISEL? A que propósito, sr. engº, foi a coisa mais esfarrapada que disse na entrevista à RTP? Por funcionar em horário pós-laboral? Voltarei a isto.

Admito que esta história dos professores, quem deu ou não cada disciplina é coisa bem bizarra, sem o ministério saber, coisa também bizarra. Mas que crédito merece essa gente? Um até elogiou Sócrates pelo seu desempenho em disciplinas que nunca cursou, mas é homem hoje na cadeia. Se alguém me lançar uma calúnia, o jornal vai ouvir um preso a meu respeito, sem se precaver com grandes cuidados?

8. Testemunhos. Saíram como tiro pela culatra. Afinal, há colegas que se lembram de Sócrates. No entanto, o Público não se contém e tenta torcer as coisas. É mesmo deontologia rasca. Segundo tais testemunhas, Sócrates chegava aos exames dez minutos atrasado (inegavelmente coisa a criticar, que eu não autorizo), era mandado sentar ao fundo da sala (esta, surrealista, é que não percebo: para não copiar pelos outros? Afinal não o favoreciam em coisa tão banal?) e saía dez minutos mais cedo. Espantoso! Eu tenho alunos que saem meia hora mais cedo, é tudo questão de terem concluído o ponto.

9. Regime pós-laboral. Aqui sim, é o aspecto em que mais posso criticar Sócrates mas, curiosamente, nunca é levantado pelo jornal. Pudera, os jornalistas sabem lá o que é ou deve ser a educação superior. Sócrates fez "Análise de estruturas", "Betão armado e pré-esforçado", "Estruturas especiais", "Projecto e dissertação". Só esta última, se a sério, já exige um contacto muito frequente com o professor. Quanto às outras, embora eu não seja engenheiro, não compreendo como se pode sentir de consciência tranquila, no plano intelectual, um estudante de engenharia civil que não só raramente vai às aulas como não segue um programa intensivo de trabalhos práticos, de exercícios de cálculo. Era como se eu tivesse feito clínica médica em horário pós-laboral, sem nunca ter visto um doente.

10. O fax. Deixo para o fim, porque raia de tal forma o absurdo e o ridículo que permite todas as suspeitas de má intenção. Questão elementar: sempre tive grande curiosidade em saber coisa que o jornal nunca disse, o que eram aqueles decretos que Sócrates enviava. Porque é que o Público nunca divulgou isto? Estou certo de que o ex-reitor se lembraria do que eram os tais decretos. Afinal, os que justificavam que ele não pudesse ser professor, claro que não aluno!

Também a data do fax. Não posso jurar, mas suspeito de grossa aldrabice quanto o jornalista, em 12.4.2007, diz que o fax não está datado, o que teria permitido saber que é posterior à licenciatura. Provavelmente, Sócrates não escreveu a data, mas nunca vi um aparelho de fax que não imprima automaticamente a data e hora. Fui procurar a imagem, mas já não está disponível. Desafio o público a divulgá-la, sem apagar o cabeçalho do fax.

Quanto ao "seu", nem me digno comentar tal rasteirice. Vou passar é a ter cuidado com uma assinatura que uso muito, quase imagem de marca, "cordialmente". Ainda um dia um marido ciumento me põe processo de adultério!

E, mesmo neste caso do fax, o jornalista não resiste a uma ferroada maldosamente estúpida: "José Sócrates não explicou por que razão aquele documento se encontrava apenso no (sic) seu dossier (sic) de aluno da UnI". Esta jóia não vem assinada. Apesar de não desejar mal a ninguém, achava piada a que acontecesse uma coisa bem possível a este jornalista, lembrando-me de uma experiência minha de hoje: encomendou uma colecção de CD, de 100 euros e pagou. A fornecedora diz que, afinal, não tem à venda e vai reembolsar. Manda ordem para o banco, que se engana e apensa a ordem de pagamento no (sic) dossier (sic) do vizinho.

11. Finalmente, o aspecto crucial deste caso de péssimo jornalismo "ad hominem" (e em boa hora?...). Não há uma linha publicada sobre as práticas generalizadas da UnI. Por maiores irregularidades que possa ter havido, não há a mínima substanciação quanto à inevitável suspeita de favorecimento político. Pode tratar-se apenas de bandalheira geral. E valia a pena inquirir um número significativo de alunos, antigos e actuais.

Em conclusão. Detesto a desonestidade. Detesto a arrogância intelectual. Detesto a moleza vertebral perante poderes (este caso, não os poderes políticos). Detesto a estupidez. Mas, acima de tudo, detesto vigorosamente a mistura de tudo isto.

P. S. (11:50) – um comentário de um leitor leva-me a clarificar melhor a minha posição. Este meu artigo não tem nada ver com qualquer atitude minha de desculpabilização de Sócrates. Tudo me faz suspeitar, creio que legitimamente, que houve uma atitude geral de facilitismo por parte da UnI. Coisa muito diferente é eu me permitir suspeitar de que Sócrates foi voluntariamente conivente com isso. Era preciso que a investigação jornalística o tivesse indicado. Não o fez. Ela foi conduzida com incompetência e com falta de seriedade. Foi só sobre isto que pretendi escrever.

11 abril, 2007

Homenagem de ilhéu

Já faz amanhã uma semana, morreu em Cabo Verde o autor da célebre morna "Sôdade", Armando Zeferino Soares. Pela voz de Cesária Évora, vale sempre a pena ouvir.



Cabo Verde diz-me muito. Na universidade, tive bons amigos cabo-verdianos com quem facilmente partilhava o espírito da insulariedade. Somos todos macaronésios.

09 abril, 2007

O Público vai mal

Escrevo isto com pena. Desde o seu primeiro número que é o meu jornal, mas não sei quanto mais tempo vai sê-lo. Erros informativos graves, pontapés na gramática, dislates ortográficos. Pior, um caso grave de plágio, o caso recente de Clara Barata.

Depois outro, indiscutível, de Carlos Pessoa, que, inexplicavelmente, merece do provedor uma atitude muito benevolente, creio que justificável por pouco traquejo informático, não por condescendência com a ética. O que se invoca é o facto de, actualmente, estarmos sempre a recolher informação e a gravá-la no nosso computador, correndo o risco de, mais tarde, julgarmos que é um texto nosso. Se não me engano, foi a desculpa patética invocada há uns anos por Clara Pinto Correia, que por aí anda como nada a tivesse tocado.

É desculpa desavergonhadamente esfarrapada. Eu passo a vida a fazer o mesmo, a guardar informação, mas nunca por nunca me esqueço de encabeçar o texto transcrito pelo título, autor e local de publicação, para além da URL, no caso de um texto publicado na Internet. Mais, até tenho no "browser" um "plugin" que me acrescenta automaticamente essa informação a cada ficheiro que descarrego da net. É muito difícil os jornalistas fazerem o mesmo? Já não se lembram do tempo, que foi também meu, dos álbuns de recortes, onde nunca ninguém se esquecia de registar o nome do jornal e a data do artigo ou da notícia?

A imprensa devia proteger-nos dos abusos do poder, mas, parafraseando uma velha máxima, quem nos protege da incompetência dos protectores?

04 abril, 2007

Aniversário

Vou interromper as prometidas férias. Já me habituei a dizer que nunca digo nunca, porque há sempre valores mais altos que se alevantam. Hoje é a notícia de um aniversário.

São 63 anos, quem diria, só mais um do que os meus, mas muito mais fresquinhos e viçosos (embora mais plásticos). De uma mulher que bem podia ter figurado entre os finalistas do maior português. Muitas beijocas de parabéns, minha querida Lili Caneças.

02 abril, 2007

Férias da Páscoa

Ando por cá, mas tirando uns dias de descanso da escrita. Sabe bem.

01 abril, 2007

O aeroporto de Lisboa

Afinal, imperou o bom senso, a aceitar-se a notícia de hoje, no Público, segundo a qual o governo aceitou a proposta da CML para se manter o aeroporto da Portela, com a contrapartida de a câmara arrasar Camarate, permitindo a expansão da área aeroportuária, a um horizonte de capacidade do aeroporto de 30 anos. O presidente da CML afirmou que já assegurou com o seu colega de Alenquer o plano de transferência desses moradores para a nova cidade da Ota.

P. S. (19:45)- Claro, basta olhar para o calendário: 1 de Abril.