30 novembro, 2007

A mão à palmatória

Ontem critiquei os "flashes" bloguístico. Penitencio-me por hoje fazer isso mesmo.

1. O inefável Alberto João Jardim acusa o Tribunal Constitucional de estar a fazer terrorismo de estado. Nada lhe acontece. O líder da oposição acusa AJJ de fazer terrorismo de estado e a Assembleia regional levanta-lhe a imunidade para ele responder em tribunal em processo de difamação, por queixa de AJJ. Não há mesmo forma de acabar com esta nódoa insular na democracia portuguesa? Os meus bons amigos madeirenses mereciam-no.

2. António Valpaços, estudante da Faculdade de Letras da U. Porto, declara no jornal que "a entrada dos 'privados' [presumo que queira referir-se aos membros externos dos conselhos gerais] nos órgãos de gestão das universidades vai criar escolas de primeira e de segunda". Não entendo patavina desta afirmação, mas o direito à asneira é sagrado e bem divertido. A não ser que ele queira dizer que uma universidade com Artur Santos Silva ou Rui Vilar como presidente é mais de primeira do que uma presidida por Joe Berardo. Mas isto é que é mesmo a lógica do modelo dos conselhos gerais ("boards").

3. Clara Barata, jornalista do Público, ficou tristemente célebre por um caso de plágio. Ao menos, quando plagia, escreve acertadamente. Quando escreve da sua cabecinha, dá asneira. Em notícia sobre trabalhos acerca do plasmódio, o parasita causador da malária, diz que eles são estudados em culturas celulares, em "pratinhos de laboratório". Parti o coco! Imaginei pratinhos de pastelaria, com scones a acompanhar o meu chá. Placas de Petri, ignorante!

29 novembro, 2007

Bloguistas ou jornalistas?

Desde há tempos, o Público, no caderno P2, insere uma amostra de coisas publicadas em blogues. Como regra, escolhe entradas sobre o tema do momento. Creio que isto pode contribuir para o agravamento de uma tendência imediatista de muitos blogues, principalmente os mais orientados para o comentário político.

Nunca poderei ser citado nessa secção do jornal, por variadas e certamente justíssimas razões, mas principalmente porque evito escrever sob a pressão do acontecimento, gosto de ter um mínimo de reflexão. Muitos blogues estão a fazer jornalismo, mas mau jornalismo. O jornalista reage ao acontecimento, mas é profissional, dispõe de um dia inteiro para escrever. O bloguista não, escreve com ligeireza, entre o trabalho e o sono, dá asneira. Bom exemplo foi a célebre “pata na poça” de Miguel Portas sobre a acção vândala do Verde Eufémia.

Outra consequência é a redução da extensão e profundidade de análise de algumas entradas em blogues consagrados, agora limitadas a um curto parágrafo, quase um “sound bite”. Por tudo isto, cada vez mais limito a minha lista de leituras diárias obrigatórias a blogues temáticos. Para notícias, tenho a comunicação social.

27 novembro, 2007

Propúblico

Este blogue já conta com cinco notas "contrapúblico". Mas é bom elogiar o que muitas vezes nos dá razão para crítica. O Público, hoje, não faz nada de muito especial, mas destaca-se do resto da imprensa. No dia da conferência de Annapolis, dá uma página inteira, meia por meia, ao embaixador de Israel, Aaron Ram e à delegada geral palestiniana, Randa Nabulsi.

Por tendência natural, sou um optimista, embora isto já me tenha causado muitas frustrações. Apesar da prudência dos articulistas (por exemplo, Ram não se compromete mais do que com a esperança de um simples retomar do roteiro de paz), ambos os artigos me suscitam motivos de esperança, não só pelas intenções expressas mas principalmente por alguns sinais significativos. Da parte de Ram, destaco a distinção clara que faz entre a Cisjordânia e Gaza, entre a Autoridade Palestiniana de Abbas e o Hamas, que vai estar à margem de Annapolis. Ram não faz uma única acusação à Autoridade, desviando todo o fogo para o Hamas.

Por seu lado, Nabulsi evoca repetidamente o roteiro, compromete-se com a importância do papel do "quarteto" e tem a atitude expressa de um elogio claro à dupla Rabin-Arafat, responsável pelo que ela chama de "a paz dos bravos". Significativamente, refere que se coloca no campo do que chama os "palestinianos moderados".

A conclusão de ambos os artigos é significativa, embora me possam acusar de ingenuidade perante possível hipocrisia. Um dos artigos termina com "espera que todas as partes envolvidas aproveitem esta oportunidade e façam os possíveis para abrir caminho para a paz". O outro conclui "é tempo de se alcançar uma paz justa e duradoura na nossa tão sofrida região". Quem escreve uma e quem escreve a outra?

NOTA - Em contraste, no mesmo jornal, Rui Tavares escreve que "Annapolis é simplesmente uma coisa que tem de se fazer porque se disse que se ia fazer". Espero que esteja enganado.

Sem papas na língua (III)

Referi-me a duas afirmações polémicas de António Nóvoa, uma das quais já comentei. A outra comento hoje. "Queremos também ir além da letra da lei [sublinhado de AN] no que diz respeito ao reordenamento da rede do ensino superior em Lisboa, juntando-nos com outras escolas no sentido de agregar esforços, construindo um espaço institucional coerente, universitário e politécnico."

Essa coerência, ou talvez melhor abrangência, faz sentido, tanto quanto julgo perceber a ideia de AN. Para além de uma integração do ISCTE, que me parece evidente, até pela localização e pela coincidência de pessoas no Instituto de Ciências Sociais, a aglutinação com o IPL traria a área das engenharias, a comunicação social, a gestão e contabilidade e, talvez com o reequacionamento das ciências da educação na UL, também a formação de professores.

No entanto, AN tem razão ao escrever que isto é ir além da letra da lei. O RJIES consagra o já tradicional carácter rígido do nosso sistema binário, com distinção radical entre universidades e institutos politécnicos. Exceptua-se o caso das escolas politécnicas das universidades de Aveiro e do Algarve, bem como mais recentemente, a inclusão nas universidades das escolas de enfermagem de Évora e das ilhas. Isto não impede que tenham sido aprovados cursos expressamente declarados como de ensino politécnico na U. dos Açores, mas sem criação de uma estrutura correspondente.

Este caso, aliás, é apenas um exemplo de muitos, de cursos marcadamente politécnicos ministrados por universidades e de cursos de natureza mais científica oferecidos por institutos politécnicos. Fala-se muito de "deriva académica" dos politécnicos, mas também há "deriva tecnológica" nas universidades. Muito mais importante do que distinguir institucionalmente os dois tipos de ensino parece-me ser distinguir por natureza os diversos cursos e organizá-los especificamente, eventualmente com grande flexibilidade institucional.

O que, a meu ver, é essencial é que cada um dos ensinos se enquadre num meio cultural próprio, o que inclui a mentalidade, experiência e carreira dos docentes, a cultura científica versus inovação com sentido económico, o tipo de relações com a sociedade. Sem querer prejudicar a sempre desejável colaboração, julgo que esta distinção, com reflexos estatutários e de prática de governação, deve ser muito clara a nível de faculdade (universitária) e de escola (politécnica), mas é-me relativamente indiferente - ou melhor, objecto de reflexão casuística - a distinção a nível de cúpula institucional.

Lembremo-nos do exemplo espanhol, sempre apontado como um anacronismo europeu de sistema unitário. Só é verdade formalmente, porque na Espanha só há universidades. Simplesmente estude-se bem a lei e a organização prática das universidades e veja-se como é clara a situação das "Escuelas técnicas superiores" integradas nas universidades. É uma situação mais clara e bem definida do que o retrocesso inglês da transformação de tudo em universidades. E, como bem se sabe, esta modalidade à inglesa não é hipótese a afastar liminarmente em Portugal, tantas são as pressões.

26 novembro, 2007

Contrapúblico (V)

O título é enganador. Desta vez, não vou apontar nenhum erro do jornal, mas creio que o título é simbólico. Nos últimos tempos, troquei alguma correspondência com Rui Araújo, provedor do Público e ganhei grande consideração por ele. Não teve tarefa fácil, tantas foram as queixas a que teve de atender, sempre solícito, acutilante mas com objectividade e imparcialidade. Chegou a defrontar-se com uma questão muito grave e delicada, um caso de plágio.

Foi com pena que li ontem a sua última crónica. Dela extraio, como homenagem e sinal de reconhecimento pelo que RA me aturou, este trecho que bem merece reflexão.

"(...) Tenho consciência de que o jornalismo não é uma ciência exacta e um jornal não é uma enciclopédia. Também eu, muitas vezes, fui vítima da pressão do tempo, da compressão do espaço, do cansaço, do humano cansaço. São factores que não justificam as falhas, mas permitem explicá-las. E se assim era no meu tempo de jovem repórter, pior é ainda hoje, porque maiores são os constrangimentos e as ameaças: a competição desenfreada, o desemprego, a contenção de custos e o impacto das novas tecnologias. O sistema pressiona o jornalista, esmaga o jornalismo. A informação era um serviço. Passou a ser mais uma mercadoria, é promovida como tal. Os cidadãos ficaram reduzidos a meros consumidores. A opção lógica é, portanto, dar-lhes o que querem, já que o freguês tem sempre razão. O infotainment alastrou, invadiu as páginas dos jornais. É provável que a confusão de géneros acabe por fomentar a apatia. É uma perspectiva preocupante, porquanto a democracia não depende só da eficácia das instituições e do desenvolvimento tecnológico, mas também e sobretudo dos cidadãos. E a informação é vital. É por isso que os jornalistas não podem ser acríticos, inofensivos, irresponsáveis e objectivos."

25 novembro, 2007

Conversa de baias: Andaduras, embocaduras, comportamento animal e…

Não há nada melhor para diversificarmos o nosso conhecimento, do que não fazermos absolutamente nada. Digo-vos isto porque, hoje, por exemplo, decidi-me a tirar uma folga bastante folgada, para me sentar num toco de árvore, com o único objectivo de proceder a uma contagem precisa da queda outonal das folhas de um choupalzito de médio porte, perto do lugar onde vivo.
Estava eu absorvida e distraída nessa indispensável inventariação, quando se aproximaram 3 animadas pessoas - equipadas de pingalins, e envergando o que me pareceram trajes de cavaleiro a rigor - avançando em passo muito lento, trazendo a reboque cavalicoques puxados por arreatas, e que resolveram parar perto de mim, enquanto embebidos numa animadíssima cavaqueira - não fosse o vernáculo pontual, pelo vocabulário usavam, nem me parecia que falassem Português, tantos eram os termos técnicos incluídos na conversa, por isso, o meu entendimento, sobre o que possam ter dito, foi deduzido do sentido geral do pouco que me apercebi -o tema em discussão era: as vantagens e inconvenientes do uso de freios para controlo e disciplina dos quadrúpedes; uma das pessoas defendia que se obtinham muito melhores resultados com assobios e estalidos de dedos...
Cresci a ouvir dizer que quem controla o freio controla o cavalo todo mas, afinal, parece que as coisas não funcionam bem assim, antes pelo contrário, o medo, a dor e a expectativa de sérias dificuldades respiratórias, provocados por um freio, podem suscitar comportamentos muito negativos nos cavalos, impedindo que se estabeleça a harmonia e cumplicidade desejáveis, entre cavaleiro e montada.
Foi assim, que me percebi da extensão e significados de expressões, tais como, "tomar freio nos dentes", "raspar os dentes", e "estrela, beta, sete assobios e pé calçado"!
Fiquei a pensar se os comportamentos negativos dos muares, em resposta a agressões externas, não serão generalizáveis a comportamentos básicos humanos, em legítima defesa.
Como, para cavalos já há pelo menos um invento com registo de patente, que dispensa os transtornos dos freios, resta-nos desenvolver uma "device" semelhante para proteger os humanos, que sejam sujeitos a freios desnecessários.
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http://www.patentstorm.us/patents/6591589-fulltext.htmlhttp://www.bitlessbridle.com/dbID/286.html

Toponímia

Num artigo de jornal que assinala os 200 anos da paragem forçada de Junot em Constância, aprendo quer, naquele tempo, a vila se chamava Punhete. Raio de nome, principalmente quando nos lembramos de tanta gente, como Eanes, bem conhecida por pronunciar assim, como e mudo, o a mudo final. Acho muito bem que os habitantes tenham exigido a mudança de nome, como fizeram os de Barrelas, hoje Vila Nova de Paiva ou, com muito mais razão, os da Porcalhota, agora Amadora. Imaginem que a minha cidade natal se chamava Pinta Delgada? (esta vai para quem conhece o calão micaelense).

23 novembro, 2007

Nota gastronómica (XLI)

Empada de galinha com raízes morgadas da Praia da Vitória

Esta receita é uma improbabilidade, resultou de um momento na minha cozinha. Apeteceu-me fazer uma das especialidades de família, a galinha de molho de perdiz ("O gosto de bem comer", pág. 281). E um exemplo do que eu chamei "cozinha morgada", uma cozinha aristocrática de ilhas longínquas levada por fidalgotes que iam uma vez por ano beber a civilização nos hotéis lisboetas, cozinha francesa incluída. No regresso, "au bonheur des dames", receitas misturadas com sedas, veludos, chapéus e rendas. E os criados em fila, no Cabo da Praia, a acenar boas vindas ao patrão João Diniz, a fumar o seu charuto no deck do vapor, requinte da modernidade, só uma semana de Lisboa à Terceira.

Volto à minha cozinha que não tem nada de grandezas, que se foram com anéis e, "c'est la vie", se calhar também com dedos. A galinha coze um pouco num bom caldo de galinha, preparado antecipadamente com outra galinha. Depois vai a assar e do molho do assado só se aproveita parte. Que desperdício! Resultado: fiquei com uns bons nacos de galinha da canja, miúdos, canja, molho de assar. Com isto e mais alguma coisa, resultou uma boa empada, com a massa quebrada também da tradição familiar.
1/2 galinha com miúdos, cozida, 2 dl da canja respectiva, 3 c. sopa de gordura de assar bem outra galinha, 200 g de cogumelos (boletos, mas se não houver, paciência), 2 c. sopa de manteiga, 4 c. sopa cheias de farinha, 1 dl de vinho da Madeira ou verdelho açoriano, 2 c. sopa de nata, 2 gemas, 3 grãos de pimenta da Jamaica, noz moscada, sumo de limão.
Massa. 250 g de farinha, 60 g de manteiga (4 c. sopa), 60 g de banha, 1 c. sobremesa de açúcar, 1 c. café rasa de sal (a gosto), 2 ovos.

Cortar em cubos pequenos os restos de carne de galinha e de miúdos da canja, excepto um fígado. Cortar os cogumelos às lascas grossas e alourar na manteiga, em lume médio, regando com um pouco de sumo de limão e mexendo sempre.

Derreter o resto da gordura de assar a outra galinha, para a preparação de molho de perdiz e voltear bem com a farinha, mexendo sempre, para roux. Entretanto, aquecer a canja. Depois de arrefecido o roux, juntar o caldo e a gordura dos cogumelos e misturar muito bem. Juntar as gemas, as natas e os temperos, com um fígado esmagado. Levar outra vez ao lume, baixo, mexendo, até fervilhar, mantendo durante dois minutos. Juntar as carnes e os cogumelos e dar algumas voltas, durante meio minuto. Reservar.

Juntar os ingredientes da massa e amassar bem. Formar uma bola e deixar descansar, pelo menos 1 hora. Espalmar bem fino (cerca de 2 mm) sobre farinha, com rolo bem polvilhado com farinha. Forrar uma forma untada, rechear e cobrir com uma tampa de massa, deixando uns furos para respirar. Levar ao forno, a 200º, preaquecido. Fica mais bonito à vista, embora não seja indispensável, pincelar a tampa da empada com gema de ovo.

Servir só com uma coroa de alface ripada, temperada com flor de sal e um ligeiro fio de azeite virgem extra e umas gotas, só mesmo umas gotas, de vinagre balsâmico. Podem não gostar de um extra mas eu sou grande apreciador e acrescento umas boas azeitonas pretas curtidas com alho e orégãos.

22 novembro, 2007

Falácias orçamentais

A nota anterior suscitou-me uma outra, sobre uma estafada afirmação do discurso "politiquês". Muita vez o diz o nosso MCTES: "As universidades devem competir para, com receitas próprias, completarem o orçamento de Estado". Parece atraente, está na moda, mas é disparate.

Como exemplifiquei, a asfixia orçamental actual refere-se em boa parte a despesas de pessoal. Por arrasto, e até porque são menos prementes, ficam por pagar os encargos de funcionamento. Podem ser compensadas com receitas próprias? O que são essas receitas próprias? Essencialmente, de dois tipos: propinas; e projectos de investigação ou contratos de prestação de serviços.

As universidades não têm meios para aumentar as receitas de propinas, porque elas são fixadas centralmente e porque a seu montante global depende do acesso, também regulado centralmente. aliás, há uma relação muito rígida entre orçamento de Estado e receita global de propinas, porque ambas estão indexadas ao número de estudantes. Quanto à possibilidade de as receitas de projectos pagarem vencimentos e electricidade, o ministro deve estar a brincar. São receitas consignadas. Que uma universidade se atreva a usá-las para outros fins e seca para sempre a torneira de Bruxelas.

21 novembro, 2007

Sem papas na língua (II)

Prometi que voltaria ao discurso de António Nóvoa, reitor da U. Lisboa, e em particular a duas suas afirmações polémicas. Começo por uma que deu maior brado: "O governo transfere anualmente para universidades norte-americanas, ao abrigo de acordos interessantes mas com contrapartidas reduzidas, verbas superiores às que transfere para algumas universidades portuguesas". À primeira vista, sou tentado a apoiar esta afirmação, mas admito que ela talvez tenha sido um pouco precipitada (mas até o Papa, lembram-se?).

AN talvez não tenha previsto que boa parte das críticas que esta afirmação suscitou são de difícil resposta. Não se baseiam em factos e números, são evidentemente desabafos ou pressões por tabela dos pequenos interessados deste país pequeno nas pequenas benesses dos tais acordos internacionais. Contra críticas dessas não há argumentos. Por outro lado, creio que ainda é cedo para se fazer um balanço objectivo dos custos-benefícios do chamado programa MIT. Desde já, parece-me que alguns indicadores são preocupantes. Há dias, li num jornal a notícia dos primeiros mestrandos e doutorandos inscritos no programa. Lamento não ter guardado o recorte e não poder citar exactamente o número, mas lembro-me de que era risível.

De qualquer forma, parece-me que o mais importante que AN quis dizer foi que há universidades portuguesas em estado de coma financeiro, com ou sem programa MIT. Muito poderia referir, mas, para não maçar o leitor, aqui ficam apenas alguns dados exemplares. Ainda falta um mês para o fim do ano e o pagamento de ainda outro mês de salários, o subsídio de Natal. No entanto, quatro universidades, Açores, Évora, Algarve e Trás-os-Montes, não têm verbas para essas despesas de pessoal, mesmo que deixem por pagar água, electricidade, telefones e tudo o mais.

É certo que este colapso financeiro pode ser mitigado pelos previstos contratos de saneamento financeiro, mas isto é abrir a porta a um financiamento discricionário, que não é nenhuma de duas modalidades aceitáveis de financiamento. Não é um financiamento objectivo por fórmula (contra o qual muito tenho escrito) nem é um financiamento valorativo e programático (que defendo).

Repare-se que não são quaisquer universidades. Uma é um instrumento decisivo do desenvolvimento de uma região muito especial, insular. Outra é a única universidade interior de uma populosa região, do Norte. As outras são as duas únicas universidades de todo o vasto território a sul do Tejo.

Pior é que, para 2008, os orçamentos previstos para oito das catorze universidades públicas portuguesas não cobrem sequer as despesas de pessoal. Novamente, para além de outras, são aquelas universidades as que continuam a ficar em situação muito problemática. No caso mais grave, dos Açores, o orçamento total só cobre 92% das despesas salariais.

Este quadro não admira, quando se vê que a dotação para 2008 aumenta apenas, nominalmente, de 0,68%. Não sei qual é a previsão da inflação, mas pode-se ter uma ideia pela proposta governamental de aumentar os salários da função pública em 2,1%. Se for assim, as universidades e politécnicos vão ter uma descida real de 1%.

Nota final - Chamo a atenção para que a afirmação de AN tem vindo normalmente truncada do que afirmou em sequência e que merecia boa reflexão: "Desenganem-se todos aqueles que acreditam ser possível plantar duas ou três escolas de excelência num terreno institucional degradado. A excelência não nasce por escolha nem por decreto, mas por boa sementeira em terreno fértil."

20 novembro, 2007

Ainda o rei e Chávez

Gosto de escrever quando a poeira já está a assentar, como acontece com o caso do "por qué no te callas?". Juan Carlos mostrou-se um rei arrogante, herdeiro de uma mentalidade colonial e imperialista? Ou fez o mínimo para simbolizar a dignidade do seu país perante um farsante? Afinal, há uma pergunta prévia: mandou ou não calar Chávez? Antes do mais, repare-se que a frase é uma interrogação, não uma intimação.

Se eu estiver numa reunião, se um amigo meu X estiver a interpelar, de forma importante, um senhor Y e este senhor Y estiver sempre a interromper X e a não o deixar falar, eu era bem capaz de dizer "Ó sr. Y, cale-se e ouça!". Afinal foi isto, contas redondas, e menos brutalmente, embora com incorrecção diplomática, o que fez Juan Carlos, quando Chávez estava a sobrepor-se a Zapatero. Basta ver o vídeo com atenção.

Será que estamos mesmo condenados a viver só metidos em "sound bites"? Já não conseguimos analisar objectivamente um acontecimento? Ou sou eu que, neste caso, estou a confundir objectividade com primarice de apreciação das "coisas"?

19 novembro, 2007

Engenheirando o futuro da engenharia

Na página da European Network for Accreditation of Engineering Education, (E.N.A.E.E.) encontrei um artigo muito interessante de Sebastião Feyo de Azevedo - intitulado "Technical Education - from London 2007 to Leuven/Louvain-La-Neuve 2009… and beyond" - no qual expõe, de uma forma excepcionalmente brilhante, uma sua visão do futuro das formações nesse domínio do conhecimento, e de que extraio os pontos que se seguem, sublinhando, propositadamente, um deles:
Our individual and local universe is larger and larger.
· Time and space concepts and dimensions have changed dramatically.
· The reference of whatever (quality, competition, etc.) is now Europe and the World, not our City or our Country.
· Standards must be high, inflexibly high, attitude holistic, mind flexible.
· The need is clear for a reference qualifications framework and for international recognition of quality assurance standards and procedures,
· A core group of disciplines, concerning basics and engineering, and of skills and competencies, should be recognized by consensus and implemented.
· A complementary group of elective advanced curricular modules should lead the student to work on frontier topics of engineering.
· External training, more practical ‘hands-on’ training is required for first-degree level. If possible in another Country.
· There must be an understanding that it is essential that Academia and Industry, in the European Space, co-operate offering each other aided-value, by accepting students for training (the Industry), by jointly designing pilot case studies, by providing theoretical background through courses (the Academia).
· Lifelong learning is the key concept to have the edge."
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Alguma coisa está mesmo em grandes mudanças no pensamento nacional e, pelos vistos, não é só a engenharia... AINDA BEM!

Tecnologias, inovações e mercados reais

Dá-me sempre muito o que pensar, quando leio artigos, como o que hoje foi publicado no Diário Económico online, subscrito por Luís Ribeiro, intitulado "Portugal perdeu 167 mil empregos qualificados".
A minha apreensão sobre o desemprego, em Portugal, cresce quando se recolhem opiniões de pessoas, referidas como especialistas, que nos a esclarecem com frases já lidas em cartilhas muito antigas.
Exemplos:
- "António Nogueira Leite, professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa, considera que 'o mercado de trabalho não está à procura de qualificações muito elevadas e deixou de recrutar um conjunto de profissões mais ligadas ao ensino'".
- "Eduardo Catroga, empresário e economista, confere que há um 'desajustamento crónico' entre a formação das pessoas e aquilo que as empresas procuram."
- "Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), vai mais longe e assegura que só há criação significativa de emprego 'nas áreas onde o valor acrescentado é mais baixo', sublinhando que 'não há investimentos com escala' nas áreas mais inovadoras e de alta tecnologia pois faltam pessoas com qualificações à altura".
- "Paula Carvalho, economista do Banco BPI, observa que 'ainda estamos a viver os efeitos das más opções do passado'. 'É preciso que os jovens estejam a escolher agora os cursos certos no contexto da actual política económica para que no futuro este problema se esbata'."

Já que são especialistas e, supostamente, até podem consultar não só os livros do ramo mas, sobretudo, oráculos mais correctos, não poderiam tentar ser um pouco menos repetitivos de "verdades verdadeiras" e, também, serem muito mais explícitos e concretos?
A despeito da catástrofe do desemprego dos melhor qualificados, alegra saber sobre os outros que conseguem colocação: "Neste contingente estão os trabalhadores dos serviços às empresas (empregadas de limpeza e seguranças, por exemplo), vendedores, pessoal administrativo, agricultores, operários, manobradores de máquinas e trabalhadores não qualificados. "

Sobre os nossos problemas de qualificação, parece que alguns estrangeiros os conhecem melhor, desde antigamente, por exemplo, no ano passado, preto no branco, na sua publicação "Fostering human capital development in Portugal", Stéphanie Guichard and Bénédicte Larre põem um pouco o dedo na ferida, logo no primeiro parágrafo: "Narrowing the human capital gap vis-à-vis other OECD countries is essential for Portugal to improve its productivity and resume catching up" para, na página 11, referirem, a "bold": "Access to tertiary education remains also too limited and selective", e ainda acrescentarem: "but in Portugal, the selectivity of access is more severe than in many other countries and the participation of students from low socio-economic backgrounds remains particularly low, - e se ainda não estivermos convencidos juntam: "In Portugal, the proportion of higher education students' fathers who have achieved higher education themselves is 29% compared with 5% for the proportion of men of corresponding age in the general population (a factor of almost 6 to 1). In Germany and France, the factor is around 2 to 1. In Portugal, very few students (19%) already have work experience or have completed vocational training before starting tertiary education, compared with almost two-thirds in Germany (Eurostudent Report, 2005). "
Está mais ou menos tudo dito, ou não?
Parece que somos um povo que, globalmente, temos pouca formação e seria, por alavancarmos o padrão médio da formação da maioria de nós, que poderíamos, eventualmente, aspirar e aventurarmos-nos, mais tarde, com as tecnologias de ponta e as excelências....mas, nós não, preferimos iniciar logo por produções gigantescas de melancias cúbicas, porque fazem outra vista em mercados, virtuais ou não, de frutas e legumes e parecem proporcionar melhor arrumação...

Juízes que me metem medo

Nota prévia: sou virologista e creio honestamente que sei do que vou falar.

Estou atónito com o caso que hoje faz destaque no Público. Pela segunda vez, primeiro num tribunal de trabalho agora na Relação, um homem vê negada a sua razão. Portador de HIV, cozinheiro de profissão, foi despedido por representar um perigo para a saúde pública. O caso tem aspectos graves que mereciam discussão, como seja a inconfidência de um médico de trabalho ou a arrogância de declarações em tribunal de um médico generalista, sem conhecimentos científicos mínimos sobre esta situação. Mas vou ficar-me pelos juízes.

Fala-se da debilidade do nosso sistema judiciário. Más condições, excesso de trabalho, instalações degradadas, burocracia exagerada, demoras, tudo é verdade, mas nada se compara ao medo que eu sinto, como cidadão, perante a possibilidade de um dia vir a ser julgado por pessoas destas.

Um juiz não é um enciclopédico. Por isto há peritos, pareceres, documentos científicos. Mas o que o juiz obrigatoriamente tem de ter é o rigor intelectual e a mentalidade científica mínima que lhe permitam passar da opinião técnica para a decisão jurídica. Este caso é a demonstração mais eloquente de que isto pode não acontecer.

Um documento científico diz, com objectividade, que o HIV pode estar presente na saliva ou no suor. Os juízes valorizaram isto, juntamente com o tal depoimento, para decidirem que o cozinheiro podia chorar, cuspir ou suar sobre a alface e que qualquer pessoa com uma ferida na boca poderia ficar contaminada. É verdade. Mas tão verdade como eu dizer que um dos juízes podia estar sentado na retrete no momento em que houvesse um terramoto que abrisse uma brecha na sua casa de banho e o fizesse sumir-se pelo esgoto. Teoricamente, era possível. E merecia!

O que é grave, intelectualmente e como questão de confiança na justiça, é que esses juízes se arvoraram o direito de aproveitar apenas um dado científico factual mas sem significado prático, valorizando-o em absoluto contra tudo o que logo vem a seguir nesse relatório (do CDC dos EUA, provavelmente a maior autoridade mundial em doenças infecciosas): a concentração do vírus nesses fluidos orgânicos é diminuta e certamente incapaz de permitir a transmissão, que, nestas circunstâncias, nunca se verificou em extensos estudos científicos. Já agora, se algum desses senhores gosta de beijar (para não ir mais longe...), desaconselho-o...

Estes juízes são ignorantes sobre HIV. É natural. Pior é que fazem gala de continuar a ser ignorantes mesmo quanto lhes propiciam documentação elucidativa.

Reitores e reitores

Falei há dias de exemplos de uma nova geração de reitores, como António Nóvoa. Infelizmente, não há bela sem senão. Pedro Telhado Pereira (PTP), reitor da U. Madeira, o tal de uma triste história de demissão da equipa reitoral que causou uma grande crise na universidade, volta a dar que falar, agora a propósito das eleições para a assembleia estatutária. A história vem toda contada no DN/Madeira, de 15.11.2007, mas resumo.

PTP fez um brilharete, convidando para presidir ao processo eleitoral uma figura com a qual até nada tenho a ver mas que merece respeito, o deputado Guilherme Silva, vice-presidente da Assembleia da República e também consultor da U. Madeira. Houve três listas e a vencedora até foi a patrocinada pelo reitor (um dos casos de que falei de interferência abusiva de reitores). No entanto, PTP não resistiu (é a sua natureza) a vir a público, em edital oficial, protestar contra irregularidades graves praticadas por Guilherme Silva. Este, obviamente, reagiu e parece considerar a hipótese de cortar relações com a universidade da sua terra.

Mais surrealista é que PTP, ao mesmo tempo que fez todas as críticas duras que fez, sancionou como regulares e impecáveis os resultados eleitorais. Pudera, resultaram-lhe em vantagem. A quem é que está entregue a U. Madeira? E, segundo a versão final do RJIES e as suas condescendências, essa personagem pode manter-se como reitor mesmo depois da grande mudança imposta pela nova lei.

A história não vai ficar por aqui. Guilherme Silva acabou por ser cooptado como membro externo da assembleia dos estatutos, que vai ser presidida pelo reitor. Ainda me vou divertir (admito que com humor negro, que os meus amigos madeirenses não merecem).

Nota - E será verdade que, sendo ainda reitor, PTP tem feito grandes diligências para arranjar um lugar de professor numa universidade do continente? Não quero crer! Ou então, que me desculpem os meus bons amigos co-ilhéus do outro arquipélago, é mesmo caso para perguntar "já chegámos à Madeira?"

Aeroporto e TGV

Fiquei um pouco confuso com a polémica recente acerca do traçado do TGV e as suas relações com o futuro aeroporto. Admito que a questão do TGV afecte marginalmente, em termos de custos globais, a opção quanto ao aeroporto, mas parecem-me, no fundo, dois assuntos distintos.

Afinal, a RAVE também já está a estudar um acesso a Alcochete, por ramal. Fico com a impressão de que isto é discussão lateral, sem querer mencionar a questão principal, a da localização do aeroporto. Fico também com a impressão, talvez precipitada e injusta, de que todo este "estudo da CIP" é bastante tosco.

Não percebo esta ânsia de ligação dos dois assuntos, aeroporto e TGV. Por quase toda a parte por onde viajo, há boas ligações ferroviárias ou de metro, rápidas e muito frequentes, entre o aeroporto e o centro da cidade (não com Gares do Oriente na periferia). Em alguns casos, como Bruxelas, Frankfurt ou Milão, a linha ferroviária é dedicada. Noutros casos (Estocolmo, Roma, Madrid), são autocarros com percurso rápido por auto-estrada. O que não vejo, por exemplo em Paris ou Madrid, é ligação ao aeroporto por TGV.

18 novembro, 2007

Nota gastronómica (XL)

Arroz de linguiça e repolho

Escrevi há tempos uma nota sobre ingredientes açorianos. Hoje lembrei-me disso, a propósito de um almoço muito simples, prato banal de dia-a-dia apressado em casa dos meus pais.
1,5 chávenas de arroz carolino, 2 linguiças, 1 cebola grande, 3 dentes de alho, 250 g de repolho, 1 tomate grande ou 2 c. sopa de polpa de tomate, 1 dl de azeite, 3 cs de banha, 1 folha de louro, sal, pimenta preta moída, 4 grãos de pimenta da Jamaica, 1 c. sopa de massa de malagueta. 1 c. sobremesa de massa de pimentão ou 1 c. chá bem cheia de colorau, 3 chávenas de água.

Aquecer o azeite, juntar o repolho ripado e dar bastantes voltas, durante 2 minutos. Retirar e reservar o repolho, escorrido. Picar a cebola e o alho e refogar no azeite, só até quebrar. Acrescentar o tomate picado grosso, a folha de louro, a massa de pimentão, a malagueta, sal, pimenta preta e a pimenta da Jamaica esmagada. Estufar a lume baixo, até tudo estar bem desfeito e esmagar. Cortar a linguiça aos cubos grosseiros, fritar ligeiramente na banha, durante meio minuto a lume forte e escorrer. Voltar a aquecer a tomatada com o repolho. Acrescentar a linguiça, com parte da banha. Juntar o arroz, muito bem lavado, e saltear até ficar translúcido. Acrescentar a água e cozer, a lume médio, durante 12 minutos. Apagar o lume e manter a panela tapada, durante mais 2-3 minutos, até o arroz estar bem cozido e relativamente seco.

O que tem isto a ver com os tais ingredientes açorianos? Tudo. O repolho, como disse, é diferente, em textura e sabor. Recebi-o como oferta fraterna e até foi o motivo para fazer este petisco. No entanto, não vou ser muito exigente, creio que só um gosto açoriano treinado é que notará logo a diferença. Já a linguiça, essa sim. Felizmente, ainda a tinha congelada desde uma última viagem. Note-se, à margem, que a congelação a torna um pouco encarquilhada e acastanha um pouco a cor vermelho vivo. Aceitando alguma dose de sentido prático, teria usado um bom chouriço de carne alentejano se não tivesse a linguiça (mas nunca linguiça continental). Pior é a massa de malagueta. Substitui-la é problema que nunca se me põe, porque a tenho sempre em casa, mas já sugeri, como aproximação grosseira, a pimenta da Caiena.

Não fumador

Deixei passar ontem sem nota uma data importante, corrijo hoje: o dia do não fumador. Fez exactamente um ano que deixei de fumar. Não o registo como sinal de qualidade minha, muito pelo contrário. Não se espera pelos 62 anos para se deixar de fumar, mas mais vale tarde do que nunca. Deixo aqui registo do feito apenas como alento a quem queira fazer o mesmo. Espero que ontem, ao simbolizarem o dia, tenham sido muitos.

17 novembro, 2007

Indisciplina no Ensino Superior

É comum ver discutidos na praça pública questões relacionadas com a indisciplina e mesmo violência em escolas dos ensinos básico e secundário. Sobre esta questão já foram escritas todas as teses, desde os que defendem o reforço da autoridade do professor, sem nunca explicitarem de que forma é que essa autoridade poderia ser implementada, até aos que apontam causas externas à escola, em particular os meios socioeconómicos desfavorecidos dos quais são provenientes a grande maioria dos alunos mais problemáticos.

O que parece ser fenómeno novo é que a indisciplina começa a chegar ao ensino superior. Este ano leccionei pela primeira vez aulas a alunos do 1º ano e tenho vindo a notar uma alteração no comportamento dos alunos face aos que ensinava em anos anteriores, normalmente do 3º e 4º anos. Verifico ser crescentemente vulgar os alunos enviarem SMS uns aos outros e um ruído de fundo mais ou menos permanente advindo de conversas laterais que abafam a minha voz. Já tive que interromper diversas vezes as minhas aulas para pedir um pouco mais de silêncio e de verificar, no final, que as minhas cordas vocais acusavam o esforço.

Recentemente, no decurso de uma visita de estudo, estávamos a percorrer uma determinada área geográfica num autocarro e um professor convidado de uma outra universidade encontrava-se a fazer uma palestra muito interessante sobre os locais percorridos. Uma vozearia permanente e irritante fez-me levantar e dirigir-me a um grupo de alunos que se encontrava a falar alto, uns levantados dos seus lugares, como se de uma festa se tratasse. Disse-lhes que não estavam na escola primária para se comportarem daquela maneira e que exigia respeito para o professor convidado que gentilmente se disponibilizou a acompanhar-nos. O silêncio foi restabelecido.

Este tipo de comportamentos já foi analisado pelo Conselho Pedagógico da instituição de ensino superior no qual trabalho. Outros professores queixam-se de comportamentos semelhantes. Dois colegas de uma outra faculdade disseram-me que já se viram obrigados a convidar alunos a sair das suas aulas pelo facto de sistematicamente perturbarem o normal funcionamento das mesmas.

O ensino superior parece ter entrado definitivamente na fase da massificação que os ensinos de níveis inferiores já conhecem há muito mais tempo. Por agora só temos indisciplina. Chegaremos à fase da violência sobre docentes?

A Igreja portuguesa

Estive para escrever sobre isto na altura devida, mas a agenda estava cheia. Vem hoje a propósito da nota de Vasco Pulido Valente no Público. As declarações públicas do Papa sobre a igreja portuguesa surpreenderam-me. Parecem uma reprimenda, para toda a gente ouvir, sobre tema interno e delicado da Igreja. Não sei interpretar essa publicidade, tão ao arrepio da "sabedoria" vaticana. Alguém tem um palpite?

16 novembro, 2007

Revivendo uma história triste

Fernando Mora Ramos escreve hoje no Público um artigo tocante sobre o caso de uma jovem afectada pela variante da doença de Creutzfeld-Jakob (nv-CJD), a doença transmitida ao homem como variante da "doença das vacas loucas". Tocante mas com muitos erros e algumas injustiças. Diz que "os serviços de saúde portugueses reagiram muito tarde aos avisos e as medidas efectivas vieram apenas dois anos depois de o perigo estar em acção".

Não é verdade e posso afirmá-lo com a certeza de ter estado na primeira linha desta discussão desde o primeiro minuto. Por um lado, é certo que, irresponsavelmente, as medidas foram muito tardias, até mais do que os referidos dois anos. Em contrapartida, não há responsabilidade dois serviços de saúde.

Começo por chamar a atenção para que este problema sempre foi, simultaneamente, um problema de sanidade animal, de economia pecuária, tudo no âmbito do Ministério da Agricultura (MA) e só indirectamente um problema de saúde pública, a cargo do Ministério da Saúde (MS). O comportamento destes ministérios foi desencontrado e mesmo contraditório.

Em 1990, se não estou em erro (ou 1991?), o meu colega Alexandre Galo denunciou o aparecimento de poucos casos de "doença das vacas loucas" (BSE) em Portugal. O MA, Arlindo Cunha, desmentiu-o e negou-se a tomar as medidas mínimas de protecção, como fosse, liminarmente, a proibição de uso de rações contendo farinha de carne e ossos ou outros produtos de origem animal. Foram adoptadas só em 1994, silenciosamente e por imposição europeia, um ano antes de, finalmente, já no governo Guterres, se ter declarado honesta e oficialmente que a doença bovina existia mesmo em Portugal.

No entanto, é injusto culpar por este atraso os serviços de saúde. Nessa altura, e mesmo em Inglaterra onde o problema era dramático, era considerado apenas um problema de sanidade animal, no âmbito dos serviços de veterinária. Por isto, insisto, o culpado, mesmo que não consciente e dolosamente, ficará para a história com o nome de Arlindo Cunha, ministro do governo de Cavaco Silva.

Nessa altura, fui contactado com muita frequência para entrevistas e sempre alertei para o facto de, cientificamente, por menor e incerto que fosse o risco para a saúde humana, ele não era negligível. Defrontei-me então com a animosidade dos interesses económicos, quase fui chamado de traidor à pátria porque havia a ameaça, que depois se verificou, de um boicote às exportações de carne portuguesa. No entanto, tentei sempre difundir uma mensagem de bom senso e adequada aos conhecimentos de então: havia que proibir imediatamente o consumo de alimentos de risco, nomeadamente a mioleira, mas que nada indicava que a carne limpa fosse perigosa.

Tive então grandes dificuldades com o MA. Houve um episódio de que muitos se lembrarão. Gomes da Silva foi a Bruxelas e tivemos, logo de manhã, uma longa conversa, com troca de faxes, em que lhe fiz o "briefing" que podia. Por coincidência, fui um participante destacado, nesse dia, de um forum da TSF e arrisquei-me a fazer a previsão de que o ministro iria anunciar nesse conselho comunitário que Portugal iria tomar imediatamente as medidas adequadas e que, claro que não disse, eu tinha discutido com ele. Para meu espanto, a TV mostrou à noite o ministro a deliciar-se ao jantar com mioleira, por encenação do director-geral, figura de quem, felizmente, já não recordo o nome.

Muito pouco depois, revelou-se a atitude oposta de Maria de Belém Roseira, MS. Constitui-se então uma comissão oficial de acompanhamento e aconselhamento do governo, coordenada por José Cortês Pimentel, um reputado neuropatologista e a que eu pertenci. Foi bem a tempo, porque quase a seguir surgiu a notícia do aparecimento, em Inglaterra, dos primeiros casos da nv-CJD, com forte suspeita de serem devidos a transmissão ao homem da BSE, hipótese que, rapidamente, se veio a confirmar.

A partir deste momento, pouco de negativo há a apontar à acção legislativa e prática do governo. As críticas que eu poderia fazer são demasiadamente técnicas para terem aqui cabimento. Mais vale salientar que não houve depois, nesta última década, casos de bovinos doentes e já nascidos depois das medidas de controlo que então foram propostas e prontamente adoptadas pelo governo. Ainda me lembro do que foram as horas de trabalho intenso na João Crisóstomo, para elaboração da legislação.

Por razões que seria difícil explicar ao leigo, nunca tivemos dúvidas de que havia uma forte probabilidade de, por esta altura, virem a aparecer casos de nv-CJD em Portugal. Já há dois e poderá haver mais um ou outro, embora certamente em número reduzido, se extrapolarmos os dados ingleses. Mas o que é essencial deixar claro é que, dado o longo período de incubação da doença, há quase total certeza de que estes casos se devem aos anos de incúria criminosa que referi, ao período em que o governo e essencialmente o MA de então silenciou a situação da doença bovina em Portugal. A partir do momento em que a comunidade científica envolvida no assunto, com apoio do MS e, menos, do MA, tomou posição, propôs medidas que conduziram a um controlo muito eficaz da doença bovina, reduziu-se consideravelmente o risco de transmissão ao homem. Mas o mal já estava feito.

Nota - Não se confunda a nv-CJD, a versão humana da BSE e adquirida por ingestão de produtos bovinos infectados (insisto, não a carne limpa e em peça!) com a doença de Creutzfeld-Jacob convencional, exclusivamente humana, uma doença degenerativa muito rara, de velhos, e de causa ainda não inteiramente conhecida, mas certamente totalmente alheia à BSE.

Nota gastronómica (XXXIX)

Ainda os minhotos, mas com charrinhos

Há dias, o meu irmão telefonou-me de S. Miguel, à hora do almoço, a dizer-me "estou a recordar o pai, comendo uma bela posta de moreia frita". Era uma da suas predilecções, coisa bem açoriana. Achei graça porque, do lado de cá, respondi "também eu, com outra das coisas com que ele se deliciava, 'charrinhos' de molho de vilão e minhotos". Era o que eu estava a cozinhar, aproveitando a tal oferta de minhotos de que falei.

O molho de vilão tem referência em muitos textos da cozinha portuguesa, mas nunca o vi feito no continente. Creio que se perdeu a tradição. Mesmo em S. Miguel, já anda muito aldrabado. Tradicionalmente, usa-se com variados peixes fritos e pode ser usado a quente, logo que preparado ou, como eu prefiro, frio, depois de ficar a embeber o peixe durante um dia, à maneira da técnica do escabeche. O que eu faço segue o ensinamento da minha avó, cultora da mais genuína tradição culinária micaelense. Infelizmente, tenho de aldrabar ligeiramente. Ela fritava a malagueta em peça, picada aos pedaços pequenos. Cá, só tenho malagueta moída. Quem não tem cão caça com gato.

Outra diferença, essencial, é que cá tenho de me contentar com o carapau Trachurus trachurus, parente muito pindérico do açoriano Trachurus picturatus, o "charrinho".

Chicharros com molho de vilão
Chicharros (carapaus) para 4 pessoas, 1/2 chávena de farinha de milho, 0,5 l de óleo para fritar, 1 cabeça de alho, 0,5-1 dl de vinagre (a gosto), sal, uma malagueta ou 1,5 c. sopa de massa de malagueta, uma folha de louro, uma c. chá de açaflor, sal e pimenta preta, 6 batatas médias ou minhotos.

Fritar em óleo os chicharros (carapaus, no continente) embrulhados em farinha de milho. Retirá-los e remover o excesso de óleo de fritar, deixando apenas cerca de 1 dl. Fugindo à regra e por questões de saúde, faço uma variante, rejeitando todo o óleo de fritar, sem soltar o fundo e aquecendo azeite de fresco. Refogar o alho picado, a folha de louro, a malagueta cortadas em pedaços pequenos ou a massa de malagueta, sal e pimenta. Regar com o vinagre, temperar com a açaflor e deixar apurar, cobrindo os chicharros com este molho. Pode-se servir quente ou frio. A minha variante, de influência terceirense, é a de temperar também com meia dúzia de grãos de pimenta da Jamaica, esmagados. Servir com batatas ou com minhotos.

Tradicionalmente, as batatas são "batatas com pimenta": com pele, um golpe quase completo, recheadas com massa de malagueta e cozidas em água com sal, alho pisado grosseiramente e louro.

15 novembro, 2007

Stoned

Lembram-se os meus cada vez mais caros e cada vez mais raros leitores que, no dia das bruxas, lhes fiz um convite, para provarem um bolinho dos "embruxos", cá da minha lavra, para comemorarmos, hoje, 15 de Novembro de 2007, a festa de aniversário da entrada, para apreciação na Direcção Geral de Ensino Superior, de 120 propostas de criação de mestrados do subsistema politécnico, sem termos mais notícias?
Que maçada,... o bolinho que eu fiz com tanto carinho, para o efeito, petrificou.
Desculpam-me não é verdade?
Não perdem nada, costumo envenenar o pessoal, logo à primeira garfada de prova dos meus acepipes.
E às propostas de mestrado do subsistema politécnico, o que é que aconteceu? perguntam-me todos os interessados.
E acham que eu sei?
Não, não sei, mas juraria que também petrificaram.

Não perdem nada também, porque vão ver..., para o ano, comemoramos com festa rija, o 2º aniversário do sumiço dessas mesmas propostas!
Depois, comemoramos, sempre, em cada um dos outros 48 anos seguintes, até o destino final dessas propostas deixar de ser um "assunto classificado".
Encontramos-nos, então, sempre aqui, à mesma hora, todos os anos? Pode ser?
Combinadíssimo!

Dislates mirandinos

Jorge Miranda (JM) é para mim um bom exemplo do nosso conservadorismo universitário, muito evidente na tradição particular das escolas de direito e de letras. Hoje, no Público, protesta contra o uso do inglês em diversas actividades universitárias. Não vou gastar muita cera com esse defunto, apenas algumas anotações.

1. O que se propõe como generalização do ensino em inglês refere-se apenas ao segundo ciclo, o mestrado. Tudo indica que será cada vez mais o nível de estudos mais internacionalizado, mais promotor da mobililidade, mais atraente para estudantes não europeus. Não é razão sobeja para o uso do inglês, a língua franca actual? Se uma empresa portuguesa quiser fazer uma grande campanha de promoção no mercado internacional, vai publicar anúncios em português?

2. JM esquece que, durante séculos, o ensino universitário foi sempre em latim? Em Coimbra, isso era considerado uma traição à língua portuguesa?

3. Marginalmente, JM deprecia os actuais mestrados à bolonhesa em relação aos anteriores mestrados portugueses. A meu ver, não tem razão. O nosso mestrado não era carne nem peixe. Como trabalho de investigação, só tinha algum valor nos casos perversos, como em direito e letras, em que ele era prolongado quase até à duração de um doutoramento. Nas ciências e tecnologias sempre foi, em geral, uma perda de tempo, melhor aproveitado na ida directa para o doutoramento. No fim, sem qualquer impacto no mercado do trabalho, só servia para formar professores do politécnico e para propinas chorudas das universidades.

4. JM refere que "um pouco por toda a parte, já se vão reconhecendo os excessos e os malefícios trazidos por aplicações rígidas do processo de Bolonha". Isto é como eu dizer a um jurista como JM que cada vez mais se reconhece os vícios do código penal por causa das decisões erradas dos juízes. Mas, afinal, JM é coerente, se nos lembrarmos do seu incrível documento quando coordenou a comissão para Bolonha na área do Direito.

5. JM escandaliza-se por haver debates em inglês no conselho científico de uma faculdade. É que essa faculdade, e outras, ao contrário da Faculdade de Direito, não se fica por recrutamento doméstico, tem professores estrangeiros cujo contributo para a política institucional discutida no conselho científico é muito importante. Devem ser afastados da discussão por não falarem português? Já agora, coisa impensável na Faculdade de Direito, há cada vez mais doutorandos orientados por investigadores estrangeiros, que, pela lei, são membros do júri. As provas de doutoramento, neste caso, devem ser obrigatoriamente em português?

As listas dos reitores

Esta nota exige um esclarecimento prévio, para a generalidade dos leitores. As instituições de ensino superior, universidades e politécnicos, estão a passar por um momento importante, de adequação dos seus estatutos à nova legislação, vulgarmente conhecida como o RJIES (regime jurídico das instituições de ensino superior). Apesar das queixas contra uma alegada diminuição dos poderes corporativos, pela criação de um novo órgão, de política estratégica, o conselho geral, com membros externos, o que é verdade é que a nova lei atribui poderes desmesurados aos reitores.

Ora é o reitor que preside a uma mini-assembleia que tem por encargo elaborar os novos estatutos. E é parte interessada, porque os reitores conseguiram uma alteração de última hora da lei segundo a qual se podem manter em funções depois da aprovação dos novos estatutos, e com os tais novos poderes muito amplos. Parece-me elementar que se defendam da suspeita de que a sua presidência de tal assembleia serve para forjar estatutos à medida do seu provável desempenho reitoral subsequente.

Mandaria o bom senso e alguma elegância que, nestas circunstâncias, o reitor se mantivesse apenas como o garante da regularidade e eficácia do processo de revisão estatutária. Não é o que se está a ver em algumas universidades, em que as listas para a tal assembleia estatutária aparecem claramente promovidas por reitores.

É certo que um reitor responsável deve considerar este trabalho de definição estatutária como fundamental em termos de reflexão estratégica sobre a instituição. No entanto, creio que o seu principal papel é o de promover com isenção essa reflexão, não o de se envolver nela em termos de disputa eleitoral, sempre com riscos de fractura institucional.

14 novembro, 2007

A impossível reforma das universidades Portuguesas?

As universidades públicas Portuguesas estão a ser palco de acesos debates sobre o futuro do seu modelo de governança.

Razão? - Está em curso a revisão dos seus estatutos ao abrigo do novo RJIES.

Como não podia deixar de ser perfilam-se dois paradigmas de governação:

1. Os que defendem que o poder deve estar ser concentrado nos que detêm responsabilidades de gestão (um modelo que segue o espírito e letra da nova Lei);

2. Os que defendem que o poder deve ser repartido entre os que têm responsabilidades de gestão e os que não a têm (um modelo que procura contrariar o espírito da Lei aproveitando ambiguidades e/ou indefinições na sua letra).

Todos conhecemos os resultados que adviram do modelo de gestão actual que consistiu em dar poder a quem não tinha responsabilidades directas de gestão, retirando poder a quem as tinha: Inércia, inércia e mais inércia.

Importa perguntar, a quem interessa esta inércia? A resposta é simples: - a quem incomoda a mudança.

E que tipo de mudança incomoda? A resposta também é simples: - toda e qualquer mudança que decorre de um modelo de gestão orientado por objectivos. Ou seja, uma gestão que não está centrada nos interesses dos funcionários mas sim no interesse colectivo do País.

Conseguirão os defensores do "status quo" abortar a reforma em curso em nome de concepções discutíveis mas populares de democracia?

Conseguirão os promotores da mudança convencer o eleitorado académico de que é justo retirar-lhes poder em nome do interesse colectivo?

É difícil que a mudança prevaleça no contexto actual.

Porque razão haveriam os funcionários das universidades consentir uma mudança que lhes retira poder de bloqueio? Porque haveriam de promover uma mudança que conseguiram bloquear durante décadas?

Muita retórica será usada para defender uma e outra concepção de governança mas vale a pena centrarmo-nos na realidade.

Comparem-se resultados e confrontem-se os mesmos com os modelos de gestão que os produzem.

Vejam-se os casos dos EUA, Reino Unido, Suíça, Dinamarca, onde a governança é caracterizada por uma sólida ligação entre responsabilidade e poder. Contrastem-se os resultados académicos nestes Países com outros onde vigora a diluição de poderes e responsabilidades como é o caso de Portugal, Espanha, Grécia, Itália e França.

Os resultados falam por si. Se é verdade que existe uma grande variedade de factores que contribuem para a qualidade da ciência e do ensino também é verdade que padrões inequívocos emergem da comparação entre resultados e sistemas de governança.

Como não podia deixar de ser o sistema de governança é um factor importante de promoção ou bloqueio das condições que conduzem à excelência.

Em última análise está em jogo a capacidade de nos adaptarmos à mudança ou, se quisermos ser mais ambiciosos e seguindo o lema da Universidade de Oxford, liderarmos a mudança.

13 novembro, 2007

Leituras

Anda pela blogosfera uma nova brincadeira: transcrever a linha 5 da página 161 do livro mais à mão. Vou alinhar: "connecto, is. Atar, travar uma cousa". Não tenho culpa de que o livro mais à mão, junto ao computador, fosse o meu dicionário de latim-português.

Mas não se pense mal de dicionários, que podem contribuir grandemente para o prazer cultural. Uma antiga empregada minha passava largas horas de serão a ler em voz alta com o marido, página após página, um dicionário de português.

E leitores há de todos os géneros. MSP, casado com uma prima da minha mãe, era leitor ávido do Diário de Notícias, que comprava diariamente. Não conseguia era deixar de o ler de fio a pavio, anúncios e tudo. Resultado é que em cada noite ainda estava a ler o jornal de meses antes. O do dia aguardava a sua vez, para dali a uns meses. Isto fazia parte do seu espírito ordenado. Quando se casou, pediu a toda a família que nunca os visitassem à quarta feira à noite. Curioso é que manteve sempre este pedido, até quase aos oitenta anos. No entanto, para evitar extrapolações indevidas sobre cargas de loucura familiar, ele era só meu primo afim.

12 novembro, 2007

Humor negro

Às vezes, alinho com Vasco Pulido Valente, principalmente quando ele mostra a sua capacidade de ironia fina. Nos últimos dias, tem-se batido contra a ditadura da "saúde correcta" (contra o fumo, bebida, obesidade, etc.). Numa dessas crónicas, pergunta-se, a propósito da boa barriguinha portuga, "porque (...) morrem mais cedo? Porque gastam mais dinheiro ao sistema de saúde (embora com certeza poupando à segurança social)?" [itálico meu, JVC].

Ora aqui está um tema para conversa interessante entre Correia de Campos e Vieira da Silva (com Teixeira dos Santos a espreitar).

Sem papas na língua

António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, já aqui o escrevi, é um dos expoentes do que me parece ser um movimento de mudança no CRUP. Não tem papas na língua. O ministro que se cuide, até porque já viu o que a casa gasta, num célebre debate televisivo.

Agora foi o seu discurso na abertura do ano académico. Selecciono algumas passagens, a que aliás a imprensa deu eco, e que me parecem não precisar de maior comentário.

"... faz-nos falta a revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária, a mais urgente de todas as mudanças. Sem um Estatuto que permita recrutar e promover os melhores, pondo fim à mediania e à endogamia, estabelecendo uma ligação forte entre ensino e investigação, é impossível reformar a universidade. Sobre isto, até agora, o Governo disse nada."

"... fazem-nos falta modelos claros e transparentes de financiamento. (...) A nossa reivindicação é clara: queremos modalidades de financiamento mais exigentes, mais competitivas, baseadas em resultados concretos (de ensino, de empregabilidade, de ciência, de tecnologia)."

"Nos últimos dois anos somos o único país da Europa que reduziu o investimento no ensino superior, remetendo as instituições para uma lógica de pura sobrevivência".

"... vulgo RJIES, que contém inúmeros aspectos positivos mas que corre o risco de se transformar numa mera reforma orgânico-burocrática".

Elementary, my dear Nóvoa. "Elementary", mas não há ninguém no MCTES que perceba? É preciso obrigar um reitor a gastar esforços a dizer isto?

Ficam por comentar duas afirmações importantes de António Nóvoa, a da comparação com o financiamento do programa MIT e quejandos, bem como a possível reorganização do espaço de educação superior de Lisboa. São dois temas de fôlego, não cabem nesta nota, ficarão para seguintes. Merecem.

11 novembro, 2007

Adeus

"Os nus e os mortos", um dos livros da minha vida (também o filme de Raoul Walsh). Good bye, Norman Mailer.

Dignidade

Juan Carlos de Espanha ficou na grande História pelo seu papel no 23 de Fevereiro. Agora, fica também na "pequena" História pelo memorável "Porque no te callas?" dirigido a Hugo Chavez. Chapeau! Também a Zapatero, pela dignidade com que defendeu o seu adversário Aznar, que ali estava a ser atacado não como pessoa mas como ex-governante espanhol. Era bom que os portugueses tivessem sempre este sentido da "grandeza de Espanha". Já não digo grandeza, que somos pequeninos, mas ao menos "dignidade de Portugal".

À margem - Chavez faz-me pensar às vezes no que poderia ter sido, noutro rumo das coisas, o Otelo cá da casa.

10 novembro, 2007

Nota gastronómica (XXXVIII)

Cataplana

A nota de hoje de David Lopes Ramos, no Público, é sobre amêijoas na cataplana. Gostei de a ler, porque, entre outras coisas, é confecção de que gosto muito e que, muitas vezes, faz as maravilhas de amigos estrangeiros (a quem, normalmente, prefiro fazer eu um bom jantar do que convidar para um restaurante).

A cataplana, cujas origens finas desconheço, é uma boa invenção. A parte inferior, tal como o "wok" chinês, tem uma forma que permite a convecção perfeita do calor por toda a superfície. Experimentem ir passando os legumes "deep fried" para o cimo do "wok", mesmo sem óleo e vão ver como a fritura fica excelente. Ao mesmo tempo, a tampa é essencial, a meu ver, porque as amêijoas libertam muito líquido e vapor, que condensa na tampa e cai para o cozinhado. Assim, saliento aquilo que DLR escreve e que alguns leitores podem não dar por ser muito importante: a lume forte!

Por tudo isto, cataplana é para amêijoas com presunto ou chouriço, mailos demais atavios que DLR descreve e que correspondem à receita que uma prima algarvia me passou como genuína. No entanto, hoje, no Algarve, para turistas, cataplanas há muitas e horrorosas. Contra toda a base técnica que descrevi, fazem-se com peixes tenros e até, para cúmulo, já me propuseram uma cataplana de peixes variados com batatas! Também uma coisa que vi uma vez, na Praia da Rocha, e que não sei se é para rir se para chorar: "carne de porco à alentejana", servida (claro que só servida) numa cataplana. É turismo à algarvia.

P. S. (14.11.2007) - Uma informação de David Lopes Ramos, inteira novidade para mim: "Andei à procura da História da cataplana, mas não encontrei nada. Sei, no entanto, que, sobretudo na Beira Baixa, onde era muito utilizada por caçadores para confeccionar os seus petiscos de forma rápida, lhe chamavam prussiana, o que também sucede no Algarve."

Contrapúblico (V)

Uma boa jornalista, que estimo, mete hoje "a pata na poça", escrevendo "soundbyte". É coisa que não existe. "Byte" é uma invenção recente da língua inglesa, aliás bem humorada, para um aumentativo/múltiplo de "bit", um pedacinho, a unidade de informação (também "with a little bit of luck", lembram-se?). O que ela devia ter escrito era "sound bite", dentada sonora, coisa perfeitamente adequada ao sentido com que é usada a expressão, em diversos domínios da comunicação/manipulação e, infelizmente, cada vez mais na política.

No prato de ovos e bacon, somos a galinha ou o porco?

Ontem, estava eu salivando, diante de uma irresistível bomba calórica, daquelas lotadinhas do "péssimo" colesterol - um prato de ovos e bacon, deliciosamente, fritos na manteiga - e uma pessoa minha conhecida perguntou-me: "Olha lá, tu aqui - nas circunstâncias desta maravilha de comida - serias o quê? O porco ou a galinha?" Para falar a verdade, duvidei da interpretação que deveria dar à pergunta e, de chofre, menos ainda me apetecia ser qualquer um deles, mas estoicamente respondi, escondendo, simultaneamente, a gula e o choque resultante da potencial e hipotética ofensa pessoal, com um mal disfarçado sorriso amarelo - bom... talvez eu pudesse ser a galinha, não?...
Como sempre, cada vez que tenho 50% de hipóteses de acertar, é 100% certo que selecciono a asneira, como os meus caros e raros leitores, hoje e aqui, testemunharão.
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Vem a descrição desta passagem constrangedora, a propósito do facto de, hoje, percorrer, ao de leve, a blogosfera, e encontrar em diversos blogs e também em jornais online, a referência a diversos textos, sobre o (des)emprego de licenciados, de que cito só alguns exemplos:
1 - Três publicitações muito vagas sobre o emprego de licenciados, na Edição Impressa do Diário Económico online - em dois dos quais o acesso ao documento completo é condicionado, e que aproveitei para só ler as "headlines" gratuitas:
"Conheça os cursos com emprego garantido;
Ministro garante que próximo relatório já vai separar as escolas;
O retrato do desempregado licenciado num estudo inédito".
2 - Dois textos deveras interessantes, subscritos por Virgílio A. P. Machado, que encontrei no Blog de Campus, um dos quais (o primeiro) muito simples, mas bem fundamentado, facilitando a compreensão dos assuntos: "Com a verdade me enganas" e "Arranja-me um emprego".
Deste último texto ficou-me zunindo no miolo, a seguinte frase: "A ligação acima (V.A.P. Machado referia-se a um documento do SIMPLEX'07, permitindo como é seu hábito salutar, aos leitores a confirmação das suas afirmações através da consulta de documentos originais), destina-se a qualquer pessoa mais incrédula que queira confirmar, com os seus próprios olhos, que o texto citado é mesmo assim, sic, ipsis verbis, sem tirar nem pôr". Porque será que nem todos - e são, entre nós aos milhares, com níveis diferenciados de responsabilização - os que discorrem, publicamente, sobre assuntos de interesse colectivo não seguem esta boa (boníssima e elementar) prática? Dizem-nos qualquer coisa dogmática do alto do seu elevado e selectivo conhecimento, e esperam que façamos dos seus saberes e dizeres, os nossos verdadeiros actos de fé.
Contei-lhes isto porque - face ao que nos descreveu V.A.P. Machado - considerei ser super enigmático (no caso presente, não deveria eu escrever "inimigático"?) o subtítulo do texto Ministro garante que próximo relatório já vai separar as escolas: "Estudo de 2008 já vai mostrar a evolução da oferta de emprego e terá o nível de desemprego por curso actualizado automaticamente, garante Mariano Gago".
Querem os meus caros e raros leitores apostar comigo em como, seguramente, iremos ler, lá para 2008, excertos devidamente orientados, de mais um relatório, daqueles "estrategicamente" encomendado, efectuado com base em:
1 - excelentes compilações e sínteses estatísticas, sempre disponibilizadas online, e executadas pelos colaboradores do GPEARI, na página: "A procura de emprego dos diplomados desempregados com habilitação superior", que encontram, com mais pormenor aqui e aqui; e
2 - com as informações, produzidas pelas escolas, sabe Deus como, se souber..., e que serão arquivadas para consulta futura, numa plataforma do SIMPLEX'07?
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Depois disto, explico o contexto da minha descrição do prato de ovos e bacon: é que o meu companheiro do almoço detectou a minha atrapalhação, e explicou-me: "Num prato de ovos e bacon, a galinha é só envolvida no processo, enquanto que o porco se empenha pessoalmente... não achas?".
Que pena que, em quase todas as questões mais sérias, relacionadas com a educação superior, ciência e tecnologia portuguesas, a maioria dos interessados não tem sequer opção, não pode ser porco, nem que gostasse muito de se empenhar na estratégia e nas soluções, exclusivamente, após compreender toda a extensão da problemática,.... mas terá que contentar-se com os dogmas - resta-lhe ser galinha.

09 novembro, 2007

Nota gastronómica (XXXVII)

Minhotos

Sabem o que é? Uma variante açoriana de inhames, mais pequenos, de sabor mais suave e de textura mais delicada. Recebi-os de oferta e imaginei uma coisa para fazer com eles. Impus-me como regra fazer uma receita com evidente raiz açoriana mas que pudesse ser feita no continente. claro que só com inhames brasileiros, mas paciência. Também, em vez da malagueta açoriana, substitutos.

Nacos de porco em vinha de alhos à açoriana, fritos com inhames
Para 4 pessoas. 1,2 kg de carne de porco (lombo, pá ou perna), 100 g de banha. Vinha de alhos: 1 copo de vinho tinto, 4 c. sopa de vinagre, 5 dentes de alho esmagados, 1 c. sopa de sal grosso, 8 grãos de pimenta preta, 4 cravinhos, 1 c. sopa de malagueta açoriana (na falta, pimenta da Caiena ou piripiri a gosto, mas sem ficar muito picante), 3 c. sopa de colorau, 1 c. chá de cominhos, 1 c. chá de erva doce, 1 limão aos gomos e esmagado, 1 laranja, idem. Inhames q. b. para 4 pessoas, conforme o tamanho.

Cortar a carne em pedaços de bom tamanho e deixar dois dias na vinha de alhos.

Numa panela sem gordura, derreter a banha e deixar aquecer bem. Escorrer muito bem a carne, espremendo para sair o máximo da marinada e fritar, em lume alto, mexendo com frequência, até alourar muito bem. Juntar a vinha de alhos coada e ferver, a apurar bem. A meio, se necessário, molhar com um pouco de água.

Limpar muito bem a pele dos inhames com uma escova de arame ou com palha de aço, a ficar bem lisa e sem "pelo". Ferver, 10 minutos. Escorrer, passar por água fria e transferir para outro tacho já com água a ferver e sal. Cozer, no tempo adequado ao tamanho dos inhames (como banalmente, espetar um palito). Passar por água fria e descascar. Se a escovadela foi forte, até nem é preciso retirar os restos de pele, que dão bom sabor. A servir, aquecer no micro-ondas só a amornar. Os inhames não são para se comer quentes. Eu até dispenso esse amornar e como-os frios.

(Receita na minha página)

08 novembro, 2007

O mundo está louco?

A notícia de hoje sobre a matança num pacato liceu finlandês não me impressiona por si própria. A mais pacífica, estável e desenvolvida das sociedades não está livre de aberrações psicopáticas. Impressionante e inquietante é outra coisa. O rapaz tinha publicado no YouTube um vídeo explícito, com mensagens de ódio a acompanhar imagens de si próprio, armado, a apontar para o liceu. O título era, nem mais nem menos, "O massacre da escola secundária Jokela, 7 de Novembro". O vídeo foi visto por 200.000 pessoas e nenhuma achou que devia avisar a polícia. O mundo está louco?

Adivinha


Esta vai principalmente para a minha gente, de/dos 60s. Tentem imaginar estas caras há 40 anos e digam por que nome eram chamados.

Joceane e Joana


O Público de ontem traz uma história exemplar. António Lança de Carvalho, controlador aéreo, tem uma vida confortável e podia ser um bom crítico de café, à nossa boa maneira. Achou que podia fazer alguma coisa mais, nem que fosse um simples acto de alcance individual, nada de uma grande revolução. Mas é assim que se fazem muitas revoluções. Reservou 1000 euros para uma bolsa que permitisse a continuação de estudos a um jovem carenciado que, de outra forma, não poderia prosseguir para o ensino secundário. A junta de freguesia dobrou a aposta. Querem coisa mais simples mas tão importante para umas incógnitas Joana e Joceane da Escola Fernando Lopes Graça de S. Domingos de Rana, mesmo aqui à beira da minha casa?

Com base nisto, José Vítor Malheiros, director executivo do Público e meu caro amigo, tem andado hoje a desafiar amigos para a constituição de uma rede de dadores de bolsas deste tipo. Obviamente que não serão necessárias contribuições de 1000 euros, mas pouca coisa anual de muita gente já dá para muito. A minha modesta contribuição, para já, foi ampliar este apelo pelos meus amigos e agora também o faço neste blogue. Quem estiver interessado no projecto, que me mande um "mail". Depois se combinará o modus faciendi.

06 novembro, 2007

E pur si muove!

Domingo, resolvi ir ver a exposição do Hermitage. Cheguei por volta das 15 horas, a fila era quilométrica e, como só podem entrar grupos reduzidos de cada vez, a informação da bilheteira foi de que me arriscava a esperar duas horas. Desisti, lá voltarei em dia de semana.

Isto faz-me pensar que alguma coisa está a mudar em Portugal, quanto à apetência pelas artes. Estou a lembrar-me também das filas enormes para a festa da música (paz à sua alma!) ou para a exposição do Amadeo. Só lamento que, em todos estes casos, a idade mediana dos interessados não seja nada jovem.

Mais uma laçada

No Diário da República, 1.ª série - N.º 212 - 5 de Novembro de 2007, foi publicado o Decreto-Lei n.º 369/2007 - o Diploma da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superio - e amanhã entra em vigor (ver aqui).
Ainda bem que se assume, legalmente e por escrito, que: "O traço essencial deste organismo é a sua independência, quer face ao poder político, quer face às entidades avaliadas, independência essa desde logo evidenciada no próprio enquadramento institucional escolhido." Eu disse ainda bem, porque logo no anexo "ESTATUTOS DA AGÊNCIA DE AVALIAÇÃO E ACREDITAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR", SECÇÃO II. Conselho de curadores. Artigo 8.º - "Composição e funcionamento um dos Órgãos principais da Fundação Privada de Direito Público" - O Conselho de Curadores é assim constituído:
1 - O conselho de curadores é composto por cinco membros, designados por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do ministro responsável pela área do ensino superior, de entre personalidades de reconhecido mérito e experiência.
2 - Dois dos membros do conselho de curadores são escolhidos de entre cinco personalidades indicadas em lista apresentada, conjuntamente, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e pela Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, ao ministro responsável pela área do ensino superior.
3 - Pela resolução do Conselho de Ministros a que se refere o n.º 1 e sob proposta do ministro responsável pela área do ensino superior, é nomeado, de entre os membros que não os referidos no número anterior, o presidente do conselho de curadores.
Compete a este Conselho de Curadores, entre muitas outras coisas mais prosaicas, "Designar os membros do conselho de administração e do conselho de revisão"; e é, basicamente, o Conselho de administração que dá as cartas ao que lá se tem que passar e decidir;
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Penso que economizaríamos muito tempo, muito carbono, muitas árvores, muito papel e, sobretudo, muita paciência e recursos financeiros, se tudo o que se refere ao actual Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior fosse, muito simplesmente, determinado por tudo e na oportunidade em que o actual Senhor Ministro da tutela muito bem entenda.

05 novembro, 2007

Nota solta (2)


Às vezes, apetece-me escrever coisas ligeiras, para relaxar. Vem isto a propósito da crónica de hoje de Rui Tavares, no Público. Critica a ideia de Vital Moreira de se referendar apenas coisas tão gerais e de entendimento comum como "queremos permanecer na UE?".  Rui Tavares, com razão, entende que isto seria um exercício gratuito, sem significado, com resposta assegurada e até com alta probabilidade de uma baixíssima votação, por desinteresse.

A seguir, escreve que isto seria como referendar a república ou as cores da bandeira. Aqui é que não estou de acordo. Creio que, de facto, as cores da bandeira não dizem nada a muita gente, mas continuo a achar que a bandeira portuguesa é horrorosa! Qualquer das que estão na imagem não é mais bonita, e respeitando as nossas cores tradicionais?

Deontologia médica

Quem escreve sobre deontologia de outras profissões devia preocupar-se um pouco com a deontologia de quem tem a comunicação social à sua disposição. Não é o que faz António Bagão Félix (ABF), num artigo de há dias no Público, "Aborto: ética e lei". Protesta contra a intenção do governo de fazer consagrar no código deontológico médico (CDM) a adequação à actual lei do aborto, deixando de ele ser considerado, como hoje, praticamente em todos os casos, como uma violação ao CDM.

Escreve ABF que "é habitual a confusão entre a lei e a ética. Mas o que é certo (e elementar) é que nem tudo o que é legal tem automaticamente o estatuto de conformidade ética e nem todo o enquadramento ético é regulado pela lei". Isto é verdadeiramente elementar, como ABF escreve.

A grande confusão, que me custa a compreender numa pessoa com a cultura de ABF, é entre ética e deontologia. São coisas completamente diferentes. A ética, embora com raízes sociais e culturais colectivas, é essencialmente do domínio individual. Neste sentido, a lei vai-lhe como companheira de caminho, mas com marchas diferentes. E a lei até é generosa, permitindo, neste caso como em muitos outros, a objecção de consciência, que, lembre-se, é um acto estritamente individual.

Deontologia é diferente. Embora assente em valores éticos, traduz-se num código imperativo, que já não tem a ver com a ética individual mas sim com o conjunto de regras que rege a prática profissional, numa determinada situação histórica, cultural e social. E, sendo um código, implica penalização pelo seu não cumprimento, independentemente da opção ética individual.

Lembremo-nos de que foi esta a opinião do bastonário. Em declarações que agora não posso reproduzir literalmente, disse que esse "valor deontológico" (não percebo: a deontologia tem regras exactas ou valores?) é milenar, já vem do juramento de Hipócrates e deve manter-se. Isto é espantoso, que um velho grego ainda continue a mandar nos tempos de hoje, mas adiante. Disse também o bastonário que, apesar disto, a Ordem não tencionava processar nenhum médico que cumprisse a nova lei. Raramente tenho lido maior exemplo de hipocrisia!

P. S. (10:00) - Acabo de ler um texto sobre o mesmo assunto de Vital Moreira, no causa nossa.

04 novembro, 2007

Nota gastronómica (XXXVI)

Restaurante de serviço

1. Não sei se já repararam que, com raras excepções, todos os restaurantes da lista ainda relativamente numerosa dos que considero serem grandes restaurantes de Lisboa resolveram encerrar ao domingo. Valha o Valle Flor mas também era o que faltava, encerrar um restaurante de hotel. Lanço uma ideia, rodarem, como as farmácias, e haver sempre um aberto, de serviço.

2. A propósito de grandes restaurantes, tive recentemente uma experiência curiosa, de duas refeições praticamente iguais, uma entrada com base em marisco, um prato de peixe, vinho branco a copo, uma sobremesa, café. Uma foi num restaurante relativamente banal, de chefe ignoto, com ambiente vulgar, com serviço de bom nível mas sem nada de especial, todavia agora na moda na linha do Estoril. A outra foi num restaurante de luxo, de alto nível de serviço em todos os aspectos, com um dos melhores chefes (estrangeiro) a trabalhar em Portugal, num ambiente de charme, onde só nos sentimos bem de fatinho e gravata. Garanto que paguei exactamente o mesmo por pessoa!!! E nem estou a entrar em conta com os grátis, "os mimos do chefe", que só tive num deles.

Notas soltas

1. A visita do rei de Espanha aos enclaves de Ceuta e Melilha está a levantar problemas e o embaixador de Marrocos em Madrid já foi chamado a casa. Tenho alguma dificuldade em encarar estes casos residuais como problemas de colonialismo. São micro-sociedades com forte identidade histórica muito influenciada pela potência dominante. É por isto que nem me passa pela cabeça que Olivença passe a terra portuguesa. Mas também, consequentemente, não era razoável que a Espanha deixasse de reivindicar Gibraltar?

2. É notícia recente que na África subsaariana a infecção da SIDA já é dupla, HIV e tuberculose. Primeiro, não é novidade nenhuma, é história já com bastantes anos. Segundo, não é só problema africano. Como se sabe, ninguém morre directamente pela infecção pelo HIV, mas sim pelas doenças secundárias à imunodeficiência. Ora, em Portugal, desde já há vários anos, a situação é essa mesmo: morte principalmente por tuberculose grave, muitas vezes com resistência múltipla aos tuberculostáticos. A situação é especialmente preocupante nos meios degradados, nas prisões, nos grupos de viciados de droga.

3. Já aqui escrevi repetidamente que o racismo, entre muitas coisas, é uma estupidez em termos científicos, segundo os quais não se pode definir o que são raças humanas. Voltei a escrever isto a propósito das senilidades de Jim Watson. É com muito prazer que leio no Público um pequeno artigo de um grupo de jovens investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência, "Será que existem raças humanas?". Parabéns aos autores, Francisco Dionísio, Isabel Gordo, Lounés Chikhi, Mónica Bettencourt Dias, Rui Martinho e Sara Magalhães.

03 novembro, 2007

Escolas públicas e privadas (III)

Procurei por toda a parte mas não consegui obter os dados brutos que o Público usou para o seu suplemento de 2.11.2007 sobre os "rankings". Tenho pena, porque, em menos de meia hora, teria feito uma coisa essencial, de estatística elementar.

Os "rankings", se elaborados com critério, dizem-me alguma coisa sobre o que melhor tenho para escolher e do que devo fugir como diabo da cruz. No entanto, qualquer pessoa sabe que isto é olhar para o menos significante estatisticamente, isto é, os extremos da distribuição. Ora o que se está a tentar fazer é a comparação entre públicas e privadas, o que é absolutamente ilegítimo num simples exercício de "ranking".

Então o que é que eu teria feito, com uma simples folha de Excel (já agora, Numbers, no Mac)? Separar públicas e privadas, calcular as respectivas médias e desvios padrão e fazer um teste "t" de Student. Só assim se comparam amostras desta grandeza (para amostras pequenas a história é mais complicada). E até podiam ter feito ANOVAs (análises de variância) bem interessantes, porque havia dados importantes de natureza geográfica, social e económica.

A gente do projecto não tem culpa, provavelmente ninguém do Público se lembrou de lhes encomendar coisa tão primária. No entanto, há no Público muita gente responsável que aprendeu estatística na universidade, o que me faz suspeitar de que há sempre estatísticas que interessam e outras que não interessam.

02 novembro, 2007

Contrapúblico (IV)

Hoje, a queixa não é minha. O meu estimado provedor do Público também recebe outras. Transcrevo a de um amigo meu, hoje.
"Senhor Provedor,

Serve a presente missiva para lhe "apontar" uma grave falsa afirmação feita hoje na página 5 do Público. Afirma o Público a certa altura do local Strauss-Kahn – Fundo Monetario Internacional: "Mas também há alguns desaires: quando o seu nome foi envolvido no escândalo de corrupção que levou à queda do Governo de Lionel Jospin".

Trata-se de uma afirmação duplamente falsa: o Governo Jospin nunca caiu e acabou o mandato; DominiqueStraus-Kahan não se viu envolvido num escândalo de corrupção mas sim num caso de detenção ilegal de uma cassete denunciando o escândalo do financiamento ilegal do PRP, o partido o então presidente francês,Jacques Chirac. DSK, foi ilibado desta acusação.

Como é possível que um jornal que se diz de referência se permita cometer erros destes? Aliás, rara é edição em que, por exemplo, na secção “Mundo” não apareçam várias afirmações “simplesmente” factualmente falsas. Salvo melhor opinião, são situações que remetem para mau profissionalismo dos articulistas e descuido."

Faço uma proposta, que nem é mais do que, pessoalmente já faço: bombardeiem a caixa de correio dos Azevedos, Belmiro e Paulo. Há-de chegar um momento em que a direcção do jornal vai cheirar a cueca borrada!

Cortesia



Ministro sofre. Luís Amado é homem que estimo muito, desde há bastante tempo. O que é que ele fez para merecer isto?

01 novembro, 2007

Escolas públicas e privadas (II)

Helena Matos voltou ontem à carga. Eu já estava à espera do famigerado cheque-ensino. Segundo a articulista "Portugal gasta 4025 euros anualmente com cada aluno que frequenta o ensino básico. No secundário esse valor sobe para 5655 euros. Digamos que este valor dividido por 12 corresponde à mensalidade de muitos colégios. Tendo em conta que o ensino é obrigatório, por que não poderá o Estado afectar à escola pública ou privada escolhida pelas famílias o valor que vai gastar com cada aluno?" (Público, 31.10.2007).

É discussão em que já não devia embarcar, de estafada que está. Com os impostos de todos, o Estado providencia, garantidamente, a educação básica obrigatória. A sua qualidade média deve melhorar, mas certamente também a de muitas escolas privadas. Mas não é o que está em causa na discussão do "voucher" ou cheque-ensino. O financiamento público, pelo contribuinte, é para assegurar o sistema público. O resto é um luxo, para quem tem meios para fazer a opção. Até ao presente, é uma opção que se paga, como se paga a opção de se ser tratado numa clínica privada (e já há quem fale em cheques-saúde!). Porque hei-de eu, com o IRS, passar a pagar esse luxo de alguns?

Há também uma coisa elementar que nunca vi discutida pelos neoliberais: as escolas privadas passariam então a ser obrigadas a aceitar todos os alunos? Ninguém imagina isso, o que reforça o meu argumento de que o cheque-ensino seria apenas um bónus aos que já são beneficiados. Que sentido esquisito de justiça social é esse?

Também não dizem outra coisa que aparece sempre discutido aprofundadamente nos EUA: o cheque-ensino é lesivo da laicidade do Estado, porque, na prática, grande parte das escolas americanas que dele beneficiam (nos poucos estados que o puseram em prática) são confessionais, em geral ligadas aos sectores evangélicos mais retrógrados. Helena Matos, que tem fontes estatísticas secretas, como escrevi ontem, é capaz de me dizer qual a percentagem de escolas privadas portuguesas ligadas directa ou indirectamente à Igreja católica ou por ela influenciadas?

Para Helena Matos não me acusar de omitir fontes, aqui vai a referência a um entre milhares de artigos, destacando eu este de Jack Phelps, por entender que é um exemplo de rigor e de objectividade na discussão e por ser publicado por um centro de estudos teológicos.

Comemorando o meu dia

Hoje, como aliás, todos os anos desde que me conheço, festejei o dia 31 de Outubro - das bruxas.
Este ano fiz um bolo, o da figura, que servirá também para comemorar, a partir do próximo dia 15 de Novembro, o primeiro aniversário da segunda data de submissão da criação de novos ciclos - cursos de Mestrado - nas instituições politécnicas públicas, sem que resulte qualquer notícia de decisão, da parte da Direcção Geral de Ensino Superior para as instituições proponentes.
No próximo dia 15, os meus caros e raros leitores estarão todos convidados para provarem a iguaria.