30 junho, 2008

Hipocrisia

Há dias, o Público trazia uma notícia intitulada “Empresa alemã que serviu os nazis tem estado a imprimir dinheiro para Mugabe”. Parece que o dinheiro é impresso em quantidades enormes, transportado semanalmente para Harare para suportar a política de Mugabe. A empresa é a Giesecke & Devrient que, durante o nazismo, fez diversos trabalhos para o governo hitleriano, bem como para empresas como a Daimler e a Junkers. Terá estado envolvida também na tentativa falhada de inundar a Inglaterra com libras falsas.

Parceiro de negócios pouco recomendável, admito, mas justificando esta parangona de agora? A empresa já vai com mais de 60 anos de actividade depois do fim do nazismo e provavelmente nunca mereceu até hoje honras de notícia. Mas não teve clientes durante todos estes anos? E não terão sido clientes bem respeitáveis? E a Krupp, a Bosch, a Bayer, a Hoescht, a Basf ou a Siemens? E os bancos suíços que receberam ouro alemão roubado aos judeus, não têm lá hoje contas de tudo o que é mais “in” na finança e política “respeitáveis”?

Declaração de interesses: não tenho qualquer simpatia pelo sr. Mugabe, mas isso nada tem a ver com esta nota.

25 junho, 2008

Mas também vos posso trazer as chinelas e um cafezinho


Pois é, hoje só trago boas notícias:


Primeiro, uma Belíssima Notícia - já não é sem tempo mas, ela aqui está (via blog Diário Jurídico): Decreto-Lei n.º 107/2008, D.R. n.º 121, Série I de 2008-06-25 - o tal Decreto do estudante a tempo parcial.
A Segunda Excelente Notícia, via Público - a Universidade de Aveiro entendeu utilizar verbas próprias para ressarcir despesas de pessoal, sem pôr em causa a investigação - (nem o poderia fazer legalmente).
Fica sempre bem a uma Universidade não andar em choradeira deprimente pelos cantos dos gabinetes, e manter uma postura de resolução permanente de problemas enquanto defende os seus direitos.
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Meus caros e raros leitores, não é por nada - estou muito longe de femininismos - mas começo a achar que uma reitora faz a sua diferença no cenário nacional, e para muito melhor!

..lá que podia estar bem pior.... isso podia!

Hoje (ontem), foi um dia interessante de notícias para a Educação Superior - mas que não estando nem remotamente relacionadas com o MIT, não constam das novidades ou destaques do site MCTES, que pula as suas informações de 19 para 24 de Junho, numa única penada e, para o gestor da página, o que o MCTES fez em 23 de Junho de 2008, foi irrelevante.

Assim:

1- Por intermédio da atentíssima Revista de Imprensa de MJMATOS do Blog Que Universidade? ficámos a saber que "Mariano Gago defende que universidades devem discutir currículos com o mercado de trabalho", por um artigo subscrito no Público por Barbara Wong.
Pois é das raras vezes que concordo com esse senhor e, por isso, deixo aqui o registo.
Mais interessante ainda, é sabermos que essa frase foi proferida na sessão de abertura de um evento que eu diria ter ocorrido na total clandestinidade, não fosse tratar-se de uma organização, no dia de ontem, 23 de Junho de 2008, pelo Conselho Nacional de Educação - Seminário "O Processo de Bolonha e os seus Desenvolvimentos" - e pelo facto dos perfis pessoais da larguíssima maioria dos intervenientes, até ver, serem quase insuspeitos.
Gostei, particularmente, das afirmações arrojadíssimas, sobre a concepção pessoal acerca do financiamento das universidades públicas, atribuídas a sua Excelência o Senhor ex-Ministro Marçal Grilo - presentemente, no bom recato de uma trincheira, com perto de 9 anos passados da sua assinatura da Declaração de Bolonha e que, no seu tempo, manteve cuidadosamente como "um assunto classificado" enquanto ele mesmo o mandava cozinhar "medium rare" a Pedro Lourtie, mas em lume brandíssimo... Lembram-se, os meus caros e raros leitores disso e deles?
Vejam só que até eu, com a péssima memória que nem tenho, me lembro bem das partes-gagas da época, mas o referido senhor ex-ministro esqueceu-se do seu papel de embrulho-embrulhador em todo esse processo, e agora parece-me que só lhe faltou dizer: ah! não fora euzinho.... bem, se calhar, até disse!

2 - Outra notícia interessante foi subscrita por Madalena Queirós no Diário Económico, também de 23 de Junho de 2008 - sobre a criação de cursos nas universidades e politécnicos - pp. 40, 41 e 48. É interessante, porque revela-nos preto no branco que - apesar de, há mais de um ano, os critérios legais e procedimentos de criação de cursos, deverem ser idênticos para qualquer subsistema, como é de bom tom nacional, as Universidades continuam a fazer tudo o que lhes apetece, ....e os Politécnicos? Esses também!
Só que as primeiras fazem o que lhes apetece em passo acelerado, e os segundos apenas depois de uma demorada e prolongadíssima bênção campal da Direcção Geral de Ensino Superior, e após esta "ouvir" uma Comissão de Especialistas (esta constituída por Incógnitos e que leva bastante tempo para fazer o que quer que faça... e que ainda não percebi bem o que seja, mas lá que levam teeeeeeeeeempos e teeeeeeeeempos, isso levam - para cima de muitos meios anos - ainda bem que a referida comissão é de especialistas... UFA!...já imaginaram o que não seria se não fossem?).

Enfim, por isso, é o que vos digo: tudo poderia estar bem pior, ... lá isso, podia!
Podia, por exemplo, a tal Agência de Acreditação, não ter ainda nem os curadores....
e agora já para lá andam há um mês e....e....e, nada!
Vai ver, são também especialistas...
E, em Portugal, quem não é?

23 junho, 2008

Público, jornal de referência?

Tudo isto no Público de hoje.

1. Cavaco Silva visitou a mesquita de Lisboa, onde enalteceu aspectos do islamismo que não dão razão ao fundamentalismo. Recebeu um diploma honorário. Tudo isto é importante, mas o título da notícia do Público é “O presidente da República descalçou-se para entrar na Mesquita de Lisboa”. Pois não, havia de entrar de botas enlameadas e a bebericar um uisque. Já não me lembro, mas há tempos o jornal estava bem melhor e com certeza não intitulou “Sampaio pôs uma kipa” quando ele visitou a sinagoga.

2. No mesmo artigo, diz-se que se constituiu um grupo ecuménico e abraâmico de jovens cristãos, judeus e muçulmanos para promoverem o entendimento comum. A notícia fica por aqui. Parece que coisa tão significativa tem muito menos importância do que Cavaco em peúgas.

3.



Não sei se estou a ler o Público se a Caras. Imaginam uma notícia destas, meia página, no Guardian, no Le Monde ou no El País? O Público é mesmo um jornal de referência?

21 junho, 2008

Jogos de estragédia

Embora, me encontre sob regime de alta segurança - entrei voluntariamente numa época de defeso, isto é, mantenho-me sob medidas de auto-"blogjacking" - sou, contudo, instintivamente muito dotada de alguns reflexos de Pavlov, isto é, impressionam-me e reajo sempre (de verão ou de inverno) a notícias acerca de pessoas (ou instituições) que se deviam dar ao respeito, tal como esta:
"Reitores querem encontrar-se com Sócrates antes do Verão para resolver pagamento de salários".
É deveras constrangedor, para.... para... todos nós!

Isto é, no que dá estarmos todos, permanentemente, a apostar em "alvos móveis" - a nossa verdadeira "estragédia", a todos os títulos!

Como é possível que as mais altas figuras da Educação Superior Nacional passem de lideres de uma Estratégia para o sector - o que me parece devia ser o seu único objectivo - a um plano B com o calibre de um protocolo de Baksheesh institucional...?

20 junho, 2008

Nota gastronómica (LIX)

Pota

Família e amigos continuam a encomendar-me receitas. Desta vez é um desafio, porque se trata de coisa de que não gosto, a pota. É uma variedade de lula, grande, normalmente vendida cortada às tiras e congelada. Para meu gosto, é bastante insípida e adocicada. Aqui vão algumas sugestões, sem garantias porque não experimentadas - e ninguém me fará experimentá-las!

Tiras de pota estufadas com vegetais tropicais
Tiras de pota em molho de nata azeda com alcaparras
Tiras de pota assadas com molho de mostarda
Tiras de pota estufadas à mediterrânica com arroz à banda

18 junho, 2008

Os malefícios dos centros

Numa das nossas universidades em crise financeira, está a decorrer um processo de nomeação definitiva de um professor auxiliar. Parece-me evidente que é crítico que, no processo de negociação do contrato de saneamento financeiro, a universidade dê provas do maior rigor, não obstante, mesmo até muito recentemente, ter mostrado um certo laxismo nesta matéria.

Segundo me dizem, o caso nem merece dúvidas, por uma simples leitura do currículo. É assim que se procede em toda a parte evoluída, em que um avaliador sabe muito bem o que e como avaliar, sem peias burocráticas. Entre nós, não. Já estive em júris em que se gastaram horas a discutir critérios, grelhas, coeficientes, sei lá que mais.

Neste caso, aparece um critério estranho, que na prática até nem adiantou nada: pertencer ou não a um centro reconhecido pela FCT. Os malefícios dos centros já chegaram à avaliação curricular. O que adianta pertencer a um centro? Eles são avaliados pela produção global, sem tradução na avaliação individual. Um professor pode pertencer a um centro e não fazer nada e outro - conheço muitos - ter um bom currículo, por exemplo com base em projectos apresentados pelo seu departamento e não por um centro.

Há ainda outra perversidade neste critério. Os membros dos centros perpetuam-se no poder de decidir quem é ou não membro. Tudo funciona como um clube exclusivista, porque convém aos membros, para efeitos de avaliação e financiamento plurianual, que se mantenha um nível geral de qualidade. No entanto, os membros mais activos dos centros, muitas vezes pouco interessados nas questões institucionais da universidade (leia-se, por exemplo, os problemas do departamento), podem votar facilmente a contratação de um professor medíocre mas depois recusar a sua inclusão no centro. É por isto que os departamentos têm duas classes, a primeira de membros dos centros, que investigam, e a segunda, dos excluídos, que acabam por só se interessarem pelo ensino (e que ensino, por parte de quem não faz investigação?).

Assim, nada justifica o tal critério de inclusão num centro. E, como já tenho escrito e reescrito, nada justifica hoje centros paralelos à orgânica universitária. A menos que se tenha saudades do feudalismo, coisa que alguns até defenderam que nunca existiu em Portugal.

16 junho, 2008

O referendo irlandês

O não irlandês ao Tratado de Lisboa tem suscitado reacções desencontradas, que tendem a coincidir em boa parte com a atitude dos comentadores de cá em relação ao tratado. Parece-me que a questão não é linear e deve ser vista de vários ângulos. Em primeiro lugar a questão muito debatida da justeza do referendo. Sou dos que pensam que um tratado desta natureza não deve ser referendado. Os referendos, como foi o do aborto, devem incidir sobre uma pergunta bem delimitada, de compreensão fácil e cuja discussão é acessível, em termos gerais, à generalidade dos cidadãos. Assim, eu próprio não estaria em condições de votar neste referendo, admitindo honestamente que me seria difícil analisar com um mínimo de profundidade e de compreensão um texto jurídico de 294 páginas.

Acresce, como é sabido, que este tipo de referendo serve com frequência (parece que foi o que se passou na França e na Holanda) para projecção de outras motivações, de política interna. Assim sendo, o problema não é de um determinado país, é de todos os outros membros que não têm de ver a política europeia, também deles, dependente da política interna de um outro. No entanto, a questão não é assim tão simples, porque envolve muito de oportunismo político. O referendo foi bom para a França quando da constituição europeia, agora Sarkozy fugiu dele como o diabo da cruz. Foi também um compromisso do nosso PS, agora com o novo tratado foi o que se viu. E alguém pode garantir que, se tivesse havido mais referendos, o resultado da Irlanda seria único?

Mais do que oportunismo, é também questão de desonestidade intelectual. O argumento geral para os vira-referendo foi a diferença entre o Tratado de Lisboa e o anterior projecto de Constituição. A meu ver, é falso. As diferenças eram formais ou em boa parte retóricas. Não li os textos completos, mas tudo o que li me demonstra que as propostas substantivas, nomeadamente sobre a estrutura dos órgãos de poder europeus são exactamente as mesmas nos dois tratados.

Outro aspecto é o do futuro. De acordo com o que tenho vindo a dizer, já não são uma nem duas as declarações no sentido de que nada está perdido, porque um segundo referendo irlandês (“trabalhado”?) pode bem anular este de agora. E até num prazo muito curto, desde que se introduzissem algumas pequenas alterações a “passar a mão pelo pêlo” dos irlandeses, coitados, esses estúpidos com o cérebro derretido em Guiness. Até li que seria uma “adaptação marginal” do texto, ou “ajustamentos de retórica”.

Outro ângulo bem diferente é o da legitimidade de um referendo nacional ser bloqueador de uma decisão comunitária. Protesta-se contra o facto de menos de um milhão de pessoas ter maior peso do que 490 milhões. Repare-se numa nuance significativa. De facto, não são 490 milhões, mas sim os parlamentos representativos desses muitos milhões, isto, naturalmente, sem pretender pôr em dúvida a legitimidade da representação democrática.

Creio que a questão não faz sentido, por ir contra a lógica interestadual e não federativa do projecto europeu. Em qualquer associação, empresa, sociedade, há mecanismos aceites por todos de limitação prática da sua própria capacidade como membros, o que não pode haver é limitações à liberdade absoluta de aceitar ou não a tal sociedade. O que se desenhava com o Tratado de Lisboa era, a meu ver e independentemente de eu estar de acordo, uma alteração muito substancial das regras do jogo com que a Irlanda, e todos os outros, entrou para o projecto europeu.

Dito isto, não parecer fazer sentido colocar a Irlanda perante as consequências, como alguns estão a fazer: se não quer o que todos os outros querem, saia. Alguém se atreveria a dizer isto aos franceses depois do seu não ao referendo anterior? Pior ainda é outra ideia peregrina que vejo hoje ser defendida. Haveria uma Europa política a 26, sem a Irlanda, e uma Europa social e económica a 27, incluindo a Irlanda, mas com este país (e outros que eventualmente ainda venham a não ratificar o tratado) afastado de qualquer decisão política da União Europeia. Não há dúvida de que a imaginação dos eurocratas é fértil, doentiamente fértil.

15 junho, 2008

Vaidades

Pedro Santana Lopes manifestou o seu desgosto por nunca ter sido condecorado, agora que o foi o seu rival Marques Mendes. Ó homem, se promete não nos chatear mais, nunca mais aparecer em público nem sequer na Caras e retirar-se da vida política, é com muito gosto que lhe ofereço a minha condecoração, nunca usada.

13 junho, 2008

Quem é de cá não sabe, e quem não é precisa de saber

Como quase todos os meus conterrâneos europeus, recentemente, vi-me também envolvida com os especulativos e lucrativos negócios do crude e, quanto a isso, a dedicar-me ao mercado de passados, porque essa coisa de futuros já era...
Isto é, venho adquirindo os meus combustíveis aos preços de antigamente - por exemplo, acabei de encher um depósito de uma carripana ao preço de há 30 minutos atrás - tenho a certeza de já me ter farto de ganhar um dinheiral.
Não é uma desculpa esfarrapada, mas com isto e com aquilo, não me tem sobrado muito tempo, para me dedicar ao tema deste blog.
Mas as coisas só podem melhorar, porque é essa a única tendência possível...
Como sabem os temas sobre os quais arengo em blogs reportam-se, dominantemente, ao ensino superior nacional e, tal como todos os outros nacionais residentes, venho escutando que não se sabe muito bem como estão a ser conduzidas as (profundas) Reformas do Ensino Superior, e também as da Ciência e a Tecnologia em Portugal.
Lá fundos essas reformas não têm mesmo não, meus senhores.
Se também sempre pudémos perguntar ao MIT ou Carnegie Melon e ler o Relatórios da OCDE, a partir de hoje, não temos mais porque reclamar - nem precisamos de sair do continente para sabermos do que tratam essas reformas - é só perguntarmos aos alemães, ou a alguém assim...
Se os meus caros e raros leitores ainda não se tinham dado conta que:
"São ainda opções políticas do Governo para a orientação do sistema de ensino superior reforçar o topo do sistema, a capacidade científica e técnica das instituições, assim como a sua capacidade de gestão, o seu envolvimento com a sociedade e a economia e a participação em redes internacionais. As unidades de I&D e os laboratórios associados são agentes particulares de mudança e de dinamização, cuja representação institucional está garantida ao abrigo do novo regime jurídico."
E se, por acaso, também desconheciam "Which tertiary education institutions in times of accelerated technical change?", desde há uns dias (9-6-2008) que não temos porque reclamar (vejam aqui, e aqui).
Não é mesmo muito exótico?
Eu também..., e é mesmo muito intrigante, não acham?
.......
Ora meus amigos, não sejam assim ... estava a referir-me só ao tocano.

11 junho, 2008

Nota gastronómica (LVIII)

Évora

Sempre se comeu muito bem no Alentejo, para mais usufruindo daquela que, com a açoriana (desculpem-me o bairrismo), é para mim a melhor cozinha tradicional portuguesa. Évora, pela sua dimensão, era o centro da melhor e mais larga oferta, com destaque para o Fialho. Cheguei a ir de propósito a Évora só para comer neste restaurante. Na minha opinião, tem decaído, excepto nos preços, o que, conjuntamente, o retirou da lista dos meus restaurantes obrigatórios.

Continuo a frequentar outros, com destaque para o Luar de Janeiro (que já mereceu mais) e para a Cozinha de S. Humberto, na época da caça. O mais na moda, Dom Joaquim, que fique para turistas menos exigentes. Muito melhor, é pena que fora de portas, o Lis, além do mais com uma excelente garrafeira e um dono, António Bravo, com conhecimentos de grande escanção.

Mais recentemente, fiquei cliente do Quarta Feira. É pena que se vá lá uma vez e não se possa repetir a visita a não ser bastante tempo depois, porque o restaurante só tem de notável um óptimo cachaço de porco assado.

Mas afinal, quem vai a Évora, segundo o meu gosto, só tem um restaurante imperdível, mas que não é em Évora. Vale bem os 30 Km, por estrada bem razoável e quase sem trânsito, até ao Escoural, já perto de Montemor. Não percam o Manuel Azinheirinha. Não digo mais nada, para não estragar a surpresa da escolha variada e difícil.

09 junho, 2008

Jornal de referência?

A P2 do Público de hoje evoca Curzio Malaparte, no aniversário do seu nascimento. Segundo o jornal, como se lê tanto no título como no texto (note-se, duas vezes!), foi em 1957, de facto o ano da sua morte! Espantoso. Não se trata só de desconhecer o ano certo do nascimento do escritor, 1898, mas também de total desleixo do jornalista e do editor, por saltar aos olhos que aquele ano é incompatível com outras datas citadas, tais como a da primeira guerra, em que combateu, ou a da adopção do pseudónimo, em 1925.

Coisas destas não se podem desculpar como pequenos erros naturais. Trata-se de grosseira negligência profissional, com que cada vez mais frequentemente o jornal brinda os seus leitores.

Mestrados e Bolonha

Já há muito tempo, prometi voltar a falar de mestrados. Vem hoje a propósito, por causa de uma notícia muito recente (Público, 6.6.2008, suplemento Economia), acerca da Harvard Business School (HBS), que está a reformar o seu programa de mestrado. Isto deve-se a pressões do mercado de trabalho, que considera que o actual currículo se dirige demasiadamente à aquisição de competências técnicas e menos à de competências transversais e interpessoais. Dá a impressão de que na Europa de fala muito de Bolonha mas é nos Estados Unidos que se põe Bolonha em prática.

Entre nós, continua a reinar a ideia de que o mestrado é um ciclo de estudos caracterizado principalmente por uma especialização estreita. Vejam-se só poucos exemplos: Gestão de Mercados de Arte, Psicologia das Emoções, História do Algarve, Gestão e Desenvolvimento de Destinos Turísticos, Estudos Feministas, Exercício e Saúde, Anatomia Artística, Desenvolvimento Curricular pela Astronomia. Ora a HBS só tem um mestrado e a prática generalidade dos mestrados científicos americanos é a de corresponderem a disciplinas consolidadas. isto não quer dizer que não haja especialização, mas de tipo bem diferente. É a especialização, melhor dito personalização, derivada dos percursos curriculares individuais, muitas vezes com um grau de multidisciplinaridade impossível na nossa concepção de mestrado.

É certo que, com a distinção dos dois ciclos de Bolonha, tem de haver uma maior especialização no mestrado do que no primeiro ciclo, mas isto não significa o exagero a que estamos habituados e muito menos a menorização de outras características da acção formativa. Em geral, o primeiro ciclo pode-se caracterizar pela largura de perspectiva, sólida, com conhecimento dos fundamentos e história da disciplina, aquisição do conhecimento básico, capacidade de situar no contexto as novas informações, compreensão dos métodos de análise e teorização e capacidade de aplicar das técnicas gerais. O mestrado caracteriza-se por mais do que a especialização. São também, fora as competências gerais, a prática de investigação, o conhecimento actualizado e a sua crítica, o desenvolvimento da originalidade e da criatividade e, quando é o caso disto, a aquisição de alta competência profissional.

Em próximo apontamento, discutirei com maior folga de espaço outros dois aspectos importantes do mestrado, julgo que muito pouco presentes, entre nós, na reforma à Bolonha: a recursividade, sem a sucessão imediata dos dois ciclos; e, relacionado com ela, a oferta de mestrados profissionalizantes à medida, do tipo das “professional sequences” americanas.

Nota - Coincide com este apontamento também outra notícia, do Expresso, de que extraio um parágrafo que fala por si. É Harvard!

A física quântica do senador
Por mais estranho que pareça, em 1989, Barack Obama, então estudante da prestigiada Harvard Law School, teve de apresentar um trabalho intitulado “A curvatura do espaço constitucional: o que os advogados podem aprender com a física moderna”. Para o executar, um estudante tinha de possuir razoáveis conhecimentos da teoria geral da relatividade e dos trabalhos de Werner Heinsenberg, um dos fundadores da física quântica. “Foi assim que o conheci, num contexto que realmente pôs à prova as qualidades do seu pensamento”, disse o professor Laurence Tribe, “0 trabalho requeria uma vasta curiosidade intelectual e grande imaginação.”

07 junho, 2008

... ah! E também, em Portugal, no século 21º, os dentistas

Por causa desta curiosa notícia de ontem, na LUSA "Médicos dentistas: Ordem pondera impedir acesso à profissão se continuarem a faltar saídas profissionais", fiz um breve pesquisa na internet, para avaliar a originalidade da ideia da Ordem dos Dentistas.
Pensei, para comigo, aqui está qualquer coisa para reserva de propriedade intelectual,... preciso de os prevenir.
Bom....azar! não é sequer original!
Encontrei, esta lista enorme de profissões infames:
- Among those considered infamous in fourteenth-century Germany were skinners, executioners, gravediggers, watchmen, jailers, field guards, barbers, surgeons, tooth pullers, lumbermen, foresters, shepherds, millers, latrine cleaners, refuse collectors, chimney sweeps, bath attendants, and prostitutes. Itinerant people such as peddlers, beggars, jugglers, musicians, singers, actors, dancers, acrobats, and magicians were also considered infamous. According to Blok, several categories of people with dishonorable professions can be distinguished. The first consists of people who came in contact with excreta of the human body or with illness, death, human remains, and dirt, such as skinners, chimney sweeps, barbers, and gravediggers.
Another category viewed as dishonorable consists of people who publicly exhibited their bodies for profit, such as entertainers and prostitutes.
A third category, overlapping the second group, consists of itinerant people, including beggars, peddlers, and roaming scholars.
Finally, people who lived outside the towns and villages, such as shepherds and millers, were considered infamous (Blok 1985: 30-35).
In Muslim cities in the Middle Ages, several occupations were also infamous. On religious grounds, the usurers ranked first among the disreputable.
Neither were traders of silver, gold, and silk highly regarded. Others who profited from transactions forbidden by Muslim law, such as moneylenders, slave dealers, wine sellers, and pork sellers, were also disapproved of.
Professional mourners, too, were frowned upon on religious grounds.
Prostitutes, dancers, and other entertainers, such as wrestlers, players, storytellers, and singing women, were suspected of a questionable morality and associated with vice and begging (Lapidus 1967: 82-83).
Other despised occupations that were not forbidden (harâm) but that were blameworthy or rejected (makrûh) in Islam were those whose practitioners were defiled by dead animals or animal waste matter, including butchers, tanners, hunters, and waste scavengers.
Camel and donkey drivers, shepherds, bath attendants, veterinarians, watchmen, and stablemen were considered to have low occupations and were looked down upon as well (Lapidus 1967: 82-83; Brunschvig 1962: 56)."
- vou só pedir para que seja incluída uma adenda à lista: Portugal, a impedir a formação de dentistas.... por credo ou religião? Não! Por fantasia da organização de classe.

Referência:
Karin van Nieuwkerk, 1995. "A Trade like Any Other" Female Singers and Dancers in Egypt.
ISBN: 978-0-292-78723-0

06 junho, 2008

Chanceler


Os mais familiarizados com as universidades tradicionais inglesas sabem que a sua figura máxima é o chanceler. Só depois vem o vice-chanceler, a autoridade académica, para todos os efeitos equiparável ao nosso reitor. O chanceler não é membro da universidade, tem uma posição simbólica e honorífica, embora de forma alguma desprovida de poderes, e é geralmente uma personalidade de topo da vida política, social ou cultural britânica. O chanceler de Cambridge é o príncipe Filipe e o de Oxford é lord Patten, o último governador de Hong Kong e ex-comissário europeu.

A honra de se ser chanceler, bem à anglo-saxónica, não dá benefícios, muito pelo contrário, paga-se. Muito recentemente, segundo uma notícia do Guardian, lord Patten, perante crescentes dificuldades da universidade, tomou posição pública sobre aspectos políticos importantes, coisa rara, uma “bomba atómica” que um chanceler reserva, empenhando o seu prestígio, para ocasiões muito graves. Entre outras coisas, tratava-se do subfinanciamento público crescente (lá como cá) e da dificuldade de aproveitamento de estudantes de alta qualidade, por a saída do secundário estar a ser medíocre.

Outro aspecto interessante da notícia é que lord Paten escolheu para se dirigir e lançar uma campanha de recolha de fundos foi uma reunião muito concorrida de antigos alunos (“alumni”). Não temos nenhuma tradição disto, mas o estatuto de antigo aluno é muito importante nas melhores universidades americanas e inglesas. Por exemplo, estão sempre bem representados nos “boards”. Mas também, como neste caso, são sempre dos primeiros a serem abordados para contribuições financeiras.

Tudo isto merece alguma reflexão no momento em que vai entrar em aceleração a reforma da governação das nossas universidades. Em princípio, o presidente do conselho geral podia ser como um chanceler. Parece-me que, na grande maioria dos casos, não será. Em primeiro lugar, não será fácil encontrar pessoas com tal prestígio e autoridade. Em segundo lugar, encontrar uma pessoa que, para além disso, saiba exercer essa autoridade de facto, à margem do formalmente estabelecido na lei. O presidente do CG poderá ter um grande poder se souber fazer parecer que não tem poder nenhum. E o reitor tem muito a ganhar, não se expondo, se aceitar intervenções importantes mas discretas do presidente, por exemplo junto do governo ou em manifestação de opinião.

04 junho, 2008

RSS

Um leitor chamou-me a atenção para o descuido que tenho tido com o dar a conhecer novidades do meu sítio, só por acaso tendo descoberto a minha última receita de cozinha. Mea culpa, para que é que tenho páginas RSS? Prometo pelo menos fazer um esforço para as manter em dia. São três, conforme os interesses dos leitores. Há a deste blogue, que se pode chamar clicando no ícone RSS da barra de endereço. Para quem quiser subscrever as outras, aqui ficam as indicações das páginas RSS do meu sítio “Reformar a educação superior” (artigos, notícias, legislação, comentários, etc.) e do meu espaço pessoal, incluindo a tal página de receitas de cozinha.

02 junho, 2008

Esquizofrenia

Um sintoma frequente de esquizofrenia são os raciocínios laterais. Se eu disser a um doente “ontem roubaste um banco”, ele é capaz de jurar honestamente que é mentira. Se confrontado com uma prova, explica que era mentira porque roubara o banco, sim, mas anteontem, não ontem. O circunstancial tem tanto ou mais valor do que o essencial.

Isto fez-me lembrar o que se passou há dias na Assembleia da República. Louçã acusou o PS de ter promovido reuniões em que, com o primeiro ministro, tinha estado o secretário geral da UGT a explicar o novo código laboral aos militantes. Mentira, protestou Sócrates. Mentira, gritaram os deputados do PS. E era mentira, porque João Proença, o centro da questão, tinha estado de facto nas tais reuniões mas sem o primeiro ministro.

Claro que não é esquizofrenia, é só truque político videirinho. É pior, porque os doentes não são responsáveis mas os políticos deviam ser.