Em tempos convulsos como os actuais, de crise financeira globalizada, de horror perante acontecimentos como os de Bombaim, talvez passe um pouco despercebido o que se está a passar na Grécia. Não devia passar, porque creio que tem um significado profundo. Aparentemente, violência urbana em protesto contra a morte de um jovem ateniense atingido por um polícia. Mas três noites já de grande violência, com centenas de automóveis incendiados, lojas saqueadas, já não só em Atenas mas também em Salónica e em Creta, são facilmente entendíveis como protesto pelo assassínio de um jovem?
Isto faz-me lembrar a crise de violência em França, há dois ou três anos, com a agravante de ser agora mais difusa, não circunscrita a filhos de imigrantes. Temos estado a prestar maior atenção ao terrorismo, como agora na Índia. De certa forma, acontecimentos como estes de Atenas parecem sugerir que o terrorismo, por horroroso e condenável que seja, pode ser entendido, analisado nas suas raízes e, por isto, relativamente previsível e controlável, apesar do seu componente surpresa. Essa outra violência urbana, sem a "lógica" do terrorismo e sem o seu quadro ideológico fundamentalista, pode prefigurar, ainda como pequenas chamas, um grande incêndio a abrasar muito do nosso modo de viver. Estou convencido de que é sintoma de um cada vez mais profundo e destruidor mal estar social, uma descrença azeda na nossa ordem política, até mesmo, serei exagerado?, nos fundamentos da civilização. Tudo misturado com uma perplexidade e insegurança de valores que parece uma atitude de niilismo ético e ideológico.
Em Portugal, julgo que acontecimentos esporádicos, como conflitos localizados entre grupos étnicos, ainda nos situam longe deste panorama pessimista. No entanto, os sinais desse tal niilismo, dessa descrença generalizada, do sentimento de perda de referências, já aparecem, sendo bem visíveis na net. Muito poderia dizer mas deixo isso à capacidade de observação dos meus leitores. Vejam só, por exemplo, o que por aí vai de comentários, geralmente anónimos, a textos na blogosfera. Mais flagrantemente, note-se o que é o atirar para todas as direcções de lama moral e política, porca, reles, cobarde, mas também possivelmente desesperada e psico-socialmente doente, que é a generalidade dos inúmeros comentários a notícias nos sítios de jornais "online". Não seria de os responsáveis dos jornais reflectirem sobre o que estão a propiciar?
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