Sempre estranhei que, entre nós, os benefícios salariais e outros de algumas posições públicas fossem justificados apenas por uma escala de qualificações. Claro que ela é fundamental, mas não basta.
Ela importante porque, primordialmente, dá um lugar melhor posicionado no mercado de trabalho. Há muito menos médicos do que empregados de escritório, os médicos ganham mais. Mesmo quando aumenta a oferta, por exemplo de gestores, esse aumento pode ser menor do que o da procura e sobem os salários. Por isto, na actividade privada, impera a negociação individual.
Os funcionários públicos habituaram-se a uma outra lógica, a das carreiras com escalas salariais fixas e não se questionam sobre a razão das diferenciações salariais, ficando-se pelo argumento linear das qualificações. Veja-se o caso de um professor universitário, logo após a conclusão do doutoramento. Por um grau, o doutoramento, que lhe consumiu três anos de uma carreira com expectativa de 30 anos, passa a ganhar bastante mais do que um licenciado assessor principal, no topo da carreira.
É claro que também joga aqui o mercado, porque público e privado não são compartimentos estanques. O professor doutorado também tem a posição privilegiada e competitiva, face ao colega menos qualificado, de poder passar mais facilmente para o sector privado, se o Estado não o compensar bem.
No entanto, eu vejo uma outra justificação importante, menos discutida. Uma das coisas que, a meu ver, justifica as benesses é o factor risco. Um chefe de secção corre apenas os riscos banais do estatuto disciplinar. O tal doutorado arrisca-se a não ser nomeado vitaliciamente, ao fim de 5 anos. No entanto, segundo esta lógica, é necessário que aceite esse risco como natural, coisa que raramente acontece.
Da mesma forma, um director geral corre os da vulnerabilidade à confiança política. Um presidente de instituto cuja direcção depende essencialmente do seu programa corre o risco de esse programa não ser aceite e ter de se demitir. Só com isto é que se pode invocar o direito a benefícios, para além dos que decorrem da sua posição negocial no mercado de trabalho (o que, repito, não acontece na função pública). É a lógica, entre muita outra coisa, do grande salário de um CEO.
O problema das carreiras públicas, e estou a pensar especialmente na docente universitária, é que temos uma grande tendência para querer "ter o bolo e comê-lo" ("You can’t have your cake and eat it too", conhecido provérbio inglês).
Nota - Este apontamento bem podia ser intitulado de "O caso Dalila Rodrigues (III)"
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2 comentários:
Faltou aqui um ponto importante e que se aplica a muita boa gente.
Os que nunca quiseram fazer carreira e sempre declararam não exercer em exclusividade.
Alguns destes, que trocam uma percentagem certa do seu salário pela liberdade de fazerem outras coisas, tendo pagamento incerto, optam em tempos maus e maus tempos por solicitarem com todos os ssss e rrrr aos reitores que os coloquem na situação de licença sem vencimento.
São marinheiros de portos vários e mulheres de mau porte, seja-lhes perdoada a fotografia às três pancadas pela possibilidade de trazerem - a maior parte das vezes - notícias de outros ventos e novas aragens.
Quer se queira quer não, está-se demasiadamente parado na universidade portuguesa, por mor do salário certinho e contadinho!
COmo forma de aumentar a investigação nas universidades podiam pagar de forma heterogénia consoante o número de artigos científicos publicados e investigações realizadas.
POr isto, a avaliação podia ser fixada pela própria universidade através da autonomia das universidades remunerando assim segundo as condições descritas em cima.
Uma carreira de docente universitário, neste momento, passa por fazer um livro ou dois de apontamentos e dignar-se a enfretar os alunos.
Podiam também dar mais atenção aos projectos pioneiros dos alunos e incubadoras de empresas e premiar esses alunos.
Associar docentes-representantes a empresas privadas como forma de inter-ligação com a universidade vs. empresa.
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