01 dezembro, 2006

Duas notas, atrasadas

1. Há dias, Eduardo Prado Coelho escreveu no Público, sobre o próximo referendo, que "a questão consiste apenas numa decisão de tipo filosófico, quando começa a vida humana". Parece-me dupla tolice. Primeiro, porque, julgando eu que é EPC é pelo sim, está a colocar-se no terreno minado preferido dos adeptos do não. Segundo, porque isto não me parece que seja questão de filosofia. Começo por perguntar o que é hoje a filosofia, que me parece navegar em águas duplas. Por um lado, há matérias essencialmente filosóficas, a ética, o sentido da vida, a estética, mas mesmo assim recorrendo a contributos científicos. Outras são questões em que a filosofia é precária, aguardando pela ciência. Ainda há dois séculos, a psicologia era filosofia. Também a cosmologia, disciplina hoje totalmente assimilada pela ciência.

No entanto, dou o benefício da dúvida a EPC, se ele está a pensar no que vou dizer. Pode a ciência definir o que é o princípio da vida, muito mais da vida humana? A biologia assume o conceito de vida como abstracção, essencialmente como coisa com base relativamente objectiva: a vida é o que há de comum nos seres vivos, coisa objectiva que a ciência sabe bem o que é. É, por natureza, um processo contínuo, a nível individual e das gerações. No início, passa por frases igualmente importantes para a evolução intra-uterina de um futuro ser: a fertilização, a nidação, a activação do primeiro gene especificamente humano, a diferenciação, o nascimento para uma vida autónoma. Sendo um contínuo, é quase impossível definir uma única data determinante.

Acho curioso que toda esta discussão "filosófica" esqueça o outro extremo, o da morte. A pressão prática (transplantes, exageros de cuidados médicos) roubou-a à filosofia, ninguém hoje nega o conceito de morte cerebral. Porque é que o mesmo critério não se há-de aplicar ao início da vida? Seguramente que a vida cerebral aparece muito depois da fertilização.

2. O caso Litvinenko desafia toda a minha capacidade de análise racional. Putin está na mira. É, para mim, uma personagem bastante detestável, mas longe de mim pensar que é estúpido e, à primeira vista, o caso Litvinenko é estúpido. Um envenenamento flagrante, com marcas de estado, num país estrangeiro, de um oposicionista menor, numa época em que a Rússia se quer afirmar no G8. Podia haver uma hipótese maquiavélica, a de uma operação ex-KGB para comprometer Putin. Não tenho dados para discutir esta hipótese.

No emaranhado de teias de corrupção em que se embrulhou a Rússia pós-comunista, inclino-me mais a pensar em outros responsáveis, mais ou menos mafiosos. Isto leva-me a uma consequência terrível. Há quem hoje possa dispor de polónio-210, que não se vende em qualquer drogaria. A seguir, não virá uma bomba nuclear?

No meio disto, há coisas que não percebo. Aparentemente, alguém andou a espalhar resíduos de polónio por hotéis, escritórios, até cinco aviões. Não são traços de radiação emitida por eventuais contaminados, são resultado de derrame da substância radioactiva. Quem a usou, com alta sofisticação, não soube acondicioná-la? E logo cinco aviões! Os assassinos andaram a fazer turismo?

1 comentário:

Anónimo disse...

Vale a pena dar uma volta pelo AskPhilosophers (já recomendado aqui). Tem uma categoria específica sobre o tema.

http://www.amherst.edu/askphilosophers/topic/Abortion